Livro Griots e Tecnologias Digitais referencia e referencia nossas mais velhas

Griots em algumas culturas africanas se refere às pessoas mais velhas que contam histórias e consequentemente propagam ensinamentos e é a partir desta perspectiva que o livro Griots e Tecnologias Digitais foi concebido! Organizado por Thiane Neves Barros (UFPA) e por mim, a obra tem como objetivo contribuir com o resgate de ensinamentos ancestrais nos debates contemporâneos emergentes. Para tanto, os vários artigos que compõem o livro dialogam com as e os intelectuais negros: Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Clóvis Moura, Milton Santos, Cida Bento, Zélia Amador de Deus, Sueli Carneiro, Abdias Nascimento, Nilma Lino Gomes e Antônio Bispo dos Santos.  

O livro, que conta a contribuição de pesquisadoras e pesquisadores dos campos da comunicação, ciências sociais, direito e da educação, tem no prefácio a assinatura de Zelinda Barros (UNILAB) e no posfácio Paulo Victor Melo (IADE/Universidade Europeia), dois pesquisadores referências no campo do conhecimento brasileiro. Veja o sumário completo:

  • Prefácio, por Zelinda Barros
  • Do Pretuguês Tecnológico à Blogagem Coletiva: A reconstrução de um caminhar tecnológico diante da virtualização da vida, por Viviane Rodrigues Gomes, Charô Nunes e Larissa Santiago
  • O exercício do sujeito posicionado de Beatriz Nascimento por feministas negras nas redes sociais, por Dulcilei da Conceição Lima
  • Ciberquilombismo – o quilombismo de Abdias Nascimento e sua atualização na cibercultura, por Nelza Jaqueline Siqueira Franco 
  • Ciência, Tecnologia e Interdisciplinaridade: as críticas visionárias de Abdias Nascimento, por Taís Oliveira
  • Entre aparelhos de repressão e a quilombagem: Vigilância e contra-vigilância negra a partir do olhar de Clóvis Moura, por Elizandra Salomão e Pedro Diogo Carvalho Monteiro
  • Cida Bento e Iray Carone: Entre os Pactos e os Silêncios das Performances da Branquitude nas Redes Sociais, por Catharinna Marques
  • Zélia Amador de Deus e o legado científico-tecnológico de Anase para a luta de mulheres negras na Amazônia paraêense, por Thiane de Nazaré Monteiro Neves Barros
  • Aprendendo com Sueli Caneiro: estratégias de hackeamento do dispositivo de racialidade, por Pâmela Guimarães-Silva
  • A experiência transformadora da Academia Preta Decolonial: Tessituras de um diálogo com Nilma Lino Gomes e os “Saberes Emancipatórios”, por Michelly Santos de Carvalho e Leila Lima de Sousa
  • Tecnologias Emergentes: reflexões a partir da Intelectualidade de Milton Santos, por Taís Oliveira e Tarcízio Silva
  • Antônio Bispo e o legado da contra-colonização: possibilidades para a governança da internet, por Mariana Gomes da Silva Soares
  • Posfácio: Seguir caminhando (presente), olhando para trás (passado) e projetando o que virá (futuro), por Paulo Victor Melo

A coletânea Griots e Tecnologias Digitais tem como editora a LiteraRUA, produção da Desvelar, revisão e estratégia de comunicação pelo Instituto Sumaúma e a arte de capa e diagramação são assinadas pela designer Juliana Vieira.

Griots e Tecnologias Digitais pode ser adquirido no no site da LiteraRUA. Acesse e baixe a versão gratuita em PDF:

Racismo e desinformação: apontamentos sob a perspectiva antirracista

De que modo a desinformação fortalece e é implicada por lógicas racistas? Como as fake news se articulam com outros fenômenos, como o discurso de ódio, e, deste modo, aprofundam violências contra grupos racializados? O que os diversos conteúdos enganosos sobre Marielle Franco, que circularam rapidamente na internet após o seu assassinato, nos dizem sobre desinformação como expressão do ódio racial? As diferentes narrativas que surgem sobre jovens negros logo após serem assassinados, como se fossem criminosos, e como se isso fosse justificativa para suas mortes, não materializam uma simbiose entre desinformação e racismo?

Buscando refletir sobre essas questões, o texto representa uma contribuição no sentido de pluralizar o debate sobre desinformação no Brasil, tendo como base o entendimento de que não é possível falar em desinformação ou fake news desconsiderando o racismo e as desigualdades raciais que nos caracterizam. Foi redigido pelas coordenadoras e membros do Grupo de Pesquisa em Comunicação Antirracista e Afrodiaspórica e publicado como capítulo do livro “Comunicação e ciência: reflexões sobre a desinformação” editado pela INTERCOM.

Humor racista e resistência na mídia social brasileira – entrevista com Luiz Valério P. Trindade

O livro No Laughing Matter: Race Joking and Resistance in Brazilian Social Media foi recentemente lançado por Luiz Valério P. Trindade, doutor pela Univ. de Southampton, pela editora Vernon Press.

A pesquisa investiga o fenômeno social da construção e disseminação de discursos racistas coloniais contra mulheres negras em ascenção através do humor pejorativo nas mídias sociais. No livro, Luiz Valério P. Trindade adota numa perspectiva inovadora, explorando de forma complexa as camadas do que é visto como humor e revela as camadas das ideologias coloniais que permanecem no Brasil. A publicação do livro é de interesse especial pois vai contra ideias ainda promovidas de excepcionalismo e democracia racial no país.

Tive o imenso prazer e honra de escrever o prefácio, que pode ser baixado com a introdução e sumário. Quem conferiu nossa última coletânea teve a oportunidade de ler o Luiz Valério P. Trindade em português através do capítulo Mídias Sociais e a naturalização de discursos racistas no Brasil.

Gentilmente, o prof. Luiz Valério P. Trindade cedeu uma entrevista exclusiva para o blog! Leiam a seguir as respostas à questões desenhadas especialmente para cá:

Tarcízio Silva: Como o humor racista pode ser visto como uma performance da branquitude nas mídias sociais?

Luiz Valério P. Trindade: A disciplina estudo crítico de humor ainda é relativamente incipiente no Brasil e mais ainda no que diz respeito ao estudo do humor de cunho racista, enquanto nos EUA e Inglaterra se estuda este tema deste os anos 1960-70. Já no Brasil, Os principais trabalhos nesta área surgem a partir dos anos 1990 e tem adquirido mais corpo nos últimos 10 anos aproximadamente; e minha pesquisa de doutorado se insere neste cenário.

Contudo, um aspecto comum nos estudos desta disciplina consiste na característica ambígua do humor de cunho depreciativo. Ou seja, como o humor consiste em uma forma de comunicação socialmente aceita em grande parte das interações sociais, isso permite que muitas pessoas transmitam ideologias racistas e preconceituosas sem parecer flagrantemente racistas, xenófobas, intolerantes, etc. Afinal de contas, de acordo com seu ponto de vista, tudo não passa de uma ‘brincadeirinha’.

Sendo assim, para dar um exemplo ilustrativo, quando um humorista usa o Twitter para se referir a uma parlamentar negra e nordestina com uma piada do tipo “pensei que fosse a tia do café”, ele está transmitindo uma série de ideologias preconceituosas. Porém, como seu tuite provoca o riso coletivo, nem todo mundo consegue perceber o que está embutido ali. Acontece que este tipo de piada embute uma ideia de deslegitimização do papel social exercido por aquela mulher negra (Como assim? Ela é uma parlamentar?). Transmite também um estranhamento com relação à sua presença naquele espaço social historicamente dominado por homens brancos de classe média. Por fim, traz também um preconceito com relação ao seu lugar de origem. Ou seja, por ser uma mulher nordestina, é esperado que ela se engaje em profissões de pouca qualificação formal como, por exemplo, copeira.

Portanto, todos estes aspectos representam facetas da ideologia do branqueamento profundamente arraigadas no imaginário coletivo brasileiro, a qual normaliza uma série de atributos positivos a pessoas brancas e, em contrapartida, negativos e subalternos a pessoas negras. E o humor racista permite que se reforce e disseminem estas percepções de forma aberta nas redes sociais, porém, geralmente livre de críticas já que são encaradas como ‘brincadeirinhas’.

TS: As categorias encadeadoras de movimentações racistas online que você descobriu estão em sua maioria ligadas a marcadores de distinção exibidos nas mídias sociais. Essa descoberta parece ser outro indicador da fragilidade do conceito de “filtros bolha”, ainda tão em voga?

LVPT: Não vejo tanto o fenômeno da construção e disseminação de discursos racistas nas redes sociais sob o prisma de ‘filtros bolha’ como cunhado por Eli Pariser. Na verdade, o que observo em meus estudos é a manifestação do que se chama de ‘câmara de eco’, no sentido de que a disseminação de conteúdos racistas e depreciativos atrai inúmeras pessoas com pensamentos e ideologias convergentes e, por consequência, as redes sociais facilitam a amplificação do alcance de discursos desta natureza. Como esta tecnologia digital atua através de poderosas conexões entre seus usuários (os chamados nós das redes sociais) que crescem em proporções exponenciais, isso contribui para a rápida e instantânea disseminação do conteúdo (ou como se diz, popularmente, a viralização).

TS: Sua pesquisa inspirou movimentações de cobrança às plataformas de mídias sociais no Brasil. Inclusive sobre o Twitter, onde o discurso de ódio racista motivou relatórios até da Anistia Internacional. Como você vê as particularidades do ambiente em relação ao Facebook?

LVPT: Naturalmente que o Twitter e o Facebook possuem suas especificidades no que diz respeito à experiência de interação do usuário com a plataforma. No entanto, em se tratando de construção e disseminação de discursos racistas, não vejo muitas diferenças substanciais entre elas. Isso porque ambas capacitam os usuários defensores de ideologias supremacistas, xenófobas, etc. disseminarem conteúdos desta natureza de uma forma instantânea e ampla.

Além disso, é importante salientar também que, invariavelmente, este tipo de conteúdo transita através de diferentes plataformas. Ou seja, um usuário pode começar um ataque racista contra alguém, por exemplo, no Facebook e, muito rapidamente, aquele mesmo conteúdo pode estar circulando pelo Twitter, Instagram, WhatsApp e assim por diante.

Por fim, meus estudos revelaram também que conteúdos de cunho racistas podem, eventualmente, continuar a engajar usuários (tanto novos como recorrentes) por até três anos após a publicação original do post. Em outras palavras, discursos racistas transmitidos pelas redes sociais não se tornam ‘jornal do dia anterior’, o qual se utiliza somente para embrulhar peixe na feira. Pelo contrário, sua ‘vida útil’, por assim dizer, pode ser muito longa. A consequência desse fenômeno é a amplificação do impacto negativo daquele conteúdo racista e depreciativo na vida da pessoa que foi objeto do ataque (mesmo que ele tenha sido proferido na forma de piada).

TS: Considerando que a interface entre racismo/antirracismo, internet e tecnologias é um universo de pesquisa ainda – relativamente – pouco explorado pela perspectiva negra, quais boas questões você recomendaria para os pesquisadores em formação que acompanham o blog?

LVPT: Bem, as redes sociais ainda constituem uma tecnologia digital relativamente nova com menos de duas décadas de existência (ex.: o Facebook foi fundado em 2004 e o Twitter em 2006). Sendo assim, o campo de possibilidades de estudos é ainda bastante vasto e repleto de possibilidades. Em termos metodológicos, por exemplo, considero importante o desenvolvimento de mais estudos qualitativos que nos ajudem a compreender por que os fenômenos ocorrem de determinada forma. O que está embutido neles. Quais as motivações ideológicas por trás deles. Não quero com isso descartar ou minimizar a importância e validade de estudos de cunho quantitativo, mas sim sugerir uma abordagem que nem sempre tem sido suficientemente explorada. Recentemente tive conhecimento também de um novo campo de estudo chamado ‘black Twitter’ que me pareceu muito interessante e promissor.

Por fim, sugiro também que procurem explorar o fenômeno dos chamados bots nas redes sociais e seu impacto em regimes democráticos. Este tema veio à tona com muita força nas eleições presidenciais no Brasil em 2018 e também nos EUA. Já foram publicados estudos muito interessantes a este respeito, mas, até onde sei, a maioria em inglês. Portanto, ainda há bastante espeço para publicações e estudos em português explorando o fenômeno sob o contexto/realidade brasileira.

Acompanhem o trabalho do prof. Luiz Valério P. Trindade no Academia.edu, YouTube e Scholar

Antirracismo digital na Colômbia: similaridades com o Brasil

A Colômbia é o segundo país com a maior população negra da América do Sul. Em grande parte, os afrocolombianos vivem na região do Pacífico e enfrentam problemas similares aos dos negros brasileiros. Apesar destas similaridades, os epistemicídios engendrados pela supremacia branca no nosso país nos impedem de conhecer e colaborar mais com os vizinhos.

Buscando combater um pouco desta lacuna, o livro Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiaspóricos conta com um capítulo de Nisousha Roshani, especialista no tema.
Roshani realizou pós-doutorado por Harvard e é doutora em Educação pela University College London, além de cofundadora do Black Digital Youth.
No livro, traduzimos trabalho onde ela apresenta parte de resultado de sua pesquisa comparativa entre os dois países: “Discurso de ódio e Ativismo Digital Antirracismo de Jovens Afrodescendentes no Brasil e Colômbia”.

A partir de estudos realizados em colaboração entre o Berkman Klein Center for Internet e Society, o Afro-Latin American Research Institute e o Black Women Disrupt, Roshani mapeou e entrevistou jovens ativistas afrodescendentes do Brasil e Colômbia entre 2016 e 2018. O texto parte de uma retomada dos pontos principais sobre as similaridades entre os discursos racistas no Brasil e na Colômbia. Para a autora,

a exclusão das populações afrodescendentes acarretou em grandes perdas para essas nações. Historicamente excluídos dos níveis públicos e privados, a maioria dos afrodescendentes na América Latina vive em condições de pobreza diretamente refletidas em perdas de renda na região, um grande impedimento para o desenvolvimento social e econômico da região (Zoninsein, 2001). Contudo, a resistência da juventude afrodescendente na Colômbia e no Brasil existe desde a formação de ambas as nações e foi intensificada na era digital.

O texto resgata casos relevantes nos dois países de ativismo e articulação digital como #NoMasSoldadoMicolta e #MariellePresente, elaborando como o ativismo digital da diáspora negra incorpora uma transição “do luto à luta”. Ações da sociedade civil no Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Cali, Costa Pacífica da Colômbia, Quibdó e Cartagena são referenciados, tais como GatoMÍDIA, Voz da Comunidade, Instituto Mídia Étnica, Vale do Dendê, Desabafo Social, BlackRocks, PretaLab, MEJODA, , TIKAL Producciones, Domibdó e Observatorio Distrital Antidiscriminación Racial.

Um dos projetos citados da Colômbia que achei bem interessante é o Andando, um marketplace digital para turismo nas regiões rurais da costa Pacífica da Colômbia.

Andando – ecoturismo comunitário

A pressão de instituições da sociedade civil e afroempreendimentos nas políticas públicas brasileiras e colombianas é o tema de seção particularmente interessante do texto, que faz companhia a considerações sobre reconstrução de identidades, enfrentamento à linguagem racista, promoção de novas narrativas e outras áreas de luta. Em uma das conclusões, Roshani aponta que

Ações digitais antirracismo lideradas por OSCs e ativistas podem ter um impacto mais significativo se forem combinadas com esforços do governo e de indústrias poderosas. Sem intervir no sistema educacional e romper as normas estruturais e culturais subjacentes, seria extremamente desafiador mudar a tendência online.

O clube de leitura da Inspirada na Computação debateu o capítulo, assista em:

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