Fluxos em Redes Sociotécnicas: das micronarrativas ao big data

Fluxos em redes sociotécnicas: das micronarrativas ao big data” é a primeira obra coletiva do Grupo de Pesquisa (GP) “Comunicação e Cultura Digital” da Intercom. Com organização de Beatriz Polivanov, Willian Araújo, Caio C. G. Oliveira e Tarcízio Silva, a coletânea é composta por prefácio de Sandra Montardo e Adriana Amaral e 14 artigos cujas versões iniciais foram submetidas e apresentadas no GP no ano de 2019 e posteriormente revisadas, a partir das sugestões dos pareceristas e debates ocorridos no encontro em Belém do Pará. A publicação reúne textos que abordam as múltiplas implicações que a circulação de narrativas e grandes dados gera no contexto das redes sociotécnicas em termos de fluxos comunicacionais, buscando explorar conflitos e negociações emergentes dentre diversos agentes e instituições.

O livro está dividido em quatro partes: 1) “Narrativas pessoais, práticas de consumo e disputas de sentido na cultura digital”; 2) “Epistemologias decoloniais”; 3) “O que fazem as máquinas e como pesquisá-las? Reflexões sobre plataformas e seus algoritmos” e 4) “Política e opinião pública em um Brasil (des)conectado”. Os autores são de distintas instituições de ensino brasileiras e apresentam referencial teórico e metodológico, bem como objetos empíricos de análise variados, trazendo contribuições diversas para o campo da Comunicação e, mais especificamente, para os estudos que se voltam para a cultura digital.

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Curso Online de Etnografia em Mídias Sociais

Lançamos nosso primeiro curso online no IBPAD! A partir de 16 de janeiro, alunos de todo o país poderão fazer o curso de Etnografia em Mídias Sociais com a Débora Zanini e comigo. Saiba mais no vídeo abaixo:

Dois diferenciais relevantes podem ser destacados. O primeiro é que estamos já há mais de 1 ano planejando este curso online, usando as diversas versões presenciais abertas e in-company para otimizar o conteúdo ao longo do tempo. O segundo diferencial é o modelo, pois usamos como horizonte os padrões dos MOOC (Massive Online Open Courses). São dezenas de aulas em cada curso, divididas em módulos, em vários formatos: vídeos, artigos exclusivos, tutoriais, leituras orientadas, quizzes e outros. O de Etnografia, por exemplo, possui mais de 60 aulas que os alunos poderão realizar em quatro semanas ou em seu tempo:

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O curso está com valor promocional de pré-venda e aqui no blog tem um cupom exclusivo! Use o código atadllams no carrinho e economize ainda mais.

Estão em produção também o curso de Análise de Redes em Mídias Sociais e de Monitoramento de Mídias Sociais.

Beleza Original: cabelo negro no ciberespaço

original beautyO livro Original Beauty: Black Hair in Cyberspace é uma leitura muito interessante sobre particularidades da comunidade de youtubers negras que falam de cabelo na comunidade anglófila do YouTube. Foi escrito por Ayana A. Haaruun e Melodye L. Watson, lançado em 2013.

Unlike the Afro hairstyle trend of the 1960s and 1970s that was inspired by Black empowerment political and cultural movements, the current resurgence in Black women wearing their natural hair is multidimensional. Black women’s reasons vary from the financial burden of wearing hair extensions to concerns about the impact of damaging hot irons and hair straightening chemicals on their physical health and mental well-being.

É um livro pequeno (comprei no Kindle, mas deve equivaler a cerca de 50 páginas) baseado em estudo de caso de pesquisa feita pelas autoras. Nos dois primeiros capítulos, as autoras tratam do pensamento sobre o cabelo negro e mulheres negras online, citando autoras como bell hooks e seu livro Outlaw Culture: Resisting Representations. hooks escreve como nos anos 1960s e 1970s durante o movimento Black Power nos EUA o uso do cabelo afro esteve relacionado ao sentimento de solidariedade, orgulho e descolonização psicológica. Porém, nas décadas seguintes a tendência se arrefeceu entre negros alcançando mobilidade na hierarquia econômica, um processo de assimilação de noções supremacistas brancas de atratividade.

Os capítulos seguintes tratam do estudo em si e dados levantados. As autoras analisaram 5226 comentários em 11 vídeos diferentes. Apesar de serem vídeos em inglês (dos EUA, Canadá UK e países do Caribe), os comentários vieram de diversos países. Muitos dos comentários trouxeram referências a nações e questões étnicas de países da África, América Latina hispânica, Brasil e Jamaica. O léxico próprio da comunidade sobre cabelo natural negro também é citado, sobre termos de comportamentos e fenômenos específicos como transição capilar, big chop, twa e “hair anniversary’.

Em capítulo dedicado ao Suporte Social construído na comunidade observada, as autoras aplicam uma interessante metodologia de Cutrona e Suhr chamada “Social Support Behavior Codes” (SBCC), que propões códigos para análise de suporte social. O gráfico abaixo demonstra que Elogios e Suporte Social/Emocional lideram entre os comentários.

Social Support Behavior - Original Beauty results

Em categoria sobre identificação com as youtubers, as conclusões também trouxeram tipologia de comportamentos levantados pelas autoras como: Emulação da Aparência da YouTube; Desejo pelo Estilo de Cabelo; Auto-Identificação com a Aparência; Inspiração para Usar Cabelo Natural; Identificação com a Experiência de Vídeo da youtuber; e Identificação com Celebridades com estilo de beleza similar à youtuber.

O livro conclui com um levantamento, por questionário, com 185 respondentes sobre questões relacionadas a auto-estima, atratividade, senso de comunidade, orgulho e posicionamento político.

A temática é bastante prolífica e as descobertas que são levantadas pelos pesquisadores interessados na temática são bastante promissoras em direção ao uso articulado das mídias sociais para conexão entre populações afro-descendentes e a convergência entre estética, representatividade e visibilidade como atos políticos. No Brasil há também diversos pesquisadores dedicados ao tema, o interessante artigo Vício Cacheado: Estéticas Afro-Diaspóricas é um bom ponto de partida.

 

— Referências

HAARUN, Ayana; WATSON, Melodye. Original Beauty: Black Hair in Cyberspace. Amazon Publishing, 2013.

hooks, bell. Outlaw Culture: Resisting Representations. New York: Routledge, 1994.

CUTRONA, Carolyn; SUHR, Julie. Controllability of Stressful Events and Satisfaction With Spouse Support Behaviors. Communication Research, vol. 19 ,no. 2, 1992. 154-174

GUEDES, Ivanilde; SILVA, Aline. Vício Cacheado: Estéticas Afro Diaspóricas. Revista da ABPN, v6, n.14, jul.out., 2014.

Fotografia nas mídias sociais como recurso etnográfico

[Artigo originalmente publicado no blog do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados]

A utilização de imagens para compreender aspectos e comportamentos dos indivíduos está longe de ser algo novo. Ciências sociais e pesquisa de mercado trabalham com análise de imagens e fotografias há décadas, seja no registro documental de comunidades e culturas e pelos pesquisadores; em desenhos de pesquisa com coleta documental de registros fotográficos ou expressões artísticas; ou ainda com a participação ativa das culturas estudadas, comumente com o fornecimento de câmeras para participantes motivados a oferecer seus olhares sobre um tema, lugar ou comportamento.

De especial relevância a interessados em etnografia online e em técnicas qualitativas, estão algumas metodologias baseadas na produção de imagens pelos participantes. É comum a utilização de recursos como máquinas fotográficas descartáveis para promover a participação de comunidades na construção reflexiva de conhecimentos e discursos sobre si e entorno. As fotos abaixo, respectivamente, tratam da utilização da técnica nos contextos: (a) perspetivas de crianças sobre tecnologias nos ambientes domésticos; (b) uso de fotografia e outras modalidades estéticas para jovens explorarem as cidades.

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A materialidade dos dispositivos nestes dois exemplos é um ponto muito relevante para os estudos. Uma vez que os filmes são limitados, a escolha de cada disparo tende a ser um momento de definição e expressão acentuadas pela escassez. Quando pensamos, entretanto, nas máquinas fotográficas embutidas em nossos atuais smartphones, esta escassez não existe. É possível fotografar com limites quase negligenciáveis pelos usuários comuns: um smartphone médio hoje comporta milhares de fotos.

Entretanto, o desenvolvimento de sites de redes sociais adiciona uma camada simbólica muito importante para a produção e publicação de fotografias. O que é publicidade por um usuário de Flickr ou Instagram em seus perfis passa por um processo de seleção pautado pelas expectativas de auto-apresentação dos indivíduos. Porém, enquanto o Flickr “reforçava sentimentos de pertencimento através de experiências compartilhadas através de fotografias […], formando uma percepção coletiva do mundo” (Papacharissi, 2013) através de fins sobretudo artísticos e documentais, o Instagram mudou de vez o eixo dos interesses (e direção das câmeras).

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Enquanto apresentação do cotidiano compartilhado, o Instagram torna-se uma plataforma mais vinculada à auto-expressão para fins de conquista de afeto, status e capitais sociais diversos. Visto como perfil pessoal, as pessoas selecionam as fotos no Instagram imaginando atributos e valores representativos do seu self ideal. O olhar para o próximo, o individual e o particular  se intensificam no Instagram, como demonstra o levantamento abaixo: selfies e amigos se destacam como principais tipos de fotos (HU, MANIKONDA & KAMBHAMPATI, 2014).

Deste modo, o Instagram hoje é uma fonte privilegiada para estudos etnográficos. Apesar de uma boa quantidade de perfis serem fechados (taxa menor que Facebook porém maior que Twitter), a extração de dados do Instagram é relativamente mais fácil. O resgate retroativo de publicações de determinados perfis, hashtags ou localizações é facilitado por ferramentas plenas de monitoramento de mídias sociais ou mesmo scripts dedicados e gratuitos como a Instagram Scraper do Digital Methods Initiative.

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Fotos como as listadas acima, utilizadas em estudo sobre a atividade social em torno de churrasco, convidam o pesquisador a aplicar um olhar quase meta-voyeurístico dos olhares de um determinado público. Através de um bom recorte de pesquisa no Instagram é possível compreender padrões entre os tipos de imagens selecionadas. Os cliques realizados pelos usuários são pequenas janelas abertas a seus cotidianos. Objetos, pessoas, poses, gestos, marcas, atividades e lugares podem ser numerados, listados e cruzados com outras características.

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Mesmo antes da quantificação, o confronto a realidades diferentes a partir da consciência do que é enquadrado (o que sempre traz o “não-enquadrado” indiretamente). A simples listagem “em análise formal e explícita de seus conteúdos é um potente dispositivo representacional” (BECKER, 2001). O desafio, entretanto, é a lógica dominante da automatização e quantificação simples dos elementos: algo que só pode ser feito fácil, em arremedos, em texto.

Para não deixar todo este valor perdido, é importante ver o trabalho da pesquisa e monitoramento em mídias sociais não apenas como um mecanismo de controle e reporte, mas de forma estratégica ao longo da gestão da comunicação e públicos ao longo do tempo. Estudos formais e monetizados que utilizem técnicas etnográficas devem ser oferecidos em momentos estratégicos como planejamentos anuais e semestrais, para que seu valor seja agregado de forma horizontal nas organizações. Mas, do ponto de vista do analista individual, seja ele responsável por pesquisa, conteúdo, planejamento ou mídia, agregar olhares etnográficos favorece uma compreensão efetiva das culturas envolvidas e é decisivo para um bom resultado da comunicação.

BECKER, Howard. George Perec’s experiments in social description. Ethnography, Vol 2(1): 63-76, 2001.

BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; ASSIS, Neiva; Imagens da Cidade: o projeto ArteUrbe. Rev. Polis e Psique, 2015; 5(2): 123 – 14.

HU, Y.; MANIKONDA, L.; KAMBHAMPATI, S.. What We Instagram: A First Analysis of Instagram Photo Content and User Types. International AAAI Conference on Web and Social Media, North America, may. 2014. A

JORGENSON, Jane; SULLIVAN, Tracy. Accessing Children’s Perspectives Through Participatory Photo Interviews.Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, [S.l.], v. 11, n. 1, nov. 2009. ISSN 1438-5627.

Etnografia na Internet: entrevista com Débora Zanini

social analytics summit

Etnografia é o método de pesquisa qualitativa mais falado em agências de publicidade. Mas será que sempre do melhor jeito? Quais os limites e possibilidades da etnografia? A Débora Zanini, socióloga e supervisora de monitoramento de Data Intelligenve na Ogilvy, falará sobre este tema no workshop do Social Analytics Summit próximo dia 25. Para aquecer os motores, um papo rápido com a Débora:

débora zaniniTarcízio: Netnografia e termos similares são usados a torto e a direito em agências e setores de marketing para falar de todo tipo de pesquisas qualitativas online. Afinal, qual a diferença entre etnografia e monitoramento de mídias sociais?

Débora: O que eu percebo muito no mercado digital é que existe muita confusão sobre o que é a Etnografia e o Monitoramento de mídias sociais. Tanto Etnografia quanto Monitoramento são conceitos/metodologias anteriores ao boom digital e, se resgatarmos as explicações delas sem pensar muito se o ambiente aplicado é On ou Off fica mais de entender.

O monitoramento nada mais é do que monitorar o que é falado sobre marcas e assuntos. Etnografia nada mais é do que estudar a cultura (comportamentos, costumes e crenças) de grupos sociais.

Quando aplicamos estes conceitos a o universo digital, percebemos, então, que: Monitoramento de Mídias Sociais é monitorar o que os/as usuários/as falam sobre determinados assuntos, marcas, entre outros, através dos seus ‘perfis sociais.’ E, portanto, Etnografia Digital, Netnografia, ou qualquer outro nome que usem, é entender a cultura de determinados grupos dentro do ambiente digital (ou deveria ser isso).

As mídias sociais geram uma infinidade de dados não-estruturados que podem ser estruturados, estudados e trabalhados de várias maneiras: Monitoramento e Etnografia são apenas algumas das possibilidades – maravilhosas, na verdade. O que acontece é que por falta de conhecimento, muitas pessoas acabam usando estas terminologias para descrever qualquer pesquisa feita com dados provenientes do ambiente online, porém, isto é equivocado. Cada metodologia tem sua forma de ser feita, seus princípios: analisar dados de forma qualitativa e dizer que isso é Etnografia é errado.

T: O que o inscrito pode esperar aprender durante seu módulo no workshop?
D: Trabalharemos o que é a Etnografia, conceitualmente falando, e as suas possibilidades para o mercado digital. Além de vermos os princípios de se fazer uma pesquisa etnográfica de verdade (aquela que a Antropologia desenvolveu), vamos ver algumas técnicas etnográficas de coleta de dados nos ambientes online e algumas formas de analisar o que se coletou.

T: Padrões de ética, anonimidade dos dados e afins pouco foram discutidos no lado publicitário do mercado de monitoramento de mídias sociais. Recentemente plataformas começam a anonimizar mais e mais os dados coletáveis a partir de APIs e buscas. Se a etnografia tem como um pilar o entendimento de pessoas reais, isto traz mais entraves para estudos do tipo?

D: Esta questão é uma problemática da nossa contemporaneidade que considero essencial ser debatida. Ao mesmo tempo em que vivemos a sociedade do espetáculo, na contramão, surge o debate sobre a segurança dos dados e o respeito à privacidade. Para mim, este tema é tão fascinante que tenho me dedicado a estudar mais nestes últimos tempos as questões que todo este debate.

Em relação a disponibilidade de dados para trabalhar, é óbvio que as restrições de coleta de dados nas APIs das mídias sociais impactam o processo que viemos trabalhando até hoje. Porém, por outro lado, também nos obrigam a inovar (e o que é um mercado e profissionais que não inovam?).

No caso específico da pesquisa etnográfica aplicada nas redes sociais, nos obriga a pesquisar e desenvolver mais formas de coletas de dados que saiam do campo da utilização de ferramentas de coleta. Existem várias técnicas da ciências sociais, por exemplo, que podem ser aplicadas ao ambiente digital que são alternativas para se encontrar populações escondidas. Uma delas é o Time-Space Sampling, em que eu mapeio determinados lugares possíveis em que minha população-alvo pode se encontrar para conversar (seja um fórum, um grupo no Facebook, entre outros) e me insiro neste ambiente.

O segredo é ser curioso: sempre criamos alternativas para sanar nossas curiosidades.

Leia mais entrevistas com os palestrantes do Social Analytics Summit aqui no blog e no da Mariana Oliveira. E não se esqueça de conhecer o evento em mediaeducation.com.br/socialanalytics