A supremacia branca é um projeto global, e a luta contra ela e suas manifestações também deve ser. Ao contrário do que se diz estrategicamente em muitos espaços brasileiros, há sim muitas similaridades e pontos em comum no pensamento e luta antirracista brasileira e estadunidense. Neste texto indico 15 livros brasileiros e 10 livros americanos, dando ênfase a traduções, essenciais para o projeto antirracista. Em breve sugestões de outros países e regiões da afrodiáspora e África. Assine a newsletter para não perder.
Neste Dia Internacional da Mulher vale notar/celebrar um resultado dos vieses de experiência, expectativas laborais e educação no mundo: as mulheres pesquisadoras estão liderando o debate sobre plataformas e algoritmos digitais e seus impactos na sociedade. Então aproveito a data para celebrar 8 livros publicados nos últimos anos indispensáveis para quem deseja compreender a contemporaneidade:
#1 Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism
Em Algorithms of Oppression: How Search Engines Reinforce Racism(2018), Safiya Noble apresenta pesquisa focada em como plataformas de busca de informação – sobretudo buscadores como Google – reproduzem e reforçam aspectos nocivos da sociedade como o racismo. Através de experimentos, levantamento bibliográfico, histórico e entrevistas, Safiya Noble mostra casos e ações relacionadas à populações minorizadas sobretudo dos EUA, como afro-americanas, latinas, judeus e asiáticos.
Clique na imagem ao lado para ler uma resenha e assista TEDx com Noble em:
#2 Artificial UnIntelligence: How Computer Misunderstand the World
Em Artificial UnIntelligence: How Computers Misunderstand the World (2018), Meredith Broussard explica os problemas dos sistemas considerados inteligência artificial hoje (como carros autônomos, métricas de plataformas digitais e outros) em três partes: “Como computadores funcionam”, “Quando computadores não funcionam” e “Trabalhando juntos”. Um destaque da publicação é que Broussard apresenta alguns conceitos através de tutoriais no Python acessíveis até para quem nunca escreveu uma linha de código na vida.
Clique na imagem ao lado para ler uma resenha e assista entrevista com Broussard abaixo:
#3 The Intersectional Internet: Race, Sex, Class and Culture Online
Intersectional Internet: Race, Sex, Class and Culture Online (2016) é uma coletânea editada por Safiya Noble e Brendesha Tynes. Reúne capítulos de pesquisadoras e pesquisadores estudando questões de raça, gênero e classe na internet tais como: políticas de viralidade e virilidade em masculinidades asiáticas; moderação comercial de conteúdo; análise interseccional de apps de encontros; memes no Instagram e adolescentes negras e outros.
#4 Twitter and Tear Gas: the power and fragility of networked protest
Zeynep Tufekci é pesquisadora, ativista e jornalista turca. Em Twitter and Tear Gas: the power and fragility of networked protest, Tufekci trouxe em 2017 um outro olhar sobre os ainda festejados protestos impulsionados por plataformas de mídias sociais, como a “Primavera Árabe”. Como a veloz história mostrou, o resultado de movimentos como estes, inclusive no Brasil, foi muito diferente do que os mais empolgados da esquerda previam. Nos últimos 5 anos sobretudo a inocência sobre as mídias sociais ficou de lado em grande medida, mas o livro de Tufekci traz a tecno-sociológico sobre a contemporaneidade que vai além do simplista. O livro está disponível em versão impressa, ebook, audiobook e também um PDF de acesso livre, exigência da autora devido à importância do debate.
Assista palestra da autora em:
#5 Fatal Invention – how science, politics, and big business re-create race in the twenty-first century
Em um mundo supremacista branco, a ciência, política e grandes empresas de tecnologia estão empenhadas em recriar a noção biológica de raça através de sistemas pervasivos de tecnologia como inteligência artificial, reconhecimento de imagens, biometria e testes genéticos. Este é o tema de Fatal Invention – how science, politics, and big business re-create race in the twenty-first century de Dorothy Roberts (2012). O livro revisa conceitos de raça, eugenia, o papel da ciência racial na supremacia branca e trata de manifestações contemporâneas na genética, desenvolvimento de farmacológicos customizados, vigilância genética e outras tecnologias.
Abaixo um vídeo no qual Roberts explica o problema com medicina baseada em “raça”:
#6 The Social Life of DNA: Race, Reparations, and Reconciliation after the Genome
Em The Social Life of DNA: Race, Reparations, and Reconciliation after the Genome (2016), Alondra Nelson traz um outro olhar ao discutir como a tecnologia de identificação de DNA, sobretudo levantamento de genealogia e origens geográficas da diáspora africana possuem impactos relevantes. Uma vez que os milhões de africanos sequestrados entre os séculos XVI e XIX foram torturados, desumanizados e impedidos de desenvolver sua educação, história e memória, Alondra Nelson mostra como das já numerosas iniciativas de afro-diaspóricos de se reconectar com a África emergem potencial e os benefícios dessa tendência.
Alondra Nelson também é autora de outros livros como Body and Soul: The Black Panther Party and the Fight Against Medical Discrimination (2011), Technicolor: Race, Technology, and Everyday Life (2001) e editora de um número especial de revista Social Text que discutiu afrofuturismo em 2002. Veja entrevista com a autora sobre o tema:
#7 A Networked Self and Human Augmentics, Artificial Intelligence, Sentience
Zizi Papacharissi pesquisa comunicação digital há décadas e é responsável por algumas coletâneas mais influentes no campo, como o excelente A Networked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites. Em 2018 Papacharissi lançou nada menos que três coletâneas a partir da ideia de networked self: um com recorte sobre nascimento, vida, morte e família; outro sobre plataformas, estórias e conexões; e, por fim, o que destaco sobre inteligência artificial, senciência e augmentics: A Networked Self and Human Augmentics, Artificial Intelligence, Sentience (2018). O livro reúne 14 capítulos sobre aspectos tecnológicos e éticos como direitos de agentes artificiais e impactos da IA no self.
Palestra recente da Papacharissi:
#8 Digital Sociologies
Organizado por Jessie Daniels, Karen Gregory e Tressie Mcmillan Cottom, Digital Sociologies (2016) é fruto de conferência sobre as sociologias digitais plurais. Na primeira parte, em 7 capítulos, trata da sociologia digital na vida cotidiana, falando de temas como estudos de comunidades online, análise de discurso digital em pequenos espaços ou gerenciamento de impressões digitais na “economia do compartilhamento. A segunda parte foca em instituições e traz 11 capítulos em torno de desigualdade e instituições, papel dos algoritmos em decisões educacionais, raça e racismo na educação e convergência de audiências online em torno de produtos culturais. A terceira parte traz mais 10 capítulos e é repleta de estudos de caso sobre corpos e corporeidade nas interseções com raça, gênero, classe e sexualidades em ambientes como Twitter, websites, apps de quantified self e tecnologias vestíveis.
Assista palestra de Tressie McMillan Cottom:
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Vamos estudar? Ao contrário do que se diz em alguns meios publicitários, a universidade dá o tom da evolução do mercado da Comunicação em diversas esferas, sobretudo quando tratamos de mídias sociais. Um dos exemplos mais pujantes disto está nas disciplinas e ferramentas ligadas a análise de redes e grafos com dados de mídias sociais, que há mais de 10 anos são intensas na academia, enquanto no mercado evoluiu nos últimos 3 anos apenas [leia mais]. Os resultados da pesquisa “O Profissional de Inteligência de Mídias Sociais” deste ano reforçam ainda mais esta importância.
Como falo desde a pesquisa de 2014, o “mercado” quer aplicações inovadoras e recompensa os profissionais que as fazem, mas escondendo (ou ignorando) que esta qualidade existe devido ao uso de conhecimento acadêmico por profissionais que conseguem fazer esta ponte.
Por este e diversos outros motivos é importante que o mercado motive e faça sua parte para consultar e incentivar (por meio de bolsas, parcerias, financiamentos etc) a aplicação do conhecimento. A academia está fazendo sua parte gerando conhecimento e formando pessoas de forma ética e responsável, então é papel do mercado fazer a aproximação se deseja transformar parte deste conhecimento para aplicações para si. Em um país no qual apenas 14% das pessoas se formam no ensino superior, é prerrogativa de qualquer indivíduo responsável motivar o conhecimento acadêmico.
No resultado da pesquisa deste ano, a tendência se fortalece ainda mais. Entre as referências profissionais mais admiradas, 70% são mestres e 50% doutores ou doutorandos. Professores universitários dedicados a pesquisa estão presentes, devido ao impacto de formação e inovação tecnológica. Entre os livros mais usados, a maioria são de publicações focadas na área e bem estruturados. Mas infelizmente o escasso hábito de leitura do brasileiro se destaca: 76% dos respondentes não recomendou nenhum livro. Ou seja, não é falta de produção, é falta de hábito.
Além disto, a ótima performance do IBPAD – Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, com apenas 2 anos de atuação, é resultado também desta postura de conectividade com o conhecimento acadêmico. Nós transformamos conhecimento e rigor científico em aplicações diversas para metodologias de pesquisa.
Vamos avançar pra enfrentar esta crise e continuar a avançar nossos profissionais? Leia a pesquisa completa no SlideShare e vamos arregaçar as mangas!
Como habitual, é hora de publicar uma listinha de livros, dicas para 2015! As dez publicações se destacaram no meu ano, trazendo novas ideias e abrindo algumas caixas-pretas mentais:
The Culture of Connectivity. da professora Jose van Dijck, que já foi resenhado aqui no blog, entrega uma excelente história crítica sobre as principais mídias sociais.
A Comunicação das Coisas: teoria ator-rede e cibercultura. O professor André Lemos (UFBA) reúne reflexões sobre cibercultura, dispositivos de leitura, sensores, mídias sociais, espaço, cidade e mídias locativas a partir de uma sólida aplicação da teoria ator-rede à comunicação digital.
Social Media in Social Research: Blogs on Blurring the Boundaries. A partir de um coletivo orquestrado coletivamente através do projeto #NSMNSS, Kandy Woodfield reuniu 53 artigos/postagens tratando de desafios, oportunidades, casos e polêmicas sobre o uso de mídias sociais em pesquisas nas ciências sociais.
Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Finalmente li esta importante obra de Howard Becker, sociólogo da Escola de Chicago. Becker apresenta os resultados de estudo sobre as ideias de desvio e regra, a partir da etnografia de dois grupos desviantes na década de 1960: usuários de maconha e músicos de jazz.
Visualize This: the Flowing Data guide to design, visualization and statistics. Publicado por Nathan Yau, influente autor do blog Flowing Data, o livro mostra na prática como trabalhar as principais dimensões da visualização de dados: padrões, proporções, relações, diferenças e espaço. Tudo isto com uma variedade de ferramentas, tais como R, Illustrator e JavaScript.
Archeology, Anthropology and Interstellar Communication: o curioso e-book publicado pela NASA problematiza a possibilidade (será que estão nos preparando?) de encontro com outras civilizações no universo, tocando em pontos sobre linguagem, comunicação, sociedade e conhecimento que devem estar sempre presentes no pensamento do analista de pesquisa.
Por fim, o pequeno livro Social Media Mining with R tem um caráter mais técnico e prático. Escrito por Nathan Danneman e Richard Heinman, ambos com experiência em inteligência militar, apresenta o passo a passo de coleta e processamento de dados em mídias sociais, com foco no Twitter.