Pesquisa acadêmica: o caminho para a evolução da análise de dados no mercado

A fatia da população brasileira com ensino superior ainda é absurdamente pequena. O gráfico abaixo compara dados de 2014 da OECD, mostrando a fatia da população entre 25-64 anos com ensino superior. Apesar da relativa evolução na última decada, o Brasil conseguiu formar apenas 14%, nesta lista à frente apenas de Indonésia e China (que, devido a sua população gigantesca, acaba por ter várias vezes o número de formados que o Brasil). Japão, Rússia, Canadá e EUA superam 50%.

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Apesar desta triste realidade, são comuns os discursos que menosprezam o papel das universidades e da formação e pesquisa acadêmicas no país, sobretudo entre parte do mercado ligado à publicidade. Lembro como, no ano passado, uma matéria sobre o papel da graduação na formação de bilionarios viralizou no meio. Seu título era “Você vai se surpreender quando descobrir qual graduação mais forma bilionários” e supostamente surpreendia o leitor ao mostrar que, na verdade, na frente de cursos de Business e Engenharia, estava simplesmente a opção “Nenhuma”. O estudo mostrou que 32% dos bilionários americanos levantados não se formaram, contra 68% que se formaram em alguma graduação. Este dado foi visto como indicador, no discurso neoliberal, de que graduação não é sinônimo de “sucesso”.

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Uma das versões da reportagem.

A ironia é que cruzar dados é justamente algo que pode ser aprendido em graduações. Os dados da OECD também mostram que 45% da população americana, onde está a maioria dos bilionários, se formou. Ou seja, 55% não se formaram contra 32% dos bilionários. Bastaria ter um pouco de repertório crítico-analítico para ver que os dados da matéria mostram que os ricaços são mais educados formalmente que a média da população. E isto sem falar de todas as variáveis sistêmicas que explicam sua riqueza.

Em novembro foi publicada a pesquisa Perfil dos Profissional de Inteligência em Mídias Sociais, desenvolvida por Ana Claudia Zandavalle.  Como comentei nos resultados do ano passado, a pesquisa mostra importante fatia de pós-graduandos neste mercado, com salário muito maior que a média.

Também curioso é que grande parte destes profissionais estão alocados em agências de publicidade, que em peso “ignoram” a formação acadêmica. Mas, nas áreas de monitoramento, business intelligence e métricas, profissionais com formação acadêmica densa se destacam. Estes profissionais se destacam nas agências por capacidades adquiridas na universidade ou através de procedimentos de investigação aprendidos em grupos de pesquisa – mas as agências subestimam a formação. Ou, pior: as desmotivam publicamente.

Já no recorte do “mercado de mídias sociais”, que cerca de 8 anos atrás ainda era uma grande novidade, um fenômeno curioso aconteceu. De um lado, predominava o discurso de que as mídias sociais eram algo “novo” e por isto as formações existentes não dariam conta de suas especificidades. Balela, claro, pois decisiva mesmo é a formação em comunicação, psicologia social, linguística e disciplinas ligadas a interação humana, e não aprender a apertar botão ou onde ficam as funcionalidades na interface do Facebook. E ao mesmo tempo, por ser um mercado percebido como novo e que não requer inicialmente muito mais que um computador, as barreiras de entrada eram mínimas. Então centenas de agências surgiram neste período, diversas delas criadas por graduandos.

Foi o meu caso. Criei com amigos uma agência em 2008, quando ainda estava acabando a graduação. O ambiente propício foi a excelência acadêmica da UFBA em um laboratório com apoio externo, do mercado. Desde então, além desta agência, ao menos quatro agências/institutos nasceram das mãos daqueles ex-bolsistas. E a maior parte continua desenvolvendo, também, pesquisa acadêmica.

Entretanto, estas parceiras público-privadas em pesquisa & desenvolvimento são raras em comunicação no Brasil. Sobretudo devido ao desinteresse das empresas em retornar o que recebem direta e indiretamente das universidades e do Estado. A desvalorização da formação acadêmica em alguns meios da comunicação se intensificou ainda mais com as narrativas em torno de figuras como Steve Jobs e Mark Zuckerberg.

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Porém, a maior parte deste discurso deixa de lado a relevância do papel das universidades no início da criação de empresas como Microsoft, Apple e Facebook; deixam de lado o quanto estas empresas contratam cientistas; e como elas próprias desenvolvem estruturas que copiam as universidades. Este discurso comumente vem casado com a velha demonização do papel do estado. Mas como mostra a consultora italiana Mariana Mazzucato no excelente livro O Estado Empreendedor, mesmo a Apple deve seu sucesso ao investimento em pesquisa de base que o liberal Estados Unidos faz:

Em suma, “descobrir o que você gosta” enquanto continua sendo “louco” é muito mais fácil em um país em que o Estado desempenha um papel fundamental, assumindo o desenvolvimento das tecnologias de alto risco, fazendo os investimentos iniciais, maiores, mais arriscados e depois sustentando-os até que os atores do setor privado, em um estágio muito mais adiantado, apareçam “para brincar e se divertir”. Assim, enquanto os especialistas do “livre mercado” continuam a alertar para o perigo de o governo “escolher vencedores”, pode-se dizer que várias políticas governamentais americanas lançaram as bases que deram à Apple os instrumentos para se tornar um dos principais integrantes de uma das indústrias mais dinâmicas do século XXI.

Mas, para além desta discussão, chegamos a um momento crucial na relação da comunicação com práticas científicas. A “era do big data” e a metrificação de (quase) tudo requerem mais ciência, mais análise, mais dados, mais rigor, mais ferramentas, mais P&D. Tanto o desenvolvimento do mercado como um todo quanto dos indivíduos interessados em atuar nesta área passa por mais especialização e ciência, não menos. É hora do mercado se atualizar e ver que os cientistas acadêmicos pesquisam e aplicam há décadas inovações que a maioria das empresas nem sonham.

Promover e defender a ciência brasileira é muito importante, sobretudo no atual momento. Se você que lê este texto atua e/ou possui algum tipo de impacto no mercado da comunicação, espero que este texto possa te tocar para fazer parte desta compreensão. Não consigo entender como um brasileiro não se choque com aquele gráfico lá no topo do post. Precisamos atuar para expandir o acesso a universidades no país e sua efetiva democratização. Do ponto de vista do “mercado”, mesmo sem pensar em motivos mais nobres, este perde em muito em não consumir e disseminar a pesquisa acadêmica.

Se você é estudante e está lendo o blog para aprender algo novo, saiba que o caminho pode passar pela junção rigorosa dos diversos mundos de conhecimentos e práticas. Leia, procure, atue, pesquise, se aproprie, transforme, ensine e leve suas experiências para a universidade e para outras pessoas.

Mas por mais válida que seja esta minha crítica em si, podemos ir além e tentar afetar o mercado de forma positiva. Recentemente lançamos mais um livro gratuito (é meu quinto) e hoje trago outra novidade relacionada ao tema que discuto aqui. Fizemos a curadoria de uma lista de 100 pessoas do Brasil e do mundo que publicam conhecimento sobre Pesquisa e Monitoramento de Mídias Sociais. Isto resultou em mais de 1 mil links de artigos, vídeos, entrevistas, ferramentas e tutoriais:

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Com uma listagem destas, é impossível dizer que há pouco conhecimento acadêmico sobre o assunto ou alegar que não o encontra.

Vamos estudar e aplicar juntos?

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