Etnografia na Internet: entrevista com Débora Zanini

social analytics summit

Etnografia é o método de pesquisa qualitativa mais falado em agências de publicidade. Mas será que sempre do melhor jeito? Quais os limites e possibilidades da etnografia? A Débora Zanini, socióloga e supervisora de monitoramento de Data Intelligenve na Ogilvy, falará sobre este tema no workshop do Social Analytics Summit próximo dia 25. Para aquecer os motores, um papo rápido com a Débora:

débora zaniniTarcízio: Netnografia e termos similares são usados a torto e a direito em agências e setores de marketing para falar de todo tipo de pesquisas qualitativas online. Afinal, qual a diferença entre etnografia e monitoramento de mídias sociais?

Débora: O que eu percebo muito no mercado digital é que existe muita confusão sobre o que é a Etnografia e o Monitoramento de mídias sociais. Tanto Etnografia quanto Monitoramento são conceitos/metodologias anteriores ao boom digital e, se resgatarmos as explicações delas sem pensar muito se o ambiente aplicado é On ou Off fica mais de entender.

O monitoramento nada mais é do que monitorar o que é falado sobre marcas e assuntos. Etnografia nada mais é do que estudar a cultura (comportamentos, costumes e crenças) de grupos sociais.

Quando aplicamos estes conceitos a o universo digital, percebemos, então, que: Monitoramento de Mídias Sociais é monitorar o que os/as usuários/as falam sobre determinados assuntos, marcas, entre outros, através dos seus ‘perfis sociais.’ E, portanto, Etnografia Digital, Netnografia, ou qualquer outro nome que usem, é entender a cultura de determinados grupos dentro do ambiente digital (ou deveria ser isso).

As mídias sociais geram uma infinidade de dados não-estruturados que podem ser estruturados, estudados e trabalhados de várias maneiras: Monitoramento e Etnografia são apenas algumas das possibilidades – maravilhosas, na verdade. O que acontece é que por falta de conhecimento, muitas pessoas acabam usando estas terminologias para descrever qualquer pesquisa feita com dados provenientes do ambiente online, porém, isto é equivocado. Cada metodologia tem sua forma de ser feita, seus princípios: analisar dados de forma qualitativa e dizer que isso é Etnografia é errado.

T: O que o inscrito pode esperar aprender durante seu módulo no workshop?
D: Trabalharemos o que é a Etnografia, conceitualmente falando, e as suas possibilidades para o mercado digital. Além de vermos os princípios de se fazer uma pesquisa etnográfica de verdade (aquela que a Antropologia desenvolveu), vamos ver algumas técnicas etnográficas de coleta de dados nos ambientes online e algumas formas de analisar o que se coletou.

T: Padrões de ética, anonimidade dos dados e afins pouco foram discutidos no lado publicitário do mercado de monitoramento de mídias sociais. Recentemente plataformas começam a anonimizar mais e mais os dados coletáveis a partir de APIs e buscas. Se a etnografia tem como um pilar o entendimento de pessoas reais, isto traz mais entraves para estudos do tipo?

D: Esta questão é uma problemática da nossa contemporaneidade que considero essencial ser debatida. Ao mesmo tempo em que vivemos a sociedade do espetáculo, na contramão, surge o debate sobre a segurança dos dados e o respeito à privacidade. Para mim, este tema é tão fascinante que tenho me dedicado a estudar mais nestes últimos tempos as questões que todo este debate.

Em relação a disponibilidade de dados para trabalhar, é óbvio que as restrições de coleta de dados nas APIs das mídias sociais impactam o processo que viemos trabalhando até hoje. Porém, por outro lado, também nos obrigam a inovar (e o que é um mercado e profissionais que não inovam?).

No caso específico da pesquisa etnográfica aplicada nas redes sociais, nos obriga a pesquisar e desenvolver mais formas de coletas de dados que saiam do campo da utilização de ferramentas de coleta. Existem várias técnicas da ciências sociais, por exemplo, que podem ser aplicadas ao ambiente digital que são alternativas para se encontrar populações escondidas. Uma delas é o Time-Space Sampling, em que eu mapeio determinados lugares possíveis em que minha população-alvo pode se encontrar para conversar (seja um fórum, um grupo no Facebook, entre outros) e me insiro neste ambiente.

O segredo é ser curioso: sempre criamos alternativas para sanar nossas curiosidades.

Leia mais entrevistas com os palestrantes do Social Analytics Summit aqui no blog e no da Mariana Oliveira. E não se esqueça de conhecer o evento em mediaeducation.com.br/socialanalytics

Auto-Apresentação nas Mídias Sociais: aula da Rihanna sobre papéis sociais nos ambientes online

A divertida imagem abaixo, compartilhada pela página D1v4s no Facebook, merece uma postagem aqui no blog por dois motivos essenciais.

Rihanna Mídias Sociais - D1V4s

O primeiro é que essa mulher é maravilhosa, sempre merece aparecer onde quer que seja.

E o segundo motivo é que esta divisão entre comportamentos esperados nas mídias sociais tem muito a dizer sobre como devemos entender as pessoas nas diferentes plataformas. A noção de papel social é ponto-chave para situar como as pessoas interagem em diferentes ambientes, sejam eles presenciais ou online.

Grande parte da pesquisa acadêmica sobre mídias sociais, não por acaso, baseia-se em referenciais teóricos de microssociologia sobretudo em torno do conceito de auto-apresentação. Em uma das frases mais interessantes sobre mídias sociais, Sunder declarou que “profiles pages are pages where one can type oneself into being“. A “existência online” de uma pessoa geralmente começa de forma ativa quando digita campos de informação na criação de algum perfil em mídia social (lembrem que blog é mídia social, hein) e vai se transformando ao longo do tempo.

erving goffman

Erving Goffman em adequada auto-apresentação de sociólogo intelectual posando para foto.

E estas transformações e edições ao longo do tempo são baseadas em uma constante auto-avaliação do que as pessoas acreditam que as outras estão achando de seus “eus”. Mente quem diz que não importa o que os outros pensam. Mesmo o ato de querer “chocar a sociedade” (em nichos como punk, por exemplo), parte de um referencial de normalidade e de uma desejada produção de efeito. O sociológo Erving Goffman (1922-1982), que publicou como A Representação do Eu na Vida CotidianaComportamento em Lugares Públicos, procurou entender como a interação social acontece sobretudo através da criação do conceito de gerenciamento de impressões. Goffman

comparou interação social com a performance teatral ou uma “linha” de atos auto-expressivos verbais e não-verbais que são gerenciados para manter uma linha de conduta apropriada para a situação atual. Esse gerenciamento do self requer um repertório de recursos de manutenção de aparência, uma consciência das interpretações realizadas pelos outros, um desejo de manter aprovação social e uma vontade de usar esse repertório de táticas de gerenciamento de impressões  (SNYDER, 1974, p.1).

Parece familiar, não parece? Este processo de gerenciamento da apresentação de si é algo constante na experiência social humana. Apesar de usar o léxico do teatro para falar do comportamento interacional, o foco de Goffman não é a noção de interpretação como “falsidade”. Eu ajo de um modo na frente de meus pais, ajo de outro modo na frente de meus colegas, ajo de outro modo na frente de meus alunos… Não significa que eu esteja mentindo nestas situações. Significa que o comportamento (modos de falar, temáticas, gestualidade, vestuário, emoções…) é sempre situado socialmente em cada contexto.

social atom - jacob moreno

A ideia de “átomo social” e seus papéis já era cara a Jacob Moreno, um dos precursores da análise de redes sociais nos anos 1930

Imagens como a que abre este post são fruto de uma espécie de sociologia vernacular: mesmo sem conceitos ou sistematização, as variações comportamentais do público são percebidas por alguns indivíduos e o reconhecimento destes padrões, pelo público, gera a repercussão esperada. Facebook, Twitter, LinkedIn, Tumblr, Whatsapp, Instagram e Snapchat são plataformas de comunicação com milhões de usuários. O comportamento-padrão aparente em cada um deles é um substrato de suas funcionalidades, intensidade de uso, tipos e variação do público e relação com as outras mídias sociais.

Gosto muito de um conceito da José van Dijck ao falar das mídias sociais. Como estão em constante influência mútua, formam um ecossistema de mídia conectiva:

a system that nourishes and, in turn, is nourished by social and cultural norms that simultaneously evolve in our everyday world. Each microsystem is sensitive to changes in other parts of the ecosystem: if Facebook changes its interface settings, Google reacts by tweaking its artillery of platforms; if participation in Wikipedia should wane, Google’s algorithmic remedies could work wonders. It is important to map convolutions in this first formative stage of connective media’s growth because it may teach us about current and future distribution of powers.

Ou seja, comportamentos e possibilidades no Twitter influenciam o Facebook e vice-versa. Mas não somente em termos de negócio e interface, mas também as práticas performadas: para alguns públicos, por exemplo, o Twitter também é importante por não ser o Facebook.  Algumas variáveis relacionadas aos papéis sociais devem ser observadas, então, ao se pensar as mídias sociais:

Diferenças Percebidas pelo Público
Como mencionei acima, para alguns públicos existe diferenças explícitas entre as “populações” de cada plataforma. Em estudo sobre a expressão “no outro site”, por exemplo, permitiu identificar alguns padrões sobre as indiretas que os tuiteiros mandam para o Facebook.

no outro site

Mais do que piadas, representam um senso de comunidade baseado na alteridade: o que é feito no Facebook, para estes usuários, é o diferente, o inadequado, o errado. As particularidades demográficas e sociográficas de cada ambiente podem gerar variações de conteúdo e práticas que são percebidas por parte da comunidade mais atenta a estas oscilações.

Proposta Temática / Redes de Nicho
Aqui temos a variável mais óbvia ao pensarmos a análise de públicos nas mídias sociais. Afinal de contas, um site como LinkedIn é voltado tematicamente e em toda sua interface a relações profissionais. O direcionamento do modelo de cada plataforma prescreve determinados comportamentos. Mas, é claro, podem mudar ao longo do tempo, como foi observado no MySpace (como as tentativas transição para plataforma musical) ou no Orkut (abandonado por usuários anglófilos depois da invasão brasileira), muitas vezes por pressão dos usuários.

Intensidade Informacional de Apresentação e Ancoragem na “identidade de RG”
A percepção do Facebook como plataforma central para a maior parte dos internautas, atualmente, está ligada a seu sucesso de negócio e automatização de algoritmos para segmentação de público, conteúdo e anúncios. Além da circulação do conteúdo em fluxo (posts, likes, fotos etc), a intensidade informacional na criação e manutenção dos perfis é elevada. Nome, grau de instrução, escola, idade, familiares, amigos, profissão, local de trabalho, localização… o número de informações adicionáveis a um perfil é imensa. Isto sem falar das centenas e milhares preferências culturais e políticas obtidas através dos likes.

E tudo isto em uma plataforma utilizada por mais que 1,4 bilhões de pessoas. Assim, a auto-apresentação de um indivíduo no Facebook tende a dois pontos, que geralmente convergem: ser a média mais neutra dos variados papéis sociais que exerce em sua vida; e ser uma auto-apresentação condizente com a expectativa média da sociedade como um todo. E os recentes casos do Facebook exigindo que os usuários usem nomes completos só reforça este posicionamento.

twitter birthdayPor outro lado, algumas plataformas possuem sua força na simplicidade. É o caso do Twitter, no qual o perfil “estático” é composto de uma bio de 160 caracteres, um nome, um @username e localização. Recentemente, para fins de negócio, a mídia social tem sofrido para incentivar que seus usuários adicionem data de nascimento.

Multiplicidade de Papéis x Papéis Específicos
O papel social sempre pressupõe um público esperado e imaginado pelo indivíduo. A noção de público esperado, então, está diretamente ligada à amplitude de papéis desempenhados. No exemplo de um adolescente experimentando suas liberdades de afetos e opiniões, sua presença no Facebook hoje pressupõe uma possível vigilância de pais e familiares, ativos naquela rede.

Por outro lado, o Snapchat é a plataforma utilizada quase exclusivamente por jovens. É mais fácil para este público controlar, então, suas expressões para um referencial menos amplo de expectativas. Além disso, seu modelo de interação incorpora a efemeridade como valor: imagens e vídeos somem depois de curto tempo, capturas de tela são notificadas e alguns conteúdos só podem ser vistos uma única vez.

Muitas crises nas mídias sociais tratam-se da inadequação de uma mensagem ao público. Um dos famosos cases brasileiros de crise de reputação individual foi o tweet de um então diretor da Locaweb durante jogo do São Paulo, patrocinado pela empresa. Infelizmente, a experiência de torcida ainda é frequentemente arcaica, baseada em violência, homofobia e agressividade. Uma frase como a do tweet ao lado é comum em uma mesa de bar, em um círculo social pequeno. Mas, no Twitter, a declaração foi exibida para dois públicos relevantes e não esperados pelo emissor: os torcedores do São Paulo ofendidos pelo “xingamento”; e pessoas que se incomodaram com a referência homofóbica.

Faixa Etária
Uma das variáveis mais importantes é a generacional. Alguns tipos de atitudes e interesses são comuns entre adolescentes e jovens adultos, mas podem ser vistas como inadequadas em outros momentos da vida. Já toquei neste ponto nos itens acima, mas é importante lembrar que a faixa etária é também um atalho para outros atributos.

most important social network

Mídia social mais importante para os jovens estadunidenses

Por exemplo, os motivadores dos indivíduos que usam mídias sociais podem ser vários: família, afeto, sucesso profissional, estabilidade financeira, senso de realização etc. Estes motivadores variam ao longo do tempo e promovem, no atual ecossistema da mídia conectiva, diferentes  hierarquias de valor entre os papéis sociais. Em um momento da vida, o usuário pode ter como prioridade utilizar o Instagram para ser visto como sujeito de desejo afetivo-sexual. Em outro, as táticas para tal podem conflitar com a construção de uma reputação profissional, a depender de sua área de atuação.

Classe Econômica  / Profissional
A classe econômica ou profissional, especialmente por possuírem correlações entre si, influenciam a representação dos indivíduos nas mídias sociais. Algumas profissões, como jornalistas e publicitários, requerem um conhecimento da comunicação que tanto promovem um maior uso de modo geral de algumas plataformas quanto podem criar consciência crítica para evitar certos comportamentos.

Alguns temas podem ser evitados em algumas posições hierárquicas. Profissionais de venda, diretores de empresa e afins, no Brasil atual, podem evitar das suas opiniões sobre política por acreditarem que o acirramento das emoções podem prejudicá-los financeiramente, por exemplo. Advogados podem ter uma maior noção de direitos e deveres do consumidor ao publicar no ReclameAqui. Todas estas são variáveis que devem ser levadas em conta pelo pesquisador ao analisar diferentes públicos.

Conteúdo em Páginas ou Intersticial / Rastreabilidade / Facilidade de Compartilhamento
O Whatsapp, citado comumente naquelas imagens como uma “mídia social”, é, a rigor,um mensageiro instantâneo mais próximo conceitualmente do MSN Messenger do que do Facebook ou Twitter. Não existe uma página intersticial entre as conversas dos usuários que possa ser visitada por terceiros. A interação social acontece entre os usuários em díades ou grupos de conversas.

Isto está diretamente relacionado a rastreabilidade das informações trocadas. O público esperado em um grupo de Whatsapp é mais controlável do que em um grande grupo público de Facebook, estando quase apenas sujeito à contratos de confiança estabelecidos entre os usuários interagentes.

Capacidade de Gerenciar o Público / Papel Social
A possibilidade de separar cada círculo social foi uma das bases do Google+ que, infelizmente, nunca deslanchou. A ideia de criar círculos na plataforma tem força visual e metafórica. Os círculos sociais seriam gerenciados para permitir o manejo de muitos papéis sociais em um mesmo ambiente.

circles google plus

O Facebook desenvolveu esta capacidade através das listas. Por padrão, há listas em graus de abertura: Público, Amigos, Conhecidos Restritos etc. O usuário mais dedicado pode gerar listas customizadas para direcionar as mensagens de forma bem granular. Porém, requer um esforço cognitivo e de tempo que na maioria das vezes, “não vale a pena”. É mais fácil

Todos estes fatores listados acima são relevantes para uma boa interpretação de dados qualitativos e análise de conteúdo nas mídias sociais. Devem ser aplicados na formulação de perguntas úteis para estes estudos e para construção de personas. Plataformas, mídias, interfaces, públicos, comportamentos, eventos e tendências estão em constante e complexa relação nos dados sociais digitais. Olhar para os indivíduos com a consciência da importância dos papéis sociais é ponto básico para um pesquisador.

Social Analytics Summit 2015: inscrições abertas!

social analytics summitTenho o prazer de realizar a curadoria, pelo terceiro ano, do evento Social Analytics Summit, que acontecerá nos dias 27 e 28/11 em São Paulo. Neste ano tive a fantástica ajuda da Mariana Oliveira como co-curadora para pensar uma grade bem completa! Neste ano teremos palestras com pensadoras e profissionais como Raquel Recuero, Gustavo Vasconcellos (Globo), Agatha Kim (Havas), Cristina Cardoso (Sky), Wesley Muniz (Bradesco) e Douglas Oliveira (Thinking Insight). Entre os temas, veremos de modelos estatísticos pra métricas a cicloativismo, passando por social network analysis. A quinta edição da pesquisa sobre os profissionais da nossa área também será lançada no evento pelo Júnior Siri (F.Biz).

No mini-curso, uma novidade: preparamos um material com objetivo de ajudar profissionais que já estão no mercado a inovar em seus relatórios de monitoramento. Eu, a co-curadora Mariana Oliveira (Havas), Débora Zanini (Ogilvy) e Julie Teixeira (Trip) explicaremos como melhorar seus relatórios com 4 técnicas: linguística de corpus, dataviz, técnicas etnográficas e geolocalização. Veja os temas do mini-curso e palestras já confirmados:

MINI-CURSO
– Linguística aplicada
– Técnicas etnográficas
– Geolocalização
– Dataviz

PALESTRAS
– Do outro lado da mesa: como entender as demandas dos clientes
– Insights para transformar as cidades
– Previsões e modelos estatísticos para métricas de mídias sociais
– Profissional de inteligência de mídias sociais no mercado brasileiro
– O desafio de transformar dados em estratégia sob a ótica de planejamento
– Cruzando Dados e Pesquisas em Grandes Organizações
– Métodos de pesquisa digital: SNA

Para quem se inscrever até o dia 30 a Media Education preparou um valor bem bacana e ainda podem usar o código sas05taru pra mais um desconto de 7% em cima.

Saiba mais em mediaeducation.com.br/socialanalytics

Entrevista sobre TV, mídias sociais e segunda tela

masterchef - segunda telaConversei com o jornalista Reinaldo Glioche sobre TV, mídias sociais e segunda tela nesta semana em matéria para o IG e compartilho as respostas completas:

1 – A tendência de instrumentalizar as redes sociais começou nos talk shows americanos, como o de Jimmy Fallon, e começa a despontar no Brasil em programas esportivos e realities como “MasterChef”. Essa tendência é algo que as emissoras podem dominar ou é completamente alheio ao controle destas?
A comunicação, de modo geral, é sempre algo fora do controle de uma única organização. Nos meios tradicionais sempre existiu reinterpretações, desvios, críticas e engajamentos do público próprios a cada veículo ou atração. Na comunicação online nas mídias sociais, dois pontos nevrálgicos mudam: a estrutura digital em rede permite que estas opiniões e o boca a boca circulem de forma mais rápida e global; e a maior parte destas conversas, em plataformas como o Twitter, pode ser resgatada e analisada. Como muito mais fenômenos hoje são quantificados, em índices como os “Trending Topics”, os números ficam mais explícitos. E, do mesmo jeito, as opiniões emitidas e reinterpretações realizadas. O que as emissoras tem procurado fazer é alinhar alguns de seus produtos às dinâmicas do engajamento dos fãs nas mídias sociais.

2 – Na sua avaliação, bombar nas redes sociais hoje dá mais ibope do que as medições de audiência? Por quê?
Atualmente a internet representa cada vez mais a população, com mais e mais fatias etárias e socioeconômicas conectadas. Então não acredito que exista esta divisão entre o que dá mais resultado ou “ibope”, pois são complementares. Inclusive, a criação de índices como o ITTR – Ibope Twitter TV Ratings – só reforça esta noção. A parceria entre a mídia social e a empresa de pesquisa procura mensurar a repercussão do conteúdo televisivo na mídia digital através de ratings que medem quantidade de tweets, usuários engajados e impressões totais.

3- Vemos hoje jornalistas globais bastante ativos nas redes sociais. Atuar no Twitter e no Facebook é uma forma de cativar audiência?
Sim, é uma forma de cativar e aproveitar o capital social construído em outros ambientes. Nas mídias sociais, valores de autoridade, audiência e reputação podem ser construídos a partir de diversas formas, como a atuação em dinâmicas próprias das redes online e/ou na transposição e expansão da audiência televisivo na construção de uma comunidade online. Alguns jornalistas mais afeitos aos meios digitais procuram realizar esta integração, pois acaba tornando-se inclusive mais um valor a ser “vendido” em negociações com veículos. Figuras como William Bonner e Marcelo Tas possuem cada mais 8 milhões de seguidores no Twitter, tornando-se veículos eles mesmos.

4 – Muitos dos programas em exibição na TV tornam-se os assuntos mais comentados do Twitter. Existe alguma estratégia da perspectiva da produção que possa garantir a subida de uma hashtag?
No final das contas, há pouquíssimos temas ou assuntos que podem ser vistos como “garantidos” para gerar repercussão necessária a virar trending topic. Entretenimento televisivo (especialmente narrativas e reality shows), política e esporte tendem a gerar mais conversas porque lidam também com paixões, sentimentos e controvérsias. Alguns programas conseguem alinhar elementos suficientes a engajar público e influenciadores. A abertura a participação do público é essencial. Mas esta participação não deve ser vista apenas como algo reativo (tuitar e votar com determinadas hashtags definidas pelo programa), mas também na disponibilização (intencional ou não) de material remixável: uma frase que vira jargão temporário, uma imagem reinterpretada como meme, uma situação curiosa… É muito difícil realizar algo com garantia de ser sucesso em qualquer âmbito ou indústria, mas quando falamos de segunda tela, é possível analisar o que dá resultado em tempo real e redirecionar programas e narrativas para alcançar um maior sucesso.

5 – Você acha que a reação instantânea das redes sociais pode estar interferindo na maneira da TV produzir conteúdo? Por quê?
Com certeza, o que acontece nas mídias sociais interfere direta e indiretamente na produção, estilo e até narrativa de alguns problemas. Hoje atendemos clientes do segmento televisivo que observam, com nossa ajuda, não só as mais variadas reações do público aos programas, mas também a própria composição desta audiência em suas características comportamentais e sociodemográficas.

Há dois motivos principais para tal impacto. O primeiro é que a utilização das mídias sociais como “segunda tela” é algo corrente para grande parte da população, então alguns programas conseguem explorar a utilização de “fatos conversáveis”. Pode ser um plot twist na novela, a transformação física de uma atriz, a competição entre participantes, o sotaque engraçado de outro…

O segundo motivo é que as dezenas a centenas de milhares de tweets diários sobre programas como Masterchef, Malhação, Xuxa Meneghel, Pânico na Band ou Verdades Secretas, só para citar alguns, podem ser analisados em tempo real, assim como o comportamento de sua audiência. Sentimento, percepção, frases e termos mais utilizados, relação com marcas, piadas e até aspectos do cotidiano da audiência, expressos através dos tweets, podem ser coletados e interpretados por bons analistas. E tudo isto já é realizado pelas principais emissoras do país, que dedicam esforços de pesquisa a entender impacto, oportunidades e desafios nas mídias sociais.

Pesquisa em Mídias Sociais: da prática à teoria, por Anatoliy Gruzd

Anatoliy Gruzd, diretor do Social Media Lab, publicou recentemente a primeira parte de uma dupla de textos sobre o atual estado da pesquisa sobre mídias sociais. A partir da extração de textos acadêmicos sobre mídias sociais, Gruzd publicou algumas visualizações sobre os temas e teorias mais vinculados à pesquisa em mídias sociais. No treemap abaixo, por exemplo, é possível observar como Critical Theory, Media Theory e Game Theory são as teorias mais comumente utilizadas:

Theoretical Approaches Frequently Cited in Social Media Literature

As teorias e modelos propostos pela análise de redes sociais e pela pesquisa sobre apresentação do self são apontados por Gruzd como as referências explicativas para os comportamentos coletivos e individuais, respectivamente. Mas, para além do diagnóstico do atual panorama de pensamento sobre as mídias sociais, o texto busca apontar algumas particularidades das redes digitais, citando os conceitos de outros autores canadenses, como o individualismo em rede do Barry Wellman e os laços latentes de Caroline Haythornthwaite.

Leia em: “Current State of Social Media Research: from practice to theory part 1