Além das hashtags – #Ferguson, #Blacklivesmatter e a batalha online por justiça offline

Desde 2014, cresceu online a mobilização para denúncia e repúdio às execuções de indivíduos negros desarmados por policiais nos EUA. Além do uso desproporcional da força em casos que envolviam crimes efetivos, aconteceram execuções escandalosamente racistas – como o chocante caso de Tamir Rice, de 12 anos, morto enquanto brincava em um parque.

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Mortes por policiais nos EUA e outros países também populosos e com IDH altíssimo, em 2013. No Brasil, em 2014, foram 3.022 pessoas.

O movimento e hashtag #BlackLivesMatter (“Vidas Negras Importam”) surgiu em 2013, mas se intensificou a partir de 2014. A possibilidade de circular informação sobre os casos nas mídias sociais, somada às evidências dos acontecimentos através de vídeo abriram a possibilidade de gerar fortes manifestações, como os protestos em Ferguson depois que a justiça americana inocentou policial que matou Michael Brown com seis tiros.

beyond-the-hashtagsO relatório Beyond Hashtags: #Ferguson, #Blacklivesmatter, and the online for offline struggle, realizado pelos pesquisadores Deen Freelon (American University), Chartlton D. Mcilwain (New York University) e Meredith D. Clark (University of North Texas) foi publicado neste ano e aplicou métodos digitais de pesquisa a 40,8 milhões de tweets, 100 mil links e 40 entrevistas com ativistas e aliados do BLM.

  • Foram encontradas seis grandes comunidades de conversa, a partir da análise de redes: Black Lives Matter; Anonymous/Bipartisan Report; Artistas/Profissionais de Entretenimento Negros; Conservadores; Notícias Mainstream; Twitter Negro Jovem.
  • O maior parte das comunidades observadas apoiam justiça para as vítimas e denunciam a brutalidade policial;
  • Os jovens negros discutiram a brutalidade policial, mas de modos diferentes das outras comunidades;
  • Ativistas conseguiram educar observadores casuais em dois pontos: choque e descrença sobre as reações policiais nos protestos de Ferguson; e reconhecimento pelos Conservadores, da brutalidade policial nos casos de Eric Garner e Walter Scott.

Os pesquisadores descobriram 9 períodos distintos de mobilização, nos quais aplicaram 2 perguntas de pesquisa em dois níveis de abstração. No nível Macro, analisou as comunidades em rede e as hashtags mais utilizadas; no nível micro, os principais usuários em cada comunidade e análise dos tweets muito replicados. Assim, conseguiram responder as perguntas “Quem é mais ouvido?” e “O que estes usuários dizem”.

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Ao longo de suas 92 páginas, os autores aplicaram um processo muito útil e eloquente de simplificação das redes em suas comunidades. O grafo abaixo, por exemplo, representa 3,9 milhões de tweets de 897 mil usuários, que foram esquematizados nas comunidades participantes e suas interações.  Foi possível observar, por exemplo, a presença de conservadores contra os movimentos e mobilização, e também a presença de ativistas da Rússia e Irã expondo as contradições internas estadunidenses.

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Alguns dos tweets de destaque do período: de conservadores promovendo a violência; flagra de violência contra jornalista; e articulação dos militantes.

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Diversos recursos criativos de análise dos dados a partir da perspectiva dos métodos digitais foram utilizados. Em um trecho do relatório, os sites são comparados em torno de sua idade, usando dados da WaybackMachine:

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Entre as várias ricas conclusões, os autores observaram que raramente os tweets mais replicados são aqueles que estão articulando movimentação presencial. Geralmente são informacionais. Isto pode ser visto tanto quanto indicador do risco inerente em se expor ao tema, quanto indicador da necessidade de se aprofundar na cauda longa da análise, assim como este estudo conseguiu.

We also found that attempts to coordinate movement action were rare among the top tweets. By this we mean information about where protests would be held, invitations to participate, instructions on how to participate, and discussions about what kinds of actions should be held. We saw a few such tweets in passing and some of our interview participants mentioned finding out about protests from Twitter. However, movement action tweets were not among the most shared. This implies that most people paying attention to BLM online were more interested in consuming information and participating digitally than in offline participation. This is not much of a surprise, especially considering the risks of some of BLM’s offline actions. But it does remind us that just because a certain movement use of Twitter is not the most visible does not mean it is not occurring somewhere. It simply means that researchers and interested citizens might need to dig a bit deeper to understand the full scope of social media’s value for activists.

Alguns dos autores estão também envolvidos com o projeto DocNow, que busca desenvolver um software e promover educação sobre a importância de preservar recursos e documentos online para ativistas e pesquisadores de direitos humanos. Em breve, escreverei mais sobre o projeto:

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Cinco livros (e + cinco artigos gratuitos) sobre métodos digitais de pesquisa

[Artigo originalmente publicado no blog do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados]

livrosAs mídias sociais trouxeram possibilidades e desafios muito relevantes para a pesquisa empírica em comunicação e demais ciências sociais aplicadas. Em alguns ambientes hoje fala-se muito com termos e jargões de mercado como social big data mas, apesar da grande abundância de dados produzida a cada segundo, existem muitas restrições à viabilidade destes dados. Especialmente nos dois âmbitos a seguir. O primeiro é o acesso em si a estes dados, uma vez que, além das questões de privacidade, algumas plataformas como Facebook promovem o gradual fechamento de seus fluxos de comunicação. O segundo é o ferramental metodológico e instrumental para acessar, manipular e transformar estes dados em informações, conceitos, teorias e aplicações levando em conta as affordances destes ambientes.

Levando isto em conta, quero indicar aqui cinco livros recentes sobre métodos digitais que podem ser o pontapé inicial da bibliografia do pesquisador interessado nestas trajetórias.

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Quatro mal-entendidos sobre métodos digitais, segundo Tommaso Venturini

Em palestra no Stockholm Environment Institute, Tommaso Venturini fala sobre quatro mal-entendidos sobre métodos digitais, especialmente importante em momento de deslumbramento com a ideia de “big data”. Venturini busca esclarecer que: 1. Traços digitais não são dados sociológicos; 2. Quantidade é menos interessante que variedade; 3. Digital não significa automático; 4. Mais quantificação demanda mais qualificação.

Pesquisa baseada em Dados Sociais Digitais: mapeamento de ferramentas e táticas de coleta de dados no Intercom

Acaba de ser publicado meu artigo “Pesquisa baseada em Dados Sociais Digitais: mapeamento de ferramentas e táticas de coleta de dados no Intercom“, na revista digital iberoamericana Razón y Palabra. O objetivo do trabalho foi mapear padrões entre os artigos publicados no evento que realizaram coleta de dados interacionais, conversacionais e opinativos em sites de redes sociais. Variáveis relacionadas a quantidade de dados, ferramentas de coleta, plataformas analisadas e apresentação dos resultados foram rastreadas à luz de questões referentes aos desafios e potencialidades destas modalidades de pesquisa.

Total de Artigos x Artigos baseados em Coleta de Dados Sociais

O congresso da Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, é o maior congresso de ciências da comunicação no Brasil. Além de conferências, traz grupos de trabalho, atividades de exposição competitiva de produtos laboratoriais, lançamento de livros e outros espaços de sociabilidade e colaboração entre pesquisadores do Brasil e outros países. A produção publicada neste evento serviu de indicador para refletir sobre as oportunidades, desafios e tendências que a oferta de dados nos sites de redes sociais trazem para os pesquisadores acadêmicos.

principais fontes de dados sociais digitais

Os GTs diretamente relacionados à mídias sociais neste congresso foram mapeados: Núcleo de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação [até 2008) e os grupos Cibercultura e Conteúdos Digitais e Convergências Tecnológicas a partir de 2009. A partir da filtragem de 704 artigos, cheguei a 72 que trabalharam diretamente dados interacionais, conversacionais e opinativos. As questões de pesquisa abaixo são respondidas e cruzadas com questionamentos sobre a redistribuição de métodos e especificidades da pesquisa digital.

a) Quantos trabalhos publicados no evento utilizaram coleta de dados sociais digitais?
b) Quais sites de redes sociais são abordados nos trabalhos do evento?
c) Quais as ferramentas utilizadas para coleta e processamento dos dados?
d) Quais os tipos de conteúdo e volume analisados nos artigos?
e) Como os pesquisadores abordam a relação entre conteúdo e indivíduos publicadores?
f) O conteúdo é apresentado de forma direta ou através de visualizações?
g) Os indivíduos observados, direta ou indiretamente, nos dados empíricos, são anonimizados?

De modo geral, os resultados parecem apontar para a necessidade de maior domínio e clareza de procedimentos metodológicos, exploração do potencial de tratamento do volume de dados e detalhamento de processos de codificação e análise que potencializem o aproveitamento das particularidades dos sites de redes sociais.

Leia o artigo em: Pesquisa baseada em Dados Sociais Digitais: mapeamento de ferramentas e táticas de coleta de dados no Intercom.