Por que empresas de mídia insistem que não são empresas de mídia, por que estão erradas e por que isso importa?

Mais um caso de racismo em plataformas de mídias sociais. Desta vez, o criador de “conteúdo” ou “influenciador” Cocielo, que já trabalhou pra marcas como Coca Cola, Asus, Submarino e outras publicou um tweet racista contra o jogador Mbappé e deletou em seguida, preocupado com os impactos comerciais que teriam. Quando o print do tweet começou a circular, tanto o youtuber quanto amigos e fãs argumentaram que “quem conhecece o Cocielo sabe que ele não é assim” e variantes. Foi o estopim para mostrar que sempre foi assim, na verdade: publicações racistas, misóginas, homofóbias, transfóbicas e violências de todo o tipo foram descobertas por outros tuiteiros e a reincidência em crimes de ódio ficou mais que evidente.

O absurdo de marcas e agências contratarem gente como o Cocielo, permitindo que suas vozes sejam replicadas e fortalecidas (uma vez que os remuneram aumentando seu público) foi coberto por várias analistas, como  Stephanie Ribeiro que comentou que “marcas patrocinam qualquer um, menos os negros com discurso engajado“. Em reportagem no Alma Preta, Thalyta Martins cita fala da historiadora Suzane Martins sobre as “desculpas” do YouTube – “Isso seria trabalhar a política racial em um âmbito individual mediado por conceitos como ‘culpa’ ou ‘perdão’, que dizem mais sobre uma visão cristã e maniqueísta do mundo do que sobre política e projeto de sociedade”. Anderson França em postagem relembra que “eleger pessoas negras engajadas nessa pauta, mudar leis, agir, de cima pra baixo, na educação, no judiciário, nas polícias, nas estruturas fundamentais do estado e da sociedade, para que possamos evitar os novos atos de racismo e mais: eliminar a cultura do racismo.”

Mas este caso está longe de ser novo. Como ocorreu em vários momentos nos últimos anos, criadores de conteúdo, atores e apresentadores de TV cometem repetidamente crimes de ódio nas mídias sociais. Então este caso é um ótimo momento para refletir: por que as plataformas de mídias sociais protegem criminosos? E por que não estamos falando disto?

Plataformas como Twitter, YouTube e Facebook devem ser vistas como mídia, não só como tecnologia. Algoritmos, recursos como Moments, termos de uso e aplicação restrita ou alargada dos Termos de Uso (como encobrir e até remunerar racistas com recursos como Conta Verificada) são, efetivamente, decisões editoriais. Elas não possuem o formato de decisão editorial como em jornais tradicionais, mas o são. E precisamos falar sobre isso.

Um ótimo ponto de partida é o artigo Por que empresas de mídia insistem que não são empresas de mídia, por que estão erradas e por que isso importa?, escrito por Philip Napoli e Robyn Caplan e publicado ano passado na First Monday. Acabou de ser publicado em versão em português, com tradução feita por mim e Willian Araújo na revista Parágrafo. Esta edição da revista Parágrafo inclui um dossiê completo sobre mediações algorítmicas, editado por Willian Araújo e Carlos D’Andrea, com artigos, traduções e entrevista.

No caso do artigo em questão de Napoli e Caplan, resumo pode ser visto a seguir:

Uma posição comum entre plataformas de mídia social e agregadores de conteúdo é sua resistência em ser caracterizados como empresas de mídia. Ao contrário, empresas como Google, Facebook e Twitter tem constantemente insistido que deveriam ser pensadas como puramente empresas de tecnologia. Este artigo critica a opinião que estas plataformas são empresas de tecnologias ao invés de empresas de mídia, explora seus argumentos subjacentes e considera as implicações políticas, legais e regulatórias associadas com o aceite ou recusa desta opinião. Como o artigo ilustra, não é apenas uma distinção semântica, dado que o histórico de classificação precisa de tecnologias e serviços da comunicação possui profundas implicações em como estas tecnologias e serviços da comunicação são avaliadas por decisores políticos e tribunais.

Os autores cobrem os vários argumentos usados por estas plataformas para se posicionarem no campo da “tecnologia”, contra-argumenta mostrando suas fragilidades e, por fim, apresentam a importância desta crítica e os papéis que a academia e sociedade civil podem exercer para uma internet mais justa.

Acesse o artigo diretamente e confira todo o dossiê em http://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/issue/view/59/showToc

 

Fake News. Velha prática, novo nome: o papel das mídias sociais

“Fake News” foi eleita a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Macquarie e em 2017 pela “Sociedade Americana do Dialeto” (The American Dislect Society”). A abundância informacional e aparente aceleração de mudanças comportamentais tem gerado novos termos tais como fake news, pós-verdade, selfie e afins. Na maioria dos casos estes novos termos trazem uma nova popularidade a práticas que já existiam como literalmente notícias falsas ou as barrigadas no jornalismo.

Eu, particularmente, não gosto de neologismos. Fake News sempre existiram seja por incompetência jornalística seja por projetos organizados. Há casos emblemáticos que se tornaram livros e são estudados e ensinados por nós em faculdades e disciplinas de análise do discurso. O impacto de notícias falsas sempre foi relevante pois a cobertura incompetente ou má intencionada costuma ser em manchetes  e destaques, enquanto as correções e erratas são notas de rodapé. Porém, historicamente, sabemos que alguns grupos sociais, como a esquerda ou minorias políticas e identitárias são alvos mais frequentes de fake news.

Mas será que as pessoas acreditam em fake News? Em levantamento recente realizado pelo INCT, brasileiros foram consultados sobre “fake News”. Será que os brasileiros acham que acreditam em fake News? Quase 70% acredita que não caem em fake news.

Além disto, a desconfiança depende do emissor e veículo. Os brasileiros confiam em notícias compartilhadas por amigos e familiares, o que sua viza a desconfiança com plataformas de redes sociais. Se é um amigo ou familiar compartilhando na própria mídia social, esta desconfiança diminui. Então fake news é um conceito performativo. A perseguição contra as chamadas “fake news” pode ajudar a criar ou intensificar novas relações de poder que podem, não paradoxalmente, ter malefícios na circulação de informações, sobretudo políticas.

Nos EUA podemos ver partidários do Trump chamando toda e qualquer notícia crítica ao político como “fake news”? Quem define o que é verdade e quem define o que é falso? No Brasil, o grupo que mais declara receber fake news, na pesquisa do INCT Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, são os auto-declarados no extremo ideológico da direita.

 

Então trata-se de batalhas discursivas que tem a ver com poder. E queria trazer aqui uma definição de poder a partir do Latour. Ao falar das redes, o sociólogo usou a ideia de “ponto obrigatório de passagem”. Nos desenhos das redes e seus fluxos, poder é tornar-se na rede um ponto, um nó no qual todos precisam passar para agir. Monopólio sobre um tipo de força – hoje, trata-se da audiência, do tempo das pessoas.

De fato, estamos falando do poder de controlar boa parte da audiência, mídia e rastros de atividades humanas. Mas, para além disso, empresas como Facebook tem investido em outras áreas como tecnologias materiais, drones, satélites, realidade aumentada e infraestrutura de acesso. E as forças das interfaces entre tecnologia e comunicação estão concentradas sobretudo no chamado GAFA = sigla para dar conta de Google, Apple, Facebook e Amazon. Juntas, tem valor de mercado superior ao nosso PIB. Mas este poder é produzido sobretudo pela análise e aplicação da ciência.

A interpretação da realidade social mudou de locus. Os grandes levantamentos de dados sociais e demográficos nas últimas décadas são frutos de instituições do estado e universidades. O Censo, na maioria dos países, é o exemplo mais claro. Levanta dados de milhões de domicílios, mas a cada 5 ou 10 anos. Entretanto, velhas e novas corporações são cada vez mais intensamente calcadas em levantamento e cruzamento de bases de dados sobre seus clientes e usuários. Hoje, em certa medida, empresas como Facebook, Google, Amazon, Twitter, Uber e afins podem realizar alguns tipos de análises que deixam universidades de ponta a ver navios. Publicamos no blog do IBPAD uma lista de 10 coisas impressionantes que somente o Facebook consegue estudar sobre a sociedade.

Mas esta abundância de dados festejada por muitos como um novo momento da sociedade ou mesmo de ciências, como ideias de “viradas computacionais” escondem um aprofundamento do gap entre o que a sociedade civil, universidades ou mesmo estados conseguem fazer em relação a grandes corporações como Facebook e Google.

Assim como temos opacidade nos algoritmos que regem as plataformas digitais, também temos opacidade em como os dados que nós geramos são usados. Foram raros e assustadores alguns artigos publicados por cientistas do Facebook.

Nas eleições de 2012, o Facebook realizou experimento mostrando para parte dos americanos um banner sobre o dia das eleições. Para outra parte de usuários, mostrou o mesmo banner marcando quais amigos já foram votar. A estimativa de votos gerados pelo uso desse reforço social foi de 280 mil votos. Ou seja, uma pequena mudança na interface do Facebook fez 280 mil pessoas saírem de casa pra votar, por pressão dos amigos. Mas pressão mediada e escolhida pelo Facebook.

Dois anos depois, Facebook o publicou artigo sobre um experimento psicológico em massa. Modificou o algoritmo de exibição de notícias de 700 mil pessoas e para parte dessas pessoas, ofereceu publicações mais positivas, alto astral. Para outra parte, publicações negativas, sobre tragédias e afins. A partir daí provou que a exposição a mensagens positivas tem um impacto psicológico, pois as pessoas publicam mais coisas positivas. E vice-versa. Ou seja, brincou com as emoções de centenas de milhares de pessoas. Não preciso nem falar o quanto isto é problemático.

Desse modo, escândalos como Cambridge Analytica são úteis para gerar mais noção e consciência sobre os problemas mas, a rigor, a Cambridge Analytica foi um bode expiatório. O grande problema foi a microssegmentação que a Cambridge realizou, a rigor baseada em recursos do próprio Facebook.

A idealização de mídias sociais como mecanismos persuasivos por si só não é nova e utilizou como experimento aplicativos  jogos sociais dentro das plataformas. Em 2008 esteve muito em voga a captologia, que é a disciplina focada em gerar tecnologias de persuasão. Em alguns casos, para persuasão positiva na área de saúde, por exemplo, mas em outros focadas em mercado e política. O B J Fogg, pesquisador de Stanford, propôs em 2008 o conceito de “persuasão interpessoal de massa”.

Pela primeira vez, segundo B J Fogg, alguns sistemas reuniam estas seis características. Experiência Persuasiva, Estrutura Automatizada, Distribuição Social, Ciclo Rápido, Grafo Social Imenso e Impacto Mensurável. Alguns casos de sucesso mercadológico foram empresas como a Zynga que rapidamente alcançou centenas de milhões de usuários e permitiram empresas como o Facebook aprenderem bastante sobre mecanismos de persuasão com gamificação.

Então estudar os modos pelos quais as interfaces são construídas e editadas para fins específicos é essencial.

E aí temos um ponto cego nas pesquisas em comunicação. Este ponto cego são as plataformas de auto serviço publicitário em Facebook e Google anúncios. Falamos muito de algoritmos, mas esquecemos com frequência de suas aplicações na área de anúncios microssegmentados. Em parte me parece que isso acontece porque pesquisadores de comunicação não tem dinheiro, então experimentos que envolvem investimento deste tipo ficam de fora dos escopos.

Só que nestas eleições, a legislação eleitoral cedeu ao lobby de Facebook e de Google. E seus dois modelos de anúncio são os únicos aprovados para campanha eleitoral na internet. Entretanto, o modelo de leilão destas plataformas permite não só que grandes partidos dominem o ambiente com mensagens criadas para “viralizar” (em detrimento de qualidade de propostas e debate) como permite que outros atores interfiram de forma indireta

As soluções possíveis não são fáceis e passam por reconhecer pelo menos 5 grandes necessidades: a) Plataformas de mídias sociais devem ser vistas como construídas também por seus milhões de usuários – trabalho imaterial gratuito; b) Plataformas de mídias sociais são empresas de comunicação, não de “tecnologia” – reguladas por interesse público). c) “Auditoria” algorítmica e crítica da economia política das plataformas. d) Papel social do jornalismo abraçado pela sociedade. e) Promoção de alternativas midiáticas abertas (plataformas open source de blogs plataformas).

Hipersegmentações de Publicidade na Era Algorítmica: desafio ético para as organizações

A plataformização da web é uma das principais preocupações de alguns pesquisadores e ativistas em torno do mundo. Rapidamente a empolgação recente de pesquisadores de diversas vertentes já parece datada. A crença de que “os meios tradicionais de comunicação passaram a perder espaço para essa nova modalidade intercomunicativa, operacionalizada não mais por proprietários de veículos de comunicação, mas por cidadãos comuns” (MAZZUOLI, p.229) é parcialmente correta, mas fica claro que novas hierarquias foram construídas entre numeratis, indivíduos com uma capacidade maior de análise de dados através de lógicas computacionais (BAKER, 2009).

A internet e as mídias sociais trazem dados sobre aspectos demográficos, sociais e comportamentais dos indivíduos com volume e visibilidade de um modo anteriormente pouco imaginado até na ficção científica. Entretanto, para acessar, processar, visualizar e agir sobre estes dados, são necessárias capacitações tradicionalmente associadas a formações das áreas de Computação, Engenharia, Estatística e Matemática. Em sua maioria, cursos que formam profissionais com pouca ou nenhuma carga de humanidades e ciências sociais, infelizmente. Um dos numerati do Vale do Silício é Christian Rudder, graduado em Matemática e fundador da OkCupid, site de relacionamentos inaugurado em 2004. Rudder publicou em 2014 o livro Dataclysm: Who We Are When We Think No One’s Looking, traduzido para o português no mesmo ano.

A publicação é uma ode ao big data e análise de dados não obstrusivos armazenados sobre indivíduos em seus usos cotidianos de plataformas, websites e apps dos mais diferentes tipos. Além da proeza computacional de processamento e análise de dados de milhões de pessoas, os resultados do livro são um alerta importante: trilhões de pontos de dados sobre relacionamentos, preferências afetivas e sexuais estão disponíveis apenas para um punhado de pessoas, que detêm ou trabalham em departamentos de pesquisa de plataformas como a OkCupid. São dados fechados que apenas o próprio Rudder poderia ter acesso: o livro se baseia em dados proprietários tratados por um matemático empreendedor que deixa diversos padrões científicos e trabalho crítico sobre as informações levantadas de lado. Nenhum pesquisador acadêmico teve ou poderia ter acesso a estes dados brutos.

Assim, mesmo os pesquisadores acadêmicos de ponta criando projetos e visualização na interseção entre sociologia, filosofia e tecnologia digital estão em desvantagem. Em importante artigo sobre métodos quali-quantitativos para estudar traços digitais, Tommaso Venturini e Bruno Latour dizem que “digital mediation spreads out like a giant roll of carbon paper offering the social more data than they ever dreamt of” (VENTURINI & LATOUR, 2010, p.9). A rigor, a mediação digital oferece de fato mais dados do que jamais imaginado, mas crescentemente são concentrados de forma extrema nas bases de dados e grupo de cientistas de empresas como Facebook, Google, Amazon, Apple e Twitter.


Recomendo o trabalho de Scott Galloway e seu livro The Four sobre o tema da concentração de valor, comunicação e poder em Google, Facebook, Apple e Amazon


O conceito de Noortje Marres de “redistribuição dos métodos” é loquaz para este problema. Ao tratar do avanço de empresas comerciais de comunicação no entendimento da sociedade, Marres (2012) explica como isto interfere na relação entre sociedade, mercado, estado e academia. Os exemplos são inúmeros. Mais ainda do que o caso citado anteriormente sobre a OkCupid, empresas como Facebook mantêm departamentos de pesquisa que investigaram temas como: graus de separação entre indivíduos (BACKSTROM et al, 2012); polarização política (BASHKY et al, 2015);  e até mesmo os laços fortalecidos entre amigos de pessoas recém-falecidas (HOBBS & BURKE, 2017). Entretanto, dois casos receberam mais destaque por serem experimentais e intervenientes na realidade: interferência na probabilidade de levar americanos a votar nas eleições; e contágio emocional, alcançado através de ajustes nos algoritmos de forma não-declarada, modificando artificialmente estado emocional de mais de 680 mil pessoas no Facebook (KRAMER et al., 2014).

 

Polêmica recente na esfera político-eleitoral também tem levado representantes das plataformas ao Congresso americano. Ganha destaque sobretudo o uso do sistema de anúncios para distribuir notícias falsas a segmentos hiper-personalizados de eleitores nos EUA, para promover votos em determinados candidatos ou, mesmo, desmotivar qualquer voto de eleitores pouco prováveis[1].


Sobre o tema, o trabalho da Zeynep Tufekci pode ser resumido no TED acima. Traduzi a transcrição aqui no blog.


E quanto às organizações do setor privado, quais impactos e decisões devem ser consideradas? Como as organizações tem lidado com questões éticas sobre uso de plataformas de anúncios hiperssegmentados, automatizáveis e programáticos?

A oferta de sistemas de anúncios hiperssegmentados cresceu de forma incontrolável nos últimos 10 anos graças ao uso intenso de mídias sociais e promoção de visibilidade de características demográficas, preferências culturais e comportamentais. O sistema do Facebook, por exemplo, permite criar anúncios direcionados a pessoas através de: variáveis demográficas clássicas – como idade, gênero, localização; renda e profissões; preferências culturais quanto a músicas, artistas, literatura, extraídas de likes; tipologias de fases da vida e eventos, como divórcio recente, novo emprego, relacionamento à distância; composição familiar; e combinações de todas estas variáveis e muitas outras.

O uso destas segmentações está há poucos cliques de qualquer pessoa ou empresa. No modelo self service basta um cartão de crédito e um anúncio pode ser criado em pouquíssimos minutos. O ecossistema de atores do mercado de audiência e suas divisões claras entre os atores componentes, a saber: Organizações de Mídia; Anunciantes; Agências; Empresas de Mensuração; e Consumidores (NAPOLI, 2003). Esta indefinição de papéis associada a aceleração das decisões em um ambiente veloz e competitivo, mudando, como explica como explica Bueno, “vem alterando drasticamente o perfil tradicional das organizações empresariais. Sobretudo, tem provocado uma mudança profunda no relacionamento entre as corporações e os seus distintos públicos de interesse” (BUENO, 2000, p.50).

O papel das escolhas conscientes de corporações no uso de anúncios online é questionado em casos como o descoberto por pesquisadores que avaliaram diferenças entre anúncios voltados a homens e mulheres no Google. Ao construir um sistema automatizado de coleta de anúncios, que fingia ao sistema do Google ser diferentes homens e mulheres, os pesquisadores compararam o conteúdo patrocinado. Como principal resultado, perceberam que homens recebem muito mais anúncios de vagas de trabalho e serviços de coaching ligados a posições de maior remuneração e prestígio do que mulheres (DATTA, TSCHANTZ & DATTA, 2015). Em reportagem publicada no The Guardian[2], Samuel Gibbs explica que “profiling is inherently discriminatory, as it attempts to treat people differently based on their behaviour and personal information. While that customisation can be useful, showing more relevant ads to users, it can also have negative connotations”.

Não só pesquisadores estão acompanhando onde e como as organizações publicam mensagens e anúncios, mas também ativistas. O grupo Sleeping Giants[3] tem como objetivo “stop racist and sexist media by stopping its ads dollars. Many companies don’t even know it’s happening. It’s time to tell them”. A tática é simples e efetiva: os administradores do perfil e colaboradores podem flagrar anúncio de alguma empresa em sites de fake news de extrema-direta como o Breitbart, tirar print do anúncio e informar, geralmente através de um tweet, que o anúncio está sendo veiculado no site – ou seja, financiado as práticas nocivas e antidemocráticas.

Centenas de empresas responderam alegando não saber que seus anúncios estavam sendo veiculados naqueles sites. Possivelmente é verdade: sistemas de compra de anúncio online oferecem diferentes opções de segmentação para toda a rede de sites cadastrados e a inclusão ou exclusão de websites específicos é um processo manual raramente feito. A Sleeping Giants ainda ensina as empresas e agências dispostas a como retirar os sites das campanhas, diminuindo suas receitas possíveis.

Neste panorama complexo, ainda não há uma clara definição, regulamentação ou auto-regulamentação das grandes empresas sobre como agir quanto a práticas nocivas de uso de algoritmos e automatização nas plataformas de mídia online. O recente trabalho de Wilson (2017) é um dos poucos que problematiza o tema incluindo empresas comerciais, e não apenas governos ou instituições públicas. Quanto a governo, propõe a importância de marcos regulatórios e iniciativas como as pressões da União Européia para declaração de direitos civis sobre os dados, além de promover a pesquisa científica independente sobre inteligência artificial, automação e algoritmos.

No caso de empresas comerciais, reconhece que o grande desafio é que a maximização de lucros afeta as decisões tomadas por órgãos diretivos e departamentos de marketing, mas a atuação ética deve ser buscada. Explicitar o uso de inteligência artificial em mecanismos de interação (como bots e chatbots) é outro terreno que não está definido e práticas devem ser mapeadas. Quanto às próprias plataformas, o desenvolvimento de mecanismos de customização das mensagens recebidas (como opt out de recebimento de anúncios de determinadas empresas) já existe parcialmente e pode ser melhorado.

Adicionamos ainda a importância da compreensão abrangente e distribuída sobre os impactos das tecnologias digitais em tempos de incerteza. As organizações podem e devem incluir em seus planos de formação interna e endomarketing soluções que envolvam também a criação de consciência sobre os impactos das pequenas decisões tomadas na gestão de mídia e comunicação online. Poucos cliques podem ser a diferença entre uma gestão responsável e uma gestão suscetível a crises estrondosas.

 

Referências Bibliográficas

BACKSTROM, Lars et al. Four degrees of separation. In: Proceedings of the 4th Annual ACM Web Science Conference. ACM, 2012. p. 33-42.

BAKER, Stephen. Numerati–Conheça os Numerati. Eles já conhecem você. São Paulo: Saraiva, 2009.

BAKSHY, Eytan; MESSING, Solomon; ADAMIC, Lada A. Exposure to ideologically diverse news and opinion on Facebook. Science, v. 348, n. 6239, p. 1130-1132, 2015.

BUENO, Wilson da Costa. A Comunicação como espelho das culturas empresariais. Comunicação & Inovação, v. 1, n. 1, 2000.

DATTA, Amit; TSCHANTZ, Michael Carl; DATTA, Anupam. Automated experiments on ad privacy settings. Proceedings on Privacy Enhancing Technologies, v. 2015, n. 1, p. 92-112, 2015.

KOSINSKI, Michal; STILLWELL, David; GRAEPEL, Thore. Private traits and attributes are predictable from digital records of human behavior. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 110, n. 15, p. 5802-5805, 2013.

KRAMER, Adam DI; GUILLORY, Jamie E.; HANCOCK, Jeffrey T. Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 24, p. 8788-8790, 2014.

NAPOLI, Philip M. Audience economics: Media institutions and the audience marketplace. Columbia University Press, 2003.

TUFEKCI, Zeynep. We’re building a dystopia just to make people click on ads. TED. Ideas worth preading. Vídeo e transcrição de palestra. Disponível em https://www.ted.com/talks/zeynep_tufekci_we_re_building_a_dystopia_just_to_make_people_click_on_ads/transcript

WILSON, Dennis G. The Ethics of Automated Behavioral Microtargeting. AI Matters, vol. 3, n.3, 2017.

[1] https://www.theverge.com/2016/10/27/13434246/donald-trump-targeted-dark-facebook-ads-black-voters

[2] https://www.theguardian.com/technology/2015/jul/08/women-less-likely-ads-high-paid-jobs-google-study

[3] https://twitter.com/slpng_giants

 

Como Citar

SILVA, Tarcízio. Hipersegmentações de Publicidade na Era Algorítmica: desafio ético para as organizações. Online, 2017. Acesso em: XX/XX/XXXX. Disponível em: < http://tarciziosilva.com.br/blog/hipersegmentacoes-de-publicidade-na-era-algoritmica-desafio-etico-para-as-organizacoes >

12 Livros para o Profissional em Comunicação ler em 2014 – parte 4

Para finalizar as dicas de livros para 2014 (ver partes 1, 2 e 3), farei diferente: os três livros abaixo são publicações que ainda não li, mas com temas bastante relevantes, de autores que já conheço e que estão na minha lista de leitura do ano.

spreadable mediaEm Spreadable Media – creating value and meaning in a networked culture, Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green “maps fundamental changes taking place in our contemporary media environment, a space where corporations no longer tightly control media distribution and many of us are directly involved in the circulation of content. It contrasts “stickiness”—aggregating attention in centralized places—with “spreadability”—dispersing content widely through both formal and informal networks,some approved, many unauthorized. Stickiness has been the measure of success in the broadcast era (and has been carried over to the online world), but “spreadability” describes the ways content travels through social media.”

Para quem não se lembra, Jenkins é autor também de Cultura da Convergência, publicação que analisou a cultura da convergência partindo de alguns produtos culturais bastante populares. Um dos casos mais interessantes é a análise das narrativas crossmedia a partir do caso de Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, assim como a cultura da colaboração, paratextos e comunidades de interesse a partir de spoilersda série americana Survivor. Best seller, influenciou bastante o modo pelo qual o mercado pensou convergência e digital de 2008 em diante. O livro possui um site com blog, ensaios e reviews: spreadablemedia.org

a comunicação das coisasEm A Comunicação das Coisas: Teoria Ator-Rede e Cibercultura, o professor André Lemos “apresenta aspectos teóricos e exemplos práticos, sendo composto por seis capítulos e uma entrevista com o sociólogo francês Bruno Latour, o mais importante nome da TAR. O leitor vai encontrar temas atuais analisados pela ótica dessa teoria, tais como as mídias locativas, a “internet das coisas”, os dispositivos de leitura eletrônicos, como tablets e e-readers, as redes sociais, o ciberativismo, o jornalismo, entre outros. O livro, escrito por um dos mais importantes estudiosos da cultura digital no Brasil, pode ser útil para estudantes e pesquisadores em sociologia, filosofia, comunicação, geografia, arquitetura e urbanismo, informática e áreas afins.”

André Lemos é professor da Facom e Póscom-UFBA, líder do grupo Lab404 – Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital, Redes e Espaço, autor de diversos livros como Cibercultura – tecnologia e vida social na cultura contemporânea e O Futuro da Internet, em co-autoria com Pierre Lévy. Para ter uma ideia do conteúdo de “A Comunicação das Coisas”, recomendo o artigo Espaço, Mídia Locativa e Teoria Ator-Rede.

the culture of connectivityThe Culture of Connectivity: A Critical History of Social Media, escrito pela pesquisadora Jose van Dijck, da Universidade de Amsterdam “studies the rise of social media, providing both a historical and a critical analysis of the emergence of major platforms in the context of a rapidly changing ecosystem of connective media. Author Jose van Dijck offers an analytical prism that can be used to view techno-cultural as well as socio-economic aspects of this transformation as well as to examine shared ideological principles between major social media platforms. This fascinating study will appeal to all readers interested in social media.”

Jose van Dijck é autora também de outros livros, como Mediated Memories in the Digital Age, que explora como as mídias digitais reconfiguram as práticas em torno das memórias pessoais. O artigo “Users like you? Theorizing agency in user-generated content” pode ser uma boa leitura inicial dos escritos da Van Dijck.

Revista Brasileira de Pesquisa de Marketing, Opinião e Mídia

A Revista Brasileira de Pesquisa de Marketing, Opinião e Mídia é uma publicação criada pela ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa e pela ABA – Associação Brasileira de Anunciantes. Semestral, seu quinto número foi lançado em setembro deste ano. Os quatro primeiros números estão disponíveis para download em pdf. Cada número traz quatro artigos e destaco os seguintes:

nº 1 – O Setor de Pesquisas de Marketing, Opinião e Mídia no Brasil – Fauze Mattar

nº 2 – Pesquisa Etnográfica – Um estudo do uso desse instumento pelos profissionais de pesquisa de marketing – Tania Maia

nº 3 – Reflexões sobre o uso de técnicas projetivas na condução de pesquisas qualitativas em marketing – Eliane Francisco-Mafezzolli e colaboradores

nº 4 -Desafios e Oportunidades para as Marcas no Contexto da Era Digital: estudo de caso da campanha de Barack Obama – Livia e Manolita Lima