Tecnologia & Ethos Negro – ensaio de Amiri Baraka

Amiri Baraka (1934-2014) foi um escritor, poeta, professor, ativista pan-africano e crítico musical precursor do hip-hop. Seu livro “Black Music” de 1967 é um marco na área. Através de sua atuação, propôs ideias particulares sobre combate ao racismo e colonialismo – mas é pouco conhecido seu ensaio sobre tecnologia, branquitude e um ethos especulativo do que poderia ser a tecnologia preta contemporânea.

No ensaio Technology & Ethos, de 1969, Baraka reflete sobre os aspectos políticos e raciais da tecnologia em argumentos que precederam muitas obras hoje vistas como basilares no tema. O texto original pode ser lido no site da artista Marilyn Nance, mas fiz uma tradução tentativa para apoiar estudantes que não leem inglês. Há algumas particularidades de supressão de letras e estruturas frasais que não fui capaz de traduzir/adaptar plenamente – então quem puder prefira ler o original. Segue:

Tecnologia & Ethos

Amiri Baraka

Máquinas (como Norbert Wiener disse) são uma extensão de seus inventores-criadores. Isto não é tão simples quanto parece. Máquinas e toda a tecnologia do Ocidente são apenas isto: a tecnologia do Ocidente.

Nada precisa parecer ou funcionar do jeito que faz. A liberdade do homem do Ocidente, que foi conquistada não-cientificamente às custas dos povos do resto do mundo, o permitiu expandir suas disposições mentais e sensibilidades onde quer que foram e assim moldaram o mundo e seus poderosos artefatos-motores.

Poder político também é o poder de criar – não apenas o que será criado de fato – mas a liberdade de ir onde quiser ir (mentalmente e fisicamente). Criação Preta – criação impulsionada pelo ethos Preto traz resultados especiais.

Imagine a si mesmo, um criador Preto, livre de amarras europeias que significam de início as amarras ao desenvolvimento mental autodeterminado. Pense quais seriam os resultados de gerações libertas de inventores-criadores com o apoio dos recursos de suas nações. Imaginar-pensar-construir-energizar!!!

Como você se comunica com grandes massas do povo Preto? Como você usa a terra para alimentar massas de pessoas? Como você cura pessoas? Como você previne doenças? Quais são os objetivos do povo Preto em viagem espacial?

Isto atordoa a mente. Para se libertar, deixe a mente fazer o que deve como uma força construtiva de progresso, aproveitando toda a energia dos recursos de conhecimento de uma nação.

Estes cientistas brancos com bolsas vitalícias ou pensando problemas no Instituto de Estudos Avançados de Princenton.

Então um telefone é uma solução para uma cultura para o problema de enviar palavras através do espaço. É poder político que permitiu esta tecnologia emergir e parece ser (o poder político) o destino dos resultados desejados.

Uma máquina de escrever? – porque deveria usar apenas as pontas dos dedos como pontos de contato de criatividade multi direcional? Se eu tivesse inventado uma máquina de inscrição de palavras, uma “escriba-de-expressões”, se você digamos, então teria feito um instrumento onde eu poderia pisar & sentar ou espalhar ou pendurar & usar não apenas meus dedos para fazer palavras expressarem sentimentos mas também cotovelos, pés, cabeça, costas e todos os sons que eu quisesse, gritos, toques, arranhões. Teria gravado magneticamente, ao mesmo tempo & traduzido em palavras – ou talvez mesmo na expressão final o pensamento/sentimento não apenas palavra ou folha, mas a coisa em si, a expressão, tridimensional – capaz de ser tocada, saboreada ou sentida ou entrada ou ouvida ou carregada como um feitiço falante cantante comunicando constantemente. Uma máquina de escrever é tola!

Os chamados artistas percebem, aqueles que se libertaram, que nossas criações não precisam emular as do homem branco, mas é a hora de engenheiros, arquitetos, químicos, artesões eletrônicos, isto é, também [seus] filmes, rádios, sons etc entenderem que aprender tecnologia ocidental não deve ser o fim de nossa compreensão da disciplina particular com a qual nos envolvemos. A maioria da informação moldada pelo Ocidente é como lama e areia quando você está peneirando por ouro!

Os atuais começos de nossas expressões são pós-Ocidentais (assim como certamente são pre-ocidentais). É necessário que nos armemos com o completo auto-conhecimento de toda a tecnologia (que afinal de contas é apenas expressão dos criadores) para mudar e refletir a essência de um povo liberto. Livre de um opressor, mas também como Touré nos lembrou devemos nos “livrar do espírito do opressor”. É este espírito como um construto emocional que pode se manifestar como expressão de arte ou tecnologia ou qualquer forma.

Mas qual é nosso espírito, o que ele vai projetar? O que as máquinas irão produzir? O que irão alcançar? Qual será sua moralidade? Veja a diferente moralidade dos fogos de artifício nos aniversários chineses e as bombas dos garotos brancos. Máquinas tem a moralidade de seus inventores.

Veja tudo fresco e “sem forma” – então faça formas que irão nos expressar verdadeiramente e totalmente – e certamente nos libertarão eventualmente.

A nova tecnologia precisa ser espiritualmente orientada porque deve aspirar a levantar a espiritualidade do homem e expandir sua consciência. Deve começar sendo “humanística” apesar de que os garotos brancos ainda hão de alcançar isto. Testemunhe as tecnologias que matam plantas & animais, envenena o ar & degenera ou escraviza o homem.

A tecnologia em si deve representar os desafios humanos. Deve representar cada ponto na perfeição temporária do homem em evolução. E deve ser obsoleta apenas porque nada nunca é perfeito, a única constante é a mudança.

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