O recém-lançado livro “Social Media in Social Research: Blogs on Blurring the Boundaries” é estruturado em um formato que acho particularmente interessante, a coletânea. A publicação foi promovida pelo Natcen – Social Research e SAGE Publications a partir da rede construída sobre debates e conversações em torno da hashtag #NSMNSS – New Social Media, New Social Science?
O coletivo busca respostas para as várias perguntas em torno do desafio que mais inquieta cientistas sociais – e pesquisadores de áreas correlatas – na contemporaneidade: os impactos das mídias sociais na compreensão da sociedade e, mais particularmente, nas práticas das ciências sociais. No livro, foram 53 artigos de pesquisadores que submeterem postagens de impacto ou inéditas sobre o tema.
Já há alguns anos também inquieto com estas perguntas, uma boa surpresa foi a presença de trabalhos de diversos pesquisadores que já acompanhava e recomendo, como Ana Canhoto, Annie Pettit, Deborah Lupton, Les Back e Mark Carrigan. Os artigos/postagens foram organizados em cinco partes “Opportunities and challenges: the future of social research using social media”, “Ethical debates in social media research”, “Methods for social media research”, Case studies – social research using social media” e “Engaging, disseminanting and co-creating using social media”.
Traço marcante do livro é a representação da relação academia, mercado e tecnologia neste universo. Alguns artigos são escritos do ponto de vista de gerentes de produto e analistas de pesquisa comercial, que estão nas fronteiras (conceito central do livro) entre a densidade acadêmica e a materialização operacional do mercado. Em “The Future of Social Media Research”, Francesco D’Orazio, VP da Pulsar, fala sobre os desenvolvimentos das ferramentas nos útimos 15 anos e suas tendências necessárias, como: novos métodos de coleta para além das keywords, mudar o foco do conteúdo das conversações para todo seu entorno, como análise de redes; implementação de framework sólidos de análises; conectar dados sociais digitais com vendas, exposição de mídia etc; fazer o aprendizado de máquina capitalizar na codificação humana; melhorar a experiência do usuário de dados; integrar métodos tradicionais com dados sociais; e outros. Para D’Orazio,
Social data is not quantitative data, rather qualitative data on a quantitative scale.
Em “The birth of real-time research”, Carl Miller (CASM) e Bobby Duffy (Ipsos) discorrem sobre como os dados sociais digitais permitem planejar e realizar pesquisa em tempo real, e não só de forma retrospectiva, mostrando gráficos e exemplos de um debate eleitoral britânico. O tema da reconciliação da pesquisa qualitativa com a pesquisa quantitativa dá o tom de outro artigo escrito por gerente de produto. Phillip Brooker, professor da Universidade de Bath e idealizador da Chorus Analytics, dá o título “Using Digital Data to Respecify the Quant/Qual Divide” para descrever a junção do volume dos dados digitais como um recursos quantitativo com a profundidade dos insights em dados digitais como recurso qualitativo. Também do Brooker, o texto “We Who Wait” traz um olhar bastante interessante sobre o tempo nas ciências sociais. Escrito enquanto Brooker esperava o processamento de um script, o texto reflete sobre uma (relativamente) nova dificuldade necessária para os cientistas sociais: aguardar enquanto os dados (agora muito maiores, big data que seja) são coletados e processados.
Na seção sobre ética, o foco, como era de se esperar, esteve nos desafios da privacidade em um mundo de dados espontâneos e, especialmente, no polêmico estudo experimental realizado pelo Facebook. Em “Dislike This: Facebook’s experimental ethics”, Dhiraj Murthy é enfático ao dizer que qualquer valor científico do estudo é sobrepujado pela negligência ética grosseira, criticando inclusive a PNAS por ter aceito o trabalho. Em “Friends, Lovers, and social media experimetation: The need for new ethical guidelines”, Randall F. Clemens dedica parte do texto à defesa feita do Facebook por Christian Rudder, CEO da OkCupid e autor de Dataclysm:
Rudder does not address ethics or informed consent. He invokes a coder’s ethos where curiosity, experimentations, and trial and error are key ingredients. He ignores a key fact: Data are people too, and tinkering with code could cause harm. He even belittles internet users, impying they are foolish to expect trustworthiness and transparency from companies.
De um modo ou de outro, todos os artigos tratam de metodologia, mas alguns se debruçam e apresentam ideias e experiências bem particulares. Em “The Perfect Methodology (No, not yours)”, a Annie Pettit lista uma útil coleção de contra-argumentos a críticas frequentes às pesquisas em mídias sociais, como falta de dados demográficos, baixa precisão, custos altos, falta de insights etc. Lian Berriman fala da tarefa de curadoria como uma ferramenta metodológica em “Curating Digital Accounts of the Everyday”. “Traditional ethnographic methods and virtual ethical tensions”, por Lisa Sugiura, e “10 Things Survey Researchers Should Know About Twitter”, de Joe Murphy, são exemplos de artigos que contrapõem, comparam e checam similaridades e diferenças entre métodos tradicionais e digitais. Mark Carrigan, em artigo que ecoa o já clássico trabalho de Savage & Burrows, escreve tanto sobre constrições éticas quanto possibilidades metodológicas e de divulgação em:
One of the most exciting aspects of the turn towards social media use by qualitative researchers is the opportunity this offers us to rethink how we represent lives.
E, naturalmente, o Twitter é uma estrela desta seção (e do livro como um todo). Em “Twitter Fever; how should (Digital) Sociology respond?”, Huw Davies resume a empolgação e aplicabilidade do Twitter no trecho abaixo, antes de sistematizar alguns itens que devem ser observados no rigor da pesquisa:
Seemingly combining the scale and generalisability of methods such as national surveys with the granularity and detail of close textual analysis, ethnography, or participant observation, Twitter is often considered the holy grail of data sources.
Ao longo da publicação, outros temas muito interessantes são abordados, como pesquisa em dados sociais para percepção da arqueologia, compreensão do envolvimento com igrejas e outros. Recomendo a leitura da publicação, do blog do #NSMNSS e sua hashtag no Twitter.