Neste último 02 de outubro abri o curso “Humanidades Digitais Negras” com uma introdução ao conceito e curadoria de projetos. Veja abaixo o slideshow:
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Tecnologias Negras: ciclo no Sesc promove centenas de cursos, atividades e palestras em outubro
Durante outubro e novembro, as unidades do Sesc em São Paulo promoverão um ciclo de atividades sobre Tecnologias e Artes Negras com dezenas de cursos, palestras e oficinas. Segundo a organização, a iniciativa “objetiva articular e dar vazão à efervescente produção de artistas, pesquisadoras(es), intelectuais e mestras(es) do saber negras e negros, nos campos das Artes Visuais e Tecnologias, e, assim, estimular a difusão de práticas educativas não formais, pautadas pelo princípio da equidade. Dessa forma, visa demarcar um espaço democrático de discussão sobre campos presentes na cultura negra, tais como: Tecnologias e Ancestralidade; Tecnologias Digitais e Contemporâneas; Utopias, Distopias e Afrofuturismo; Tecnologias Invisibilizadas e de Resistência; e Estética, Crítica e História da Arte.”
As atividades foram divididas em cinco grupos, ligados a adinkras específicos:
Nas mais de 30 unidades na capital e interior, as equipes dos Espaços de Tecnologias e Arte (ETA) fizeram curadoria ativa e abriram chamada para as atividades. É simplesmente gigantesca a programação e lembro que o Sesc possui fim social, então a maior parte das atividades é gratuita ou a preços acessíveis. Sou curador e professor em uma atividade e participo de outra mesa:
Humanidades Digitais Negras – curso idealizado por mim, com aulas de Morena Mariah, Taís Oliveira, Larissa Pontes e Fernanda Sousa:
Descobrir, resgatar, conectar e visualizar produções históricas, narrativas, artísticas e epistemologias negras tem sido a missão de pesquisadoras e pesquisadores negros em todo o mundo. A atividade “Humanidades Digitais Negras” reunirá aulas e debates entre pesquisadoras/es das áreas da Comunicação, Mídia, Sociologia, Antropologia e Letras para apresentar o campo e suas práticas aos participantes.
Machine Learning, Algoritmos e Mecanismos de Discriminação. Idealizado pelo colega Rodolfo Avelino (Professor Insper, Pesquisador na UFABC e criador do Coletivo Digital), contará também com Fernanda Monteiro tecnóloga, artista digital, oraculista e pesquisadora independente, transitando de maneira “indisciplinar” entre a tecnopolítica, feminismos e transhumanismos; e comigo. Descrição:
Utilizados em larga escala atualmente pelos mais diversos serviços de internet e sistemas da informação, os algoritmos e máquinas orientadas por machine learning prometem uma maneira revolucionária de lidar com dados e criar serviços e plataformas dinâmicas que se adaptam facilmente aos desejos e necessidades de seus usuários. Mas o que acontece quando o desenvolvimento dessas ferramentas possui vieses ocultos, que incorporam e reforçam preconceitos ainda não solucionados em nossa sociedade?
Nem todas as atividades já tem as páginas com informações específicas e inscrições, mas você conferir toda a lista da programação. Difícil selecionar algumas em destaque, mas recomendo especialmente:
- Mulheres Negras nas Tecnologias: por que tão poucas?
- Reconhecimento Facial, Processamento de Imagens e Questões Raciais
- Diversidade e Formação de Desenvolvedores de Tecnologias
- Laboratório Criativo em Moda Afro-Brasileira
- Pretitudes Futuristas: Desenho de Ambiências Afrofuturistas
- Escrita Afrofuturista
- Estéticas Fotográficas Afro-Brasileiras
- Apropriação Cultural e Empoderamento Negro na Web
- Histórias em Primeira Pessoa
- Vestíveis Afrofuturistas: máscaras gigantes
- Afrolab: qual a importância do meu projeto estar em rede
- Introdução e retomada LGBT no Universo Nerd/Geek/Pop
- Tecnologias de Registros orais: da roda de conversa ao registro audiovisual
- Dados sobre a População Negra e Ativismo Antirracista
- Planejando e transformando territórios: mapas, trajetos e tecnologias
- Introdução ao Arduíno
- As Contribuições Tecnológicas Africanas
- Pretitudes Futuristas: Desenho de Ambiências Afrofuturistas
As ilustrações neste post foram retiradas da cartilha de programação do Sesc e foram criadas pelo Marcelo D’Salete, quadrinista autor de produções como Cumbe. O quadrinista também vai oferecer um curso – História em Quadrinhos.
Por Humanidades Digitais Negras
As Humanidades Digitais ganharam mais visibilidade nos últimos 20 anos, graças à gradativa expansão do campo em termos de pesquisadores engajados, produção bibliográfica, ferramentas e projetos públicos. Um dos principais destes é a série Debates in the Digital Humanities. O livro, que pode ser lido na versão impressa ou digital interativa, reúne diversas abordagens sobre as humanidades digitais em seções com reflexões sobre sua história e futuros, métodos, práticas, disciplinas e críticas, com um foco bem relevante em text analysis.
O capítulo “Making a Case for the Black Digital Humanities“, Kim Galllon busca apresentar reflexões, casos, referências e possibilidades para uma abordagem das digitais humanidades do ponto de vista do campo chamado por ela de forma resumida de Black Studies (incluindo a linha de Africana/African American studies). Recomendo a leitura do capítulo e da produção de Gallon, que atualmente é Professora de História na Purdue University, mas aqui vou enfatizar alguns pontos do excelente texto.
Para Gallon, “os black studies tem sido entendidos como estudos comparativos das experiências culturais e sociais negras sob sistemas eurocêntricos de poder nos Estados Unidos, na diáspora Africana mais ampla e no continente africano”.
Um dos principais pontos é a percepção de Gallon sobre a pesquisa dos black studies nas humanidades digitais como um tipo de “tecnologia de recuperação” (technology of recovery). As “humanidades digitais negras ajudam a desmascarar os sistemas racializados de poder em jogo quando entendemos as humanidades digitais como um campo e utilizamos suas técnicas associadas”. As tecnologias de recuperação são os esforços de grupos minorizados/marginalizados em usar plataformas e ferramentas digitais tanto para resgatar história e literatura não-registrada, apagada, invisibilizada ou intencionalmente destruída quanto para recuperar a humanidade das pessoas negras em um sistema de racialização global.
Gallon cita o papel do Digital Schomburg, um dos primeiros grandes projetos de digitalização de história afro-americana, reunindo informações, literatura e arquivos de fotografias e imagens dos séculos 19 e 20. Abaixo uma das exposições online do centro, com história de nova-iorquinos afro-americanos:
Além do aspecto histórico, Gallon explica como grandes movimentações ativistas online do “Black Twitter” e comunidades negras nas mídias sociais como #SayHerName, #BlackLivesMatter e #ICanBreathe fazem parte de esforço de recuperação também sobre o presente: os ativistas e participantes destes movimentos lembram a si mesmos e o resto da população sobre a disparidade gigantes de indicadores sociais de violência policial, emprego, educação, habitação, saúde e outros.
Em seguida, a autora discorre sobre a saliência de alguns métodos específicos, como a relativa pouca exploração de text analysis sobre literatura negra. Aqui cita o Project on the History of Black Writing, fundado por Maryemma Graham, que realizou eventos e visualizações de análise de literatura assistida por computador.
Seguindo no debate sobre o caráter das humanidades digitais negras, Gallon cita Johanna Drucker e sua defesa de “usar e construir ferramentas e infraestrutura embebidas de teoria humanística de modo que funcionem de modos que reflitam os valores das humanidades”. Isto sigficaria, então, para Gallon, que
As humanidades digitais negras então apresentam o digital como hospedeiro mútuo tanto de racismo quanto de resistência e jogam luz sobre o papel da raça como uma metalinguagem que forma o terreno digital, fomentando estruturas hegemônicas que são tanto novas e antigas e replicam e transcendem as análogas
Essa perspectiva pode gerar questões sobre a relação entre racialização da humanidade e o digital como poder, superando a percepção ainda disseminada da “neutralidade” do digital ou tecnologia, nos levando e entender melhor a condição humana.
Kim Gallon não cita no texto o projeto Black Press Research Collective, fundado pela própria. Recomendo a navegação no site e visualização que inclui registros da imprensa afro-americana do início do século XX, visualizações, mapas e gráficos sobre circulação e localização, além de registro de eventos e trabalhos derivados. Uma das visualizações mais interessantes (o mapa abaixo) é a lista de vendedores do jornal The Chicago Defender, que ajudava negros do Sul com informação sobre como se defender e migrar para sobreviver. Os dados foram retirados de base de dados do FBI, que vigia(va) qualquer iniciativa de auto-defesa dos negros americanos:
Esta resenha foi motivada pelo workshop AfricanaDHi e faz parte da bibliografia do evento.