Curso “Raça e Tecnologias Digitais de Comunicação” acontece em março

Desenvolvi um curso sobre “Raça e Tecnologias Digitais de Comunicação: das redes sociais aos algoritmos“. A atividade tem como objetivo apresentar um panorama do debate sobre raça, racismo, branquitude e negritude nas tecnologias digitais de comunicação em quatro encontros. O conteúdo abordará o histórico e estudos da tecnologia e mídias sociais até bibliografia acadêmica, mapeamento de casos e pesquisas empíricas e mercadológicas recentes sobre plataformas e algoritmos. Usaremos como referencial publicações afrocentradas, incluindo a coletânea “Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiaspóricos”, que será lançada início de março! Clique abaixo para saber mais e se inscrever:

Avançando Literacia Racial na Tecnologia

Em inglês, a ideia de literacy (literacia) vai além da alfabetização sobre letramento de leitura e escrita. Trata-se da compreensão básica de um determinado campo, esfera de conhecimento ou de prática de modo a permitir que as pessoas vejam a realidade de forma crítica gerando autonomia. O título do documento Advancing Racial Literacy in Tech evoca este sentido, ao propor os necessários avanços da literacia racial na tecnologia, sobretudo em um momento em que a plataformização e algoritmização do mundo cria novas ameaças para grupos minorizados como as populações negras.

O projeto financiado pelo Data & Society, reúne diagnóstico e propostas de referências no tema: Jessie Daniels, uma das principais especialistas mundiais sobre racismo online, autora de livros como Cyber Racism; Mutale Nkonde, analista do Data & Society e uma das responsáveis pelo Algorithmic Accountability Act proposta para a Câmara dos Deputados dos EUA; e Darakhshan Mir, professora de Ciência da Computação na Bucknell University.

O subtítulo do documento evoca uma controvérsia sobre os estudos quanto a algoritmos e as várias linhas de atuação propostas por desenvolvedores, empresas, pesquisadores e afins. As autoras propõem que “ética, diversidade na contratação e treinamento sobre viés implícito não são suficientes”. Para adereçar os diferentes impactos raciais da tecnologia, seria preciso seguir três fundamentos:

  • Compreensão intelectual de como racismo estrutural opera em algoritmos, plataformas de mídias sociais e tecnologias ainda não desenvolvidas;
  • Inteligência emocional sobre como resolver situações racialmente estressantes em organizações e;
  • Compromisso na tomada de ação para reduzir danos a grupos racializados.

As autoras citam diversos casos de racismo algorítmico mapeados por ativistas e pesquisadoras para falar da compreensão intelectual sobre o racismo necessária para que o caminho da literacia racial na tecnologia seja trilhado. Alguns pontos são similares à perspectiva histórica da Teoria Racial Crítica: racismo é um problema atual, não apenas histórico; raça intersecta com classe, gênero e sexualidade; identidades raciais são aprendidas através de práticas sociais; um vocabulário é necessário para discutir raça, racismo e anti-racismo; códigos e práticas raciais precisam ser interpretados com precisão; e “Branquitude” tem um valor simbólico na sociedade.

Seguindo para a inteligência emocional necessária para as organizações, as autoras falam de cinco estágios graduais com quem é confrontado sobre os vieses racistas: Negação, Ausência, Confessional, Confortável e Transformacional. Basicamente esta trilha vai da Negação, o “Não vejo um problema” até o Transformacional, que seria o “Tenho o compromisso de agir para impedir os danos do racismo”. Aqui vejo algo similar. Na divulgação dos primeiros mapeamentos de minha tese tenho sido confrontado geralmente com negação impassível, quando não ataque direto. Então acredito que o debate sobre tecnologias justas deve necessariamente irmanar com o debate sobre raça e racismo no Brasil. Em trabalho recente usei o termo “dupla opacidade” justamente para tratar de como a negação tanto da conversa sobre os impactos sociais da tecnologia quanto sobre o caráter pervasivo do racismo estão ligados.

A seção a seguir fala das barreiras à literacia racial na tecnologia. O primeiro, que também já enfrentei na própria academia, é a noção errônea que “códigos e algoritmos são apenas matemática e matemática não pode discriminar“. Para as autoras isto leva a uma rejeição agressiva sobre os trabalhos que tratam de discriminação algorítmica.

Entre as iniciativas já em curso sobre ética no setor da tecnologia, as autoras identificam três abordagens comuns: investigação dos funis para os profissionais de grupos minoritários; apoio a iniciativas de “diversidade e inclusão”; e teste de vieses implícitos. Mas todas estas abordagens tem suas fragilidades. Vale sublinhar a inclusão de profissionais de grupos racializados como panaceia. Além de não representarem efetivamente sua proporção na população, há outros problemas sobre cultura corporativa e capacidade de transformação, como a Safyia Noble cita em seu livro ao falar do Black Girls Code do Google. As autoras do relatório explicam:

As pessoas na área de tecnologia nos disseram que falar sobre “diversidade e inclusão” é comumente um modo de evitar falra sobre temas raciais diretamente. Ao invés, as pessoas falam sobre “background” ou “experiência” ou “grupos sub-representados”, o que pode ocultar o quão sério é o problema do racismo sistêmico. E, para a pequena porcentagem de pessoas negras e latinas que são contratadas em empresas de tecnologia, elas enfrentam fardos múltiplos de ter de fazer o trabalho de literacia racial para seus colegas, supervisores e cultura corporativa.

Finalizando o relatório, as autoras falam de alguns passos e ações para o futuro. Como criar uma série de vídeo sobre literacia racial; desenvolver uma ferramenta de avaliação; propor currículos para disciplinas em ciência da computação; experimentos e pesquisas sobre literacia racial na tecnologia.

Para finalizar, segue um pequeno resumo do trabalho da Mutale Nkonde sobre o atraso do governo dos EUA em reagir e tentar entender o avanço da inteligência artificial, assim como passos futuros de sua pesquisa como etnografia no congresso para entender o que os times dos deputados e senadores efetivamente sabem sobre o tema:

Baixe o documento em https://racialliteracy.tech

Por Humanidades Digitais Negras

As Humanidades Digitais ganharam mais visibilidade nos últimos 20 anos, graças à gradativa expansão do campo em termos de pesquisadores engajados, produção bibliográfica, ferramentas e projetos públicos. Um dos principais destes é a série Debates in the Digital Humanities. O livro, que pode ser lido na versão impressa ou digital interativa, reúne diversas abordagens sobre as humanidades digitais em seções com reflexões sobre sua história e futuros, métodos, práticas, disciplinas e críticas, com um foco bem relevante em text analysis.

O capítulo “Making a Case for the Black Digital Humanities“, Kim Galllon busca apresentar reflexões, casos, referências e possibilidades para uma abordagem das digitais humanidades do ponto de vista do campo chamado por ela de forma resumida de Black Studies (incluindo a linha de Africana/African American studies). Recomendo a leitura do capítulo e da produção de Gallon, que atualmente é Professora de História na Purdue University, mas aqui vou enfatizar alguns pontos do excelente texto.

Para Gallon, “os black studies tem sido entendidos como estudos comparativos das experiências culturais e sociais negras sob sistemas eurocêntricos de poder nos Estados Unidos, na diáspora Africana mais ampla e no continente africano”.

Um dos principais pontos é a percepção de Gallon sobre a pesquisa dos black studies nas humanidades digitais como um tipo de “tecnologia de recuperação(technology of recovery). As “humanidades digitais negras ajudam a desmascarar os sistemas racializados de poder em jogo quando entendemos as humanidades digitais como um campo e utilizamos suas técnicas associadas”. As tecnologias de recuperação são os esforços de grupos minorizados/marginalizados em usar plataformas e ferramentas digitais tanto para resgatar história e literatura não-registrada, apagada, invisibilizada ou intencionalmente destruída quanto para recuperar a humanidade das pessoas negras em um sistema de racialização global.

Gallon cita o papel do Digital Schomburg, um dos primeiros grandes projetos de digitalização de história afro-americana, reunindo informações, literatura e arquivos de fotografias e imagens dos séculos 19 e 20. Abaixo uma das exposições online do centro, com história de nova-iorquinos afro-americanos:

Além do aspecto histórico, Gallon explica como grandes movimentações ativistas online do “Black Twitter” e comunidades negras nas mídias sociais como #SayHerName, #BlackLivesMatter e #ICanBreathe fazem parte de esforço de recuperação também sobre o presente: os ativistas e participantes destes movimentos lembram a si mesmos e o resto da população sobre a disparidade gigantes de indicadores sociais de violência policial, emprego, educação, habitação, saúde e outros.

Em seguida, a autora discorre sobre a saliência de alguns métodos específicos, como a relativa pouca exploração de text analysis sobre literatura negra. Aqui cita o Project on the History of Black Writing, fundado por Maryemma Graham, que realizou eventos e visualizações de análise de literatura assistida por computador.

Seguindo no debate sobre o caráter das humanidades digitais negras, Gallon cita Johanna Drucker e sua defesa de “usar e construir ferramentas e infraestrutura embebidas de teoria humanística de modo que funcionem de modos que reflitam os valores das humanidades”. Isto sigficaria, então, para Gallon, que

As humanidades digitais negras então apresentam o digital como hospedeiro mútuo tanto de racismo quanto de resistência e jogam luz sobre o papel da raça como uma metalinguagem que forma o terreno digital, fomentando estruturas hegemônicas que são tanto novas e antigas e replicam e transcendem as análogas

Essa perspectiva pode gerar questões sobre a relação entre racialização da humanidade e o digital como poder, superando a percepção ainda disseminada da “neutralidade” do digital ou tecnologia, nos levando e entender melhor a condição humana.

Kim Gallon não cita no texto o projeto Black Press Research Collective, fundado pela própria. Recomendo a navegação no site e visualização que inclui registros da imprensa afro-americana do início do século XX, visualizações, mapas e gráficos sobre circulação e localização, além de registro de eventos e trabalhos derivados. Uma das visualizações mais interessantes (o mapa abaixo) é a lista de vendedores do jornal The Chicago Defender, que ajudava negros do Sul com informação sobre como se defender e migrar para sobreviver. Os dados foram retirados de base de dados do FBI, que vigia(va) qualquer iniciativa de auto-defesa dos negros americanos:

Esta resenha foi motivada pelo workshop AfricanaDHi e faz parte da bibliografia do evento.

8 livros e pesquisadoras sobre tecnologia digital, plataformas, algoritmos e genética

Neste Dia Internacional da Mulher vale notar/celebrar um resultado dos vieses de experiência, expectativas laborais e educação no mundo: as mulheres pesquisadoras estão liderando o debate sobre plataformas e algoritmos digitais e seus impactos na sociedade. Então aproveito a data para celebrar 8 livros publicados nos últimos anos indispensáveis para quem deseja compreender a contemporaneidade:

 

#1 Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism

Em Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism (2018), Safiya Noble apresenta pesquisa focada em como plataformas de busca de informação – sobretudo buscadores como Google – reproduzem e reforçam aspectos nocivos da sociedade como o racismo. Através de experimentos, levantamento bibliográfico, histórico e entrevistas, Safiya Noble mostra casos e ações relacionadas à populações minorizadas sobretudo dos EUA, como afro-americanas, latinas, judeus e asiáticos.

Clique na imagem ao lado para ler uma resenha e assista TEDx com Noble em:

 


 

#2 Artificial UnIntelligence: How Computer Misunderstand the World

Em Artificial UnIntelligence: How Computers Misunderstand the World (2018), Meredith Broussard explica os problemas dos sistemas considerados inteligência artificial hoje (como carros autônomos, métricas de plataformas digitais e outros) em três partes: “Como computadores funcionam”, “Quando computadores não funcionam” e “Trabalhando juntos”. Um destaque da publicação é que Broussard apresenta alguns conceitos através de tutoriais no Python acessíveis até para quem nunca escreveu uma linha de código na vida.

Clique na imagem ao lado para ler uma resenha e assista entrevista com Broussard abaixo:


 

#3 The Intersectional Internet: Race, Sex, Class and Culture Online

Intersectional Internet: Race, Sex, Class and Culture Online (2016) é uma coletânea editada por Safiya Noble e Brendesha Tynes. Reúne capítulos de pesquisadoras e pesquisadores estudando questões de raça, gênero e classe na internet tais como: políticas de viralidade e virilidade em masculinidades asiáticas; moderação comercial de conteúdo; análise interseccional de apps de encontros; memes no Instagram e adolescentes negras e outros.

Assista entrevista com Brendesha Tynes abaixo:

Expert Interview with Dr. Brendesha Tynes from The Steve Fund on Vimeo.


 

#4 Twitter and Tear Gas: the power and fragility of networked protest

Zeynep Tufekci é pesquisadora, ativista e jornalista turca. Em Twitter and Tear Gas: the power and fragility of networked protest, Tufekci trouxe em 2017 um outro olhar sobre os ainda festejados protestos impulsionados por plataformas de mídias sociais, como a “Primavera Árabe”. Como a veloz história mostrou, o resultado de movimentos como estes, inclusive no Brasil, foi muito diferente do que os mais empolgados da esquerda previam. Nos últimos 5 anos sobretudo a inocência sobre as mídias sociais ficou de lado em grande medida, mas o livro de Tufekci traz a tecno-sociológico sobre a contemporaneidade que vai além do simplista. O livro está disponível em versão impressa, ebook, audiobook e também um PDF de acesso livre, exigência da autora devido à importância do debate.

Assista palestra da autora em:


#5 Fatal Invention – how science, politics, and big business re-create race in the twenty-first century

Em um mundo supremacista branco, a ciência, política e grandes empresas de tecnologia estão empenhadas em recriar a noção biológica de raça através de sistemas pervasivos de tecnologia como inteligência artificial, reconhecimento de imagens, biometria e testes genéticos. Este é o tema de Fatal Invention – how science, politics, and big business re-create race in the twenty-first century de Dorothy Roberts (2012). O livro revisa conceitos de raça, eugenia, o papel da ciência racial na supremacia branca e trata de manifestações contemporâneas na genética, desenvolvimento de farmacológicos customizados, vigilância genética e outras tecnologias.

Abaixo um vídeo no qual Roberts explica o problema com medicina baseada em “raça”:


#6 The Social Life of DNA: Race, Reparations, and Reconciliation after the Genome

Em The Social Life of DNA: Race, Reparations, and Reconciliation after the Genome (2016),  Alondra Nelson traz um outro olhar ao discutir como a tecnologia de identificação de DNA, sobretudo levantamento de genealogia e origens geográficas da diáspora africana possuem impactos relevantes. Uma vez que os milhões de africanos sequestrados entre os séculos XVI e XIX foram torturados, desumanizados e impedidos de desenvolver sua educação, história e memória, Alondra Nelson mostra como das já numerosas iniciativas de afro-diaspóricos de se reconectar com a África emergem potencial e os benefícios dessa tendência.

Alondra Nelson também é autora de outros livros como Body and Soul: The Black Panther Party and the Fight Against Medical Discrimination (2011), Technicolor: Race, Technology, and Everyday Life (2001) e editora de um número especial de revista Social Text que discutiu afrofuturismo em 2002. Veja entrevista com a autora sobre o tema:

 


#7 A Networked Self and Human Augmentics, Artificial Intelligence, Sentience

Zizi Papacharissi pesquisa comunicação digital há décadas e é responsável por algumas coletâneas mais influentes no campo, como o excelente A Networked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites. Em 2018 Papacharissi lançou nada menos que três coletâneas a partir da ideia de networked self: um com recorte sobre nascimento, vida, morte e família; outro sobre plataformas, estórias e conexões; e, por fim, o que destaco sobre inteligência artificial, senciência e augmentics: A Networked Self and Human Augmentics, Artificial Intelligence, Sentience (2018). O livro reúne 14 capítulos sobre aspectos tecnológicos e éticos como direitos de agentes artificiais e impactos da IA no self.

Palestra recente da Papacharissi:

 


#8 Digital Sociologies

Organizado por Jessie Daniels, Karen Gregory e Tressie Mcmillan Cottom, Digital Sociologies (2016) é fruto de conferência sobre as sociologias digitais plurais. Na primeira parte, em 7 capítulos, trata da sociologia digital na vida cotidiana, falando de temas como estudos de comunidades online, análise de discurso digital em pequenos espaços ou gerenciamento de impressões digitais na “economia do compartilhamento. A segunda parte foca em instituições e traz 11 capítulos em torno de desigualdade e instituições, papel dos algoritmos em decisões educacionais, raça e racismo na educação e convergência de audiências online em torno de produtos culturais. A terceira parte traz mais 10 capítulos e é repleta de estudos de caso sobre corpos e corporeidade nas interseções com raça, gênero, classe e sexualidades em ambientes como Twitter, websites, apps de quantified self e tecnologias vestíveis.

Assista palestra de Tressie McMillan Cottom:

 

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W. E. B. Du Bois e a visualização de dados sobre os negros nos EUA no início do século XX

W. E. B. Du Bois (1863 – 1963) foi um dos maiores sociólogos e ativistas americanos desde a virada do século XX até sua morte nos anos 60. Invisibilizado pelo racismo generalizado também na ciência social, Dubois teve uma prolífica produção através de livros acadêmicos, revistas científicas e fundador do Movimento Niagara de ativismo pelos direitos humanos. Também foi Secretário do Primeiro Congresso Pan-Africano e fundou a importante National Association for the Advancement of Colored People (NAACP). Apesar da enorme produção, seu único livro traduzido para o português é o essencial The Souls of Black Folk, publicado em 1903 e traduzido para o português como As Almas do Povo Negro apenas em 1998, esgotado e sem novas edições (veja tradução/transcrição alternativa por José da Costa).

Primeiro negro a prestigiar Harvard com sua pesquisa de doutorado, nunca permitiu que seu pensamento e trabalho se restringissem ao mundo puramente acadêmico. Entre seus maiores feitos está a exposição American Negro Exhibit, que tomou lugar corajosamente na Exposição Universal de Paris de 1900. Na virada do século XIX ao XX as feiras mundiais tomaram lugar nas grandes metrópoles e tinham o objetivo de celebrar os avanços da humanidade – sobretudo dos países patrocinadores – em termos de indústria, maquinaria, invenções, arquitetura e ciência de todo o tipo. A Exposição Universal de Paris de 1900 foi visitada por cerca de 50 milhões de pessoas de todo o mundo. Thomas Junius Calloway, advogado, educador e jornalista, com o apoio de Booker T. Washington, solicitou ao governo dos EUA espaço no pavilhão estadunidense para mostrar o suposto compromisso do país com reformas sociais através da exposição, com colaborações de universidades e colégios industriais afro-americanos.

W. E. B. Du Bois foi convidado a participar com estudos sociais sobre a vida dos afro-americanos. Reuniu, então, dois grupos de visualizações de dados produzidas por sua equipe de estudantes e alunos da Universidade de Atlanta. O primeiro deles, chamado The Georgia Negro: A Social Study, apresentou informações sobre a população negra do estado da Georgia, então o estado com a maior população negra nos EUA. O segundo grupo de infográficos foi chamado de A Series of Statistical Chats Illustrating the Condition of the Descendants of Former African Slaves Now in Residance in the United States of America. Este grupo reuniu informações sobre educação, emprego, aspectos financeiros e outros.

Lançado no final de 2018, o livro W. E. B. Du Bois’s Data Portrais: VIsualizing Black America traz esta história, artigos, fotografias da exposição e visualizações produzidas por Du Bois com o enfoque na visualização de dados e seu impacto. Foi organizado por Whitney Battle-Baptiste e Britt Rusert,  do Departamento de Estudos Afro-Americanos W. E. B. Dubois da Universidade de Massachusetts Amherst.  Com 200 páginas, 150 são dedicadas a impressões em boa definição dos gráficos, mapas e linha do tempo apresentadas por Du Bois. Para as organizadoras, “as políticas da visualidade e a questão específica da visualidade negra eram centrais para o pensamento de Du Bois e sua teoria da dupla consciência foi expressa em um registro visual único”.

Depois da introdução pelas organizadoras, o livro inclui também textos de convidados. O primeiro é American Negro at Paris, 1900, de Aldon Morris, onde o autor traz mais informações sobre a exposição e conclui que “previu novas possibilidades de comunicar conhecimento sociológico para o público geral. Do vantajoso ponto de vista da virada do século, a sociologia inovadora na exposição segue resistindo ao teste do tempo”.

Em The Cartography of W. E. B. Du Bois’s Color Line, Mabel O. Wilson se debruça com mais atenção aos mapas e cartografias incluídas na exposição, partindo da visualização sobre o sequestro e tráfico negreiro para as Américas e Europa. A autora destaca especialmente como Du Bois conseguiu, a partir de seu trabalho e visualizações, combater a desinformação racista proposta por Hegel, que dedicou textos a negar a história da África e promover o racismo “científico”.

Por fim, em Introduction to the Plates, Silas Munro sublinha o aspecto inovador das produções de Du Bois e como avançou e aplicou na prática as invenções de William Playfair e Florence Nightingale. Para Munro, “A inovação retórica nas ciências sociais combinada com uma estética visual no início do século XX tornou a exposição um material presciente de trabalho em design. Estas visualizações ofereceram um protótipo de práticas de design que não foram amplamente usadas até um século depois, antecipando as tendências – hoje vitais no mundo contemporâneo – de design para inovação social, visualização de dados em serviço de justiça social e a decolonização da pedagogia”.

Veja algumas das visualizações e imagens do livro (algumas fotografias minhas e outras da Smithsonian mas todas estão no livro):

a) Índice das visualizações

b) Visualização do sequestro e tráfico negreiro

c) Cartão postal da exposição Pan-Americana em Nova Iorque, realizada no ano seguinte

d) Ocupação dos negros americanos depois da emancipação

e) Estudantes negros em escolas da Georgia

f) População negra e status de escravidão/liberdade de 1790 a 1870

g) Comparação de ocupação entre negros e brancos na Georgia