O “politicamente correto” e a avaliação crítica de leitores nas mídias sociais

A ideia e o termo “politicamente correto” passou e passa por batalhas discursivas nas últimas décadas. Autores da linha da Teoria Racial Crítica, por exemplo, explicam como a Primeira Emenda na constituição dos Estados Unidos (que trata de liberdade de expressão) tem sido usada por alguns grupos para defender discurso violento, racista, misógino e afins. A interpretação insubordinada de leis que defendem discursos que servem apenas à ódio é vista como essencial, uma vez que “o objetivo de maximizar o debate público não é alcançado em um mercado de ideias distorcido por coerção e privilégio” (LAWRENCE & MATSUDA, 1993)

Nos últimos anos termos como “politicamente correto” passaram a ser usados sobretudo por indivíduos contra qualquer tipo de sensibilidade e respeito à minorias políticas. O professor Ricardo Alexino Ferreira utiliza o termo “socioacêntricos” para dar conta de grupos com baixa representação política, social e econômica, que lutaram e lutam por ocupar espaços de poder, inclusive na comunicação, com objetivo de enfrentar – ou ao menos suavizar – as desvantagens e opressões sistêmicas que sofrem.

No artigo “Etnomidialogia e a interface com o politicamente correto“, o professor Alexino (2012) apresenta um histórico do termo, suas aplicações e controvérsias indo do impacto do trabalho de Michel Foucault (relação entre poder/conhecimento), Barthes (códigos e convenções “invisíveis” de experiência nas linguagens) e Derrida sobre a não-neutralidade da língua.

Enfatizando o papel do jornalismo, o professor faz uma ligação das “cartilhas” do politicamente correto e manuais de redação. A rigor, estes últimos instrumentos desde a década de 1950 institucionalizam as melhores práticas discursivas para o fazer jornalístico. Desde a década de 1990, sobretudo, no tratamento de grupos socioacêntricos também seria percebida

“é possível observar que os princípios do politicamente correto ou um esmerado cuidado ao abordar grupos sócio-acêntricos tem se constituído em preocupação dos veículos. No entanto, nem sempre essas orientações são seguidas. São muitos casos flagrantes de exposição de indivíduos pertencentes a esses grupos. Porém, é possível perceber que nesta última década tem diminuído substancialmente estes tipos de ocorrências, enquanto forma. Porém, enquanto conteúdo, ainda são frequentes.” (FERREIRA, 2012, p.15)

Quanto ao ponto de crítica dos leitores, é excelente observar alguns ambientes de conflitos nas audiências em plataformas digitais de publicação ou divulgação de reportagens, sobretudo as mídias sociais. Os ambientes digitais tornaram-se uma fonte que pode ser muito rica (e por vezes insalubre) para compreensão dos níveis de engajamento dos leitores na análise dos enquadramentos e decisões editoriais. Um termo muito caro à mim é o de “sociologia vernacular”, bastante explorado pelo pesquisador David Beer para tratar da análise “sociológica” que os indivíduos de todos os tipos de formações fazem em algum sentido. De forma similar, poderíamos falar de uma “análise vernacular do texto jornalístico” que muito se apresenta nos ambientes online. Os leitores percebem e discutem como padrões de escrita associam termos e enquadramentos de forma diferente a depender da vulnerabilidade dos personagens de matérias:

 

Porém basta clicar nos tweets acima e ler dezenas de usuários subestimando – de forma violenta, com frequência – a crítica às diferentes abordagens jornalísticas acima. Entre otimismos e pessimismos, a figura do “politicamente escroto” continuará firme, como aponta o professor Wilson Gomes:

“Pois bem, os conservadores e preconceituosos encontraram uma expressão para desqualificar todo o esforço de “descondicionamento” verbal voltado à tolerância e ao respeito – “somos perseguidos e oprimidos pela polícia da correção política” dizem por meio desta frase, do mesmo jeito que Feliciano grita que é vítima (não algoz) de “perseguição religiosa” e “cristofobia”. Sim, senhores, é para politicamente canalhas que respeito e consideração é uma deplorável “correção política”. Curiosamente, no Brasil, virou chique dar-se um toque de rebeldia e irreverência e começar ou terminar frases com “acho um saco o politicamente correto”. Sei. Já eu acho chato pra caramba ser politicamente escroto.”

 

 

Referências

FERREIRA, Ricardo Alexino. Etnomidialogia e a interface com o politicamente correto. Revista Extraprensa, v. 5, n. 2, p. 1-18, 2012.

GOMES, Wilson. Em Defesa da Vida e da Família e contra o politicamente correto…Here we go. Online, 2013. Disponível em http://www.aldeianago.com.br/outros-baianos/7665-em-defesa-da-vida-e-da-familia-e-contra-o-politicamente-corretohere-we-go-por-wilson-gomes

LAWRENCE, Charles R.; MATSUDA, Mari J. Epilogue: Burning Crosses and the RAV Case. In: Words That Wound. Routledge, 1993. p. 133-136.

Evocando Cartões Postais no Instagram: estudo automatizado de imagens

Escrito em parceria com a orientanda de especialização Mariana Zanotti, aprovei artigo Evocando Cartões Postais no Instagram: estudo automatizado de imagens no Congresso Nacional da Intercom deste ano, que acontecerá em Joinville. O artigo faz parte de uma série de experimentos sobre a aplicação de computação visual ao estudo da comunicação e cultura, que estamos desenvolvendo no IBPAD e já teve estudos sobre marketing turístico, estudo de influenciadores, construção de imagem política entre outros.

Resumo: Os cartões postais são materiais mistificados desde a sua gênese no final do século XX. Entre sinais de crise e ressignificação, mantêm-se como objeto cultural reconhecível por indivíduos de todo o mundo, a despeito de serem efetivamente usuários ou não do formato. Com a popularização de sites de redes sociais e aplicativos voltados a publicação cotidiana de fotografias, como o Instagram, usuários evocam estilos de formatos consagrados. O artigo apresenta experimento de análise e visualização apoiada por computação visual de 14 mil publicações com a hashtag #postcard. Como resultado da aplicação de algoritmos de modularidade, identificou 7 agrupamentos de entidades visuais presentes nas fotografias, através das quais os usuários se apropriam do conhecimento tácito dos públicos sobre o formato para gerar conteúdos de construção estratégica de seus perfis pessoais para suas audiências.

A imagem abaixo representa a rede de imagens gerada durante a análise e descrita no trabalho. Além do artigo, compartilhamos também os datasets principais.

 

Saiba mais sobre o evento em http://www.portalintercom.org.br/eventos1/congresso-nacional/2018  e acesse o artigo diretamente no ResearchGate

Formas Contemporâneas de Racismo e Intolerância nas Redes Sociais

O documento Formas Contemporâneas de Racismo e Intolerância nas Redes Sociais foi publicado pelo Dr. Luiz Valério P. Trindade, como um dos resultados de seu doutorado na University of Southampton (Reino Unido). O documento traz informações sobre o racismo nas mídias sociais e recomendações de políticas públicas direcionadas a juventude, autoridades governamentais, legisladores e as próprias empresas de mídias sociais.

Merece destaque o mapeamento de quais os “gatillhos” para movimentos articulados de ódio racista. Os itens impressionam pela crueldade:
a. expressar discordância com algum post ou comentário anterior de cunho negativo contra Negros;
b. evidência de engajamento com profissões consideradas mais ‘nobres’ e de prestígio (por exemplo: medicina, jornalismo, direito, engenharia, etc.);
c. relacionamento interacial;
d. exercer posição de liderança ou bem-sucedida em programa de televisão ou até mesmo como convidada de honra;
e. desfrutar de viagens de férias no exterior (sobretudo em países localizados no Hemisfério Norte);
f. utilizar e/ou enaltecer a adoção de cabelo cacheado natural estilo Afro;
g. vencer concurso de beleza; e
h. rejeitar proposta de relacionamento afetivo.
Trindade também fala, entre outros itens, do Efeito Eco Infinito, no qual posts antigos, de até mais de 03 anos, continuam a reverberar por negligência das plataformas.
Saiba mais sobre o trabalho de Trindade em https://soton.academia.edu/LuizValerioTrindade

Fake News. Velha prática, novo nome: o papel das mídias sociais

“Fake News” foi eleita a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Macquarie e em 2017 pela “Sociedade Americana do Dialeto” (The American Dislect Society”). A abundância informacional e aparente aceleração de mudanças comportamentais tem gerado novos termos tais como fake news, pós-verdade, selfie e afins. Na maioria dos casos estes novos termos trazem uma nova popularidade a práticas que já existiam como literalmente notícias falsas ou as barrigadas no jornalismo.

Eu, particularmente, não gosto de neologismos. Fake News sempre existiram seja por incompetência jornalística seja por projetos organizados. Há casos emblemáticos que se tornaram livros e são estudados e ensinados por nós em faculdades e disciplinas de análise do discurso. O impacto de notícias falsas sempre foi relevante pois a cobertura incompetente ou má intencionada costuma ser em manchetes  e destaques, enquanto as correções e erratas são notas de rodapé. Porém, historicamente, sabemos que alguns grupos sociais, como a esquerda ou minorias políticas e identitárias são alvos mais frequentes de fake news.

Mas será que as pessoas acreditam em fake News? Em levantamento recente realizado pelo INCT, brasileiros foram consultados sobre “fake News”. Será que os brasileiros acham que acreditam em fake News? Quase 70% acredita que não caem em fake news.

Além disto, a desconfiança depende do emissor e veículo. Os brasileiros confiam em notícias compartilhadas por amigos e familiares, o que sua viza a desconfiança com plataformas de redes sociais. Se é um amigo ou familiar compartilhando na própria mídia social, esta desconfiança diminui. Então fake news é um conceito performativo. A perseguição contra as chamadas “fake news” pode ajudar a criar ou intensificar novas relações de poder que podem, não paradoxalmente, ter malefícios na circulação de informações, sobretudo políticas.

Nos EUA podemos ver partidários do Trump chamando toda e qualquer notícia crítica ao político como “fake news”? Quem define o que é verdade e quem define o que é falso? No Brasil, o grupo que mais declara receber fake news, na pesquisa do INCT Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, são os auto-declarados no extremo ideológico da direita.

 

Então trata-se de batalhas discursivas que tem a ver com poder. E queria trazer aqui uma definição de poder a partir do Latour. Ao falar das redes, o sociólogo usou a ideia de “ponto obrigatório de passagem”. Nos desenhos das redes e seus fluxos, poder é tornar-se na rede um ponto, um nó no qual todos precisam passar para agir. Monopólio sobre um tipo de força – hoje, trata-se da audiência, do tempo das pessoas.

De fato, estamos falando do poder de controlar boa parte da audiência, mídia e rastros de atividades humanas. Mas, para além disso, empresas como Facebook tem investido em outras áreas como tecnologias materiais, drones, satélites, realidade aumentada e infraestrutura de acesso. E as forças das interfaces entre tecnologia e comunicação estão concentradas sobretudo no chamado GAFA = sigla para dar conta de Google, Apple, Facebook e Amazon. Juntas, tem valor de mercado superior ao nosso PIB. Mas este poder é produzido sobretudo pela análise e aplicação da ciência.

A interpretação da realidade social mudou de locus. Os grandes levantamentos de dados sociais e demográficos nas últimas décadas são frutos de instituições do estado e universidades. O Censo, na maioria dos países, é o exemplo mais claro. Levanta dados de milhões de domicílios, mas a cada 5 ou 10 anos. Entretanto, velhas e novas corporações são cada vez mais intensamente calcadas em levantamento e cruzamento de bases de dados sobre seus clientes e usuários. Hoje, em certa medida, empresas como Facebook, Google, Amazon, Twitter, Uber e afins podem realizar alguns tipos de análises que deixam universidades de ponta a ver navios. Publicamos no blog do IBPAD uma lista de 10 coisas impressionantes que somente o Facebook consegue estudar sobre a sociedade.

Mas esta abundância de dados festejada por muitos como um novo momento da sociedade ou mesmo de ciências, como ideias de “viradas computacionais” escondem um aprofundamento do gap entre o que a sociedade civil, universidades ou mesmo estados conseguem fazer em relação a grandes corporações como Facebook e Google.

Assim como temos opacidade nos algoritmos que regem as plataformas digitais, também temos opacidade em como os dados que nós geramos são usados. Foram raros e assustadores alguns artigos publicados por cientistas do Facebook.

Nas eleições de 2012, o Facebook realizou experimento mostrando para parte dos americanos um banner sobre o dia das eleições. Para outra parte de usuários, mostrou o mesmo banner marcando quais amigos já foram votar. A estimativa de votos gerados pelo uso desse reforço social foi de 280 mil votos. Ou seja, uma pequena mudança na interface do Facebook fez 280 mil pessoas saírem de casa pra votar, por pressão dos amigos. Mas pressão mediada e escolhida pelo Facebook.

Dois anos depois, Facebook o publicou artigo sobre um experimento psicológico em massa. Modificou o algoritmo de exibição de notícias de 700 mil pessoas e para parte dessas pessoas, ofereceu publicações mais positivas, alto astral. Para outra parte, publicações negativas, sobre tragédias e afins. A partir daí provou que a exposição a mensagens positivas tem um impacto psicológico, pois as pessoas publicam mais coisas positivas. E vice-versa. Ou seja, brincou com as emoções de centenas de milhares de pessoas. Não preciso nem falar o quanto isto é problemático.

Desse modo, escândalos como Cambridge Analytica são úteis para gerar mais noção e consciência sobre os problemas mas, a rigor, a Cambridge Analytica foi um bode expiatório. O grande problema foi a microssegmentação que a Cambridge realizou, a rigor baseada em recursos do próprio Facebook.

A idealização de mídias sociais como mecanismos persuasivos por si só não é nova e utilizou como experimento aplicativos  jogos sociais dentro das plataformas. Em 2008 esteve muito em voga a captologia, que é a disciplina focada em gerar tecnologias de persuasão. Em alguns casos, para persuasão positiva na área de saúde, por exemplo, mas em outros focadas em mercado e política. O B J Fogg, pesquisador de Stanford, propôs em 2008 o conceito de “persuasão interpessoal de massa”.

Pela primeira vez, segundo B J Fogg, alguns sistemas reuniam estas seis características. Experiência Persuasiva, Estrutura Automatizada, Distribuição Social, Ciclo Rápido, Grafo Social Imenso e Impacto Mensurável. Alguns casos de sucesso mercadológico foram empresas como a Zynga que rapidamente alcançou centenas de milhões de usuários e permitiram empresas como o Facebook aprenderem bastante sobre mecanismos de persuasão com gamificação.

Então estudar os modos pelos quais as interfaces são construídas e editadas para fins específicos é essencial.

E aí temos um ponto cego nas pesquisas em comunicação. Este ponto cego são as plataformas de auto serviço publicitário em Facebook e Google anúncios. Falamos muito de algoritmos, mas esquecemos com frequência de suas aplicações na área de anúncios microssegmentados. Em parte me parece que isso acontece porque pesquisadores de comunicação não tem dinheiro, então experimentos que envolvem investimento deste tipo ficam de fora dos escopos.

Só que nestas eleições, a legislação eleitoral cedeu ao lobby de Facebook e de Google. E seus dois modelos de anúncio são os únicos aprovados para campanha eleitoral na internet. Entretanto, o modelo de leilão destas plataformas permite não só que grandes partidos dominem o ambiente com mensagens criadas para “viralizar” (em detrimento de qualidade de propostas e debate) como permite que outros atores interfiram de forma indireta

As soluções possíveis não são fáceis e passam por reconhecer pelo menos 5 grandes necessidades: a) Plataformas de mídias sociais devem ser vistas como construídas também por seus milhões de usuários – trabalho imaterial gratuito; b) Plataformas de mídias sociais são empresas de comunicação, não de “tecnologia” – reguladas por interesse público). c) “Auditoria” algorítmica e crítica da economia política das plataformas. d) Papel social do jornalismo abraçado pela sociedade. e) Promoção de alternativas midiáticas abertas (plataformas open source de blogs plataformas).

Curso online de Análise de Redes em Mídias Sociais

Em 12 de junho começará o curso online de Análise de Redes em Mídias Sociais, que desenvolvemos no IBPAD depois de anos de experiência prática na área e mais de 10 edições de cursos abertos ou in-company. Idealizado por mim e meu sócio Max Stabile (Mestre em Ciência Política), o curso conta também com conteúdo de Marcelo Alves (Mestre pela UFF e cofundador da Vértice).

Serão mais de 90 aulas divididas em 5 módulos, que podem ser acessados pelo aluno por 6 meses. Saiba mais abaixo, veja uma aula gratuita e use o código taruvector10 para um desconto exclusivo:

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