W. E. B. Du Bois e a visualização de dados sobre os negros nos EUA no início do século XX

W. E. B. Du Bois (1863 – 1963) foi um dos maiores sociólogos e ativistas americanos desde a virada do século XX até sua morte nos anos 60. Invisibilizado pelo racismo generalizado também na ciência social, Dubois teve uma prolífica produção através de livros acadêmicos, revistas científicas e fundador do Movimento Niagara de ativismo pelos direitos humanos. Também foi Secretário do Primeiro Congresso Pan-Africano e fundou a importante National Association for the Advancement of Colored People (NAACP). Apesar da enorme produção, seu único livro traduzido para o português é o essencial The Souls of Black Folk, publicado em 1903 e traduzido para o português como As Almas do Povo Negro apenas em 1998, esgotado e sem novas edições (veja tradução/transcrição alternativa por José da Costa).

Primeiro negro a prestigiar Harvard com sua pesquisa de doutorado, nunca permitiu que seu pensamento e trabalho se restringissem ao mundo puramente acadêmico. Entre seus maiores feitos está a exposição American Negro Exhibit, que tomou lugar corajosamente na Exposição Universal de Paris de 1900. Na virada do século XIX ao XX as feiras mundiais tomaram lugar nas grandes metrópoles e tinham o objetivo de celebrar os avanços da humanidade – sobretudo dos países patrocinadores – em termos de indústria, maquinaria, invenções, arquitetura e ciência de todo o tipo. A Exposição Universal de Paris de 1900 foi visitada por cerca de 50 milhões de pessoas de todo o mundo. Thomas Junius Calloway, advogado, educador e jornalista, com o apoio de Booker T. Washington, solicitou ao governo dos EUA espaço no pavilhão estadunidense para mostrar o suposto compromisso do país com reformas sociais através da exposição, com colaborações de universidades e colégios industriais afro-americanos.

W. E. B. Du Bois foi convidado a participar com estudos sociais sobre a vida dos afro-americanos. Reuniu, então, dois grupos de visualizações de dados produzidas por sua equipe de estudantes e alunos da Universidade de Atlanta. O primeiro deles, chamado The Georgia Negro: A Social Study, apresentou informações sobre a população negra do estado da Georgia, então o estado com a maior população negra nos EUA. O segundo grupo de infográficos foi chamado de A Series of Statistical Chats Illustrating the Condition of the Descendants of Former African Slaves Now in Residance in the United States of America. Este grupo reuniu informações sobre educação, emprego, aspectos financeiros e outros.

Lançado no final de 2018, o livro W. E. B. Du Bois’s Data Portrais: VIsualizing Black America traz esta história, artigos, fotografias da exposição e visualizações produzidas por Du Bois com o enfoque na visualização de dados e seu impacto. Foi organizado por Whitney Battle-Baptiste e Britt Rusert,  do Departamento de Estudos Afro-Americanos W. E. B. Dubois da Universidade de Massachusetts Amherst.  Com 200 páginas, 150 são dedicadas a impressões em boa definição dos gráficos, mapas e linha do tempo apresentadas por Du Bois. Para as organizadoras, “as políticas da visualidade e a questão específica da visualidade negra eram centrais para o pensamento de Du Bois e sua teoria da dupla consciência foi expressa em um registro visual único”.

Depois da introdução pelas organizadoras, o livro inclui também textos de convidados. O primeiro é American Negro at Paris, 1900, de Aldon Morris, onde o autor traz mais informações sobre a exposição e conclui que “previu novas possibilidades de comunicar conhecimento sociológico para o público geral. Do vantajoso ponto de vista da virada do século, a sociologia inovadora na exposição segue resistindo ao teste do tempo”.

Em The Cartography of W. E. B. Du Bois’s Color Line, Mabel O. Wilson se debruça com mais atenção aos mapas e cartografias incluídas na exposição, partindo da visualização sobre o sequestro e tráfico negreiro para as Américas e Europa. A autora destaca especialmente como Du Bois conseguiu, a partir de seu trabalho e visualizações, combater a desinformação racista proposta por Hegel, que dedicou textos a negar a história da África e promover o racismo “científico”.

Por fim, em Introduction to the Plates, Silas Munro sublinha o aspecto inovador das produções de Du Bois e como avançou e aplicou na prática as invenções de William Playfair e Florence Nightingale. Para Munro, “A inovação retórica nas ciências sociais combinada com uma estética visual no início do século XX tornou a exposição um material presciente de trabalho em design. Estas visualizações ofereceram um protótipo de práticas de design que não foram amplamente usadas até um século depois, antecipando as tendências – hoje vitais no mundo contemporâneo – de design para inovação social, visualização de dados em serviço de justiça social e a decolonização da pedagogia”.

Veja algumas das visualizações e imagens do livro (algumas fotografias minhas e outras da Smithsonian mas todas estão no livro):

a) Índice das visualizações

b) Visualização do sequestro e tráfico negreiro

c) Cartão postal da exposição Pan-Americana em Nova Iorque, realizada no ano seguinte

d) Ocupação dos negros americanos depois da emancipação

e) Estudantes negros em escolas da Georgia

f) População negra e status de escravidão/liberdade de 1790 a 1870

g) Comparação de ocupação entre negros e brancos na Georgia