Fotografia nas mídias sociais como recurso etnográfico

[Artigo originalmente publicado no blog do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados]

A utilização de imagens para compreender aspectos e comportamentos dos indivíduos está longe de ser algo novo. Ciências sociais e pesquisa de mercado trabalham com análise de imagens e fotografias há décadas, seja no registro documental de comunidades e culturas e pelos pesquisadores; em desenhos de pesquisa com coleta documental de registros fotográficos ou expressões artísticas; ou ainda com a participação ativa das culturas estudadas, comumente com o fornecimento de câmeras para participantes motivados a oferecer seus olhares sobre um tema, lugar ou comportamento.

De especial relevância a interessados em etnografia online e em técnicas qualitativas, estão algumas metodologias baseadas na produção de imagens pelos participantes. É comum a utilização de recursos como máquinas fotográficas descartáveis para promover a participação de comunidades na construção reflexiva de conhecimentos e discursos sobre si e entorno. As fotos abaixo, respectivamente, tratam da utilização da técnica nos contextos: (a) perspetivas de crianças sobre tecnologias nos ambientes domésticos; (b) uso de fotografia e outras modalidades estéticas para jovens explorarem as cidades.

etnografia-e-fotografia

etnografia-e-fotografia-2

A materialidade dos dispositivos nestes dois exemplos é um ponto muito relevante para os estudos. Uma vez que os filmes são limitados, a escolha de cada disparo tende a ser um momento de definição e expressão acentuadas pela escassez. Quando pensamos, entretanto, nas máquinas fotográficas embutidas em nossos atuais smartphones, esta escassez não existe. É possível fotografar com limites quase negligenciáveis pelos usuários comuns: um smartphone médio hoje comporta milhares de fotos.

Entretanto, o desenvolvimento de sites de redes sociais adiciona uma camada simbólica muito importante para a produção e publicação de fotografias. O que é publicidade por um usuário de Flickr ou Instagram em seus perfis passa por um processo de seleção pautado pelas expectativas de auto-apresentação dos indivíduos. Porém, enquanto o Flickr “reforçava sentimentos de pertencimento através de experiências compartilhadas através de fotografias […], formando uma percepção coletiva do mundo” (Papacharissi, 2013) através de fins sobretudo artísticos e documentais, o Instagram mudou de vez o eixo dos interesses (e direção das câmeras).

selfiecity-manovich

Enquanto apresentação do cotidiano compartilhado, o Instagram torna-se uma plataforma mais vinculada à auto-expressão para fins de conquista de afeto, status e capitais sociais diversos. Visto como perfil pessoal, as pessoas selecionam as fotos no Instagram imaginando atributos e valores representativos do seu self ideal. O olhar para o próximo, o individual e o particular  se intensificam no Instagram, como demonstra o levantamento abaixo: selfies e amigos se destacam como principais tipos de fotos (HU, MANIKONDA & KAMBHAMPATI, 2014).

Deste modo, o Instagram hoje é uma fonte privilegiada para estudos etnográficos. Apesar de uma boa quantidade de perfis serem fechados (taxa menor que Facebook porém maior que Twitter), a extração de dados do Instagram é relativamente mais fácil. O resgate retroativo de publicações de determinados perfis, hashtags ou localizações é facilitado por ferramentas plenas de monitoramento de mídias sociais ou mesmo scripts dedicados e gratuitos como a Instagram Scraper do Digital Methods Initiative.

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Fotos como as listadas acima, utilizadas em estudo sobre a atividade social em torno de churrasco, convidam o pesquisador a aplicar um olhar quase meta-voyeurístico dos olhares de um determinado público. Através de um bom recorte de pesquisa no Instagram é possível compreender padrões entre os tipos de imagens selecionadas. Os cliques realizados pelos usuários são pequenas janelas abertas a seus cotidianos. Objetos, pessoas, poses, gestos, marcas, atividades e lugares podem ser numerados, listados e cruzados com outras características.

etnografia-cafeteria

Mesmo antes da quantificação, o confronto a realidades diferentes a partir da consciência do que é enquadrado (o que sempre traz o “não-enquadrado” indiretamente). A simples listagem “em análise formal e explícita de seus conteúdos é um potente dispositivo representacional” (BECKER, 2001). O desafio, entretanto, é a lógica dominante da automatização e quantificação simples dos elementos: algo que só pode ser feito fácil, em arremedos, em texto.

Para não deixar todo este valor perdido, é importante ver o trabalho da pesquisa e monitoramento em mídias sociais não apenas como um mecanismo de controle e reporte, mas de forma estratégica ao longo da gestão da comunicação e públicos ao longo do tempo. Estudos formais e monetizados que utilizem técnicas etnográficas devem ser oferecidos em momentos estratégicos como planejamentos anuais e semestrais, para que seu valor seja agregado de forma horizontal nas organizações. Mas, do ponto de vista do analista individual, seja ele responsável por pesquisa, conteúdo, planejamento ou mídia, agregar olhares etnográficos favorece uma compreensão efetiva das culturas envolvidas e é decisivo para um bom resultado da comunicação.

BECKER, Howard. George Perec’s experiments in social description. Ethnography, Vol 2(1): 63-76, 2001.

BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; ASSIS, Neiva; Imagens da Cidade: o projeto ArteUrbe. Rev. Polis e Psique, 2015; 5(2): 123 – 14.

HU, Y.; MANIKONDA, L.; KAMBHAMPATI, S.. What We Instagram: A First Analysis of Instagram Photo Content and User Types. International AAAI Conference on Web and Social Media, North America, may. 2014. A

JORGENSON, Jane; SULLIVAN, Tracy. Accessing Children’s Perspectives Through Participatory Photo Interviews.Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, [S.l.], v. 11, n. 1, nov. 2009. ISSN 1438-5627.

Etnografia na Internet: entrevista com Débora Zanini

social analytics summit

Etnografia é o método de pesquisa qualitativa mais falado em agências de publicidade. Mas será que sempre do melhor jeito? Quais os limites e possibilidades da etnografia? A Débora Zanini, socióloga e supervisora de monitoramento de Data Intelligenve na Ogilvy, falará sobre este tema no workshop do Social Analytics Summit próximo dia 25. Para aquecer os motores, um papo rápido com a Débora:

débora zaniniTarcízio: Netnografia e termos similares são usados a torto e a direito em agências e setores de marketing para falar de todo tipo de pesquisas qualitativas online. Afinal, qual a diferença entre etnografia e monitoramento de mídias sociais?

Débora: O que eu percebo muito no mercado digital é que existe muita confusão sobre o que é a Etnografia e o Monitoramento de mídias sociais. Tanto Etnografia quanto Monitoramento são conceitos/metodologias anteriores ao boom digital e, se resgatarmos as explicações delas sem pensar muito se o ambiente aplicado é On ou Off fica mais de entender.

O monitoramento nada mais é do que monitorar o que é falado sobre marcas e assuntos. Etnografia nada mais é do que estudar a cultura (comportamentos, costumes e crenças) de grupos sociais.

Quando aplicamos estes conceitos a o universo digital, percebemos, então, que: Monitoramento de Mídias Sociais é monitorar o que os/as usuários/as falam sobre determinados assuntos, marcas, entre outros, através dos seus ‘perfis sociais.’ E, portanto, Etnografia Digital, Netnografia, ou qualquer outro nome que usem, é entender a cultura de determinados grupos dentro do ambiente digital (ou deveria ser isso).

As mídias sociais geram uma infinidade de dados não-estruturados que podem ser estruturados, estudados e trabalhados de várias maneiras: Monitoramento e Etnografia são apenas algumas das possibilidades – maravilhosas, na verdade. O que acontece é que por falta de conhecimento, muitas pessoas acabam usando estas terminologias para descrever qualquer pesquisa feita com dados provenientes do ambiente online, porém, isto é equivocado. Cada metodologia tem sua forma de ser feita, seus princípios: analisar dados de forma qualitativa e dizer que isso é Etnografia é errado.

T: O que o inscrito pode esperar aprender durante seu módulo no workshop?
D: Trabalharemos o que é a Etnografia, conceitualmente falando, e as suas possibilidades para o mercado digital. Além de vermos os princípios de se fazer uma pesquisa etnográfica de verdade (aquela que a Antropologia desenvolveu), vamos ver algumas técnicas etnográficas de coleta de dados nos ambientes online e algumas formas de analisar o que se coletou.

T: Padrões de ética, anonimidade dos dados e afins pouco foram discutidos no lado publicitário do mercado de monitoramento de mídias sociais. Recentemente plataformas começam a anonimizar mais e mais os dados coletáveis a partir de APIs e buscas. Se a etnografia tem como um pilar o entendimento de pessoas reais, isto traz mais entraves para estudos do tipo?

D: Esta questão é uma problemática da nossa contemporaneidade que considero essencial ser debatida. Ao mesmo tempo em que vivemos a sociedade do espetáculo, na contramão, surge o debate sobre a segurança dos dados e o respeito à privacidade. Para mim, este tema é tão fascinante que tenho me dedicado a estudar mais nestes últimos tempos as questões que todo este debate.

Em relação a disponibilidade de dados para trabalhar, é óbvio que as restrições de coleta de dados nas APIs das mídias sociais impactam o processo que viemos trabalhando até hoje. Porém, por outro lado, também nos obrigam a inovar (e o que é um mercado e profissionais que não inovam?).

No caso específico da pesquisa etnográfica aplicada nas redes sociais, nos obriga a pesquisar e desenvolver mais formas de coletas de dados que saiam do campo da utilização de ferramentas de coleta. Existem várias técnicas da ciências sociais, por exemplo, que podem ser aplicadas ao ambiente digital que são alternativas para se encontrar populações escondidas. Uma delas é o Time-Space Sampling, em que eu mapeio determinados lugares possíveis em que minha população-alvo pode se encontrar para conversar (seja um fórum, um grupo no Facebook, entre outros) e me insiro neste ambiente.

O segredo é ser curioso: sempre criamos alternativas para sanar nossas curiosidades.

Leia mais entrevistas com os palestrantes do Social Analytics Summit aqui no blog e no da Mariana Oliveira. E não se esqueça de conhecer o evento em mediaeducation.com.br/socialanalytics

Entenda o Monitoramento de Mídias Sociais com e-book brasileiro

É com imensa satisfação que anuncio a publicação do e-book Para Entender o Monitoramento de Mídias Sociais. Consegui reunir 27 artigos inéditos de profissionais e pesquisadores da área, entre analistas, coordenadores e diretores de agências e departamentos de mídias sociais, desenvolvedores de ferramentas e softwares, professores, pesquisadores acadêmicos e gerentes de marketing e comunicação de grandes empresas.

Inspirado nas publicações Para Entender a Internet e Para Entender as Mídias Sociais, o e-book trata de 22 tópicos sobre o tema: Informação; Reputação; Análise de Sentimento; SAC; Profissionais; ROI; Relevância; Monitoramento; Mensuração; Inteligência Artificial; Gestão de Crises; Classificação; Geolocalização; Conteúdo; Netnografia; Softwares Plenos; Perfis; Opinião Pública; Convergência; SEO; Visualização; e Gestão do Conhecimento.

Métricas, Cool Hunting e Comunicação Móvel são discutidos em evento na UCSAL

Ontem aconteceu, na UCSAL, a mesa redonda de lançamento do ebook Comunicação e Marketing Digitais: conceitos, práticas, métricas e inovações. Com a mediação de Felipe Bezerra da Viés Comunicação, ocorreram palestras de: Marcello Chamusca, um dos organizadores do livro, que falou sobre comunicação móvel; de Marcel Ayres, autor de artigo sobre netnografia e coolhunting, que falou sobre o tema e apresentou um estudo que realizamos sobre o Carnaval; e uma palestra minha, em que apresentei como nossa agência sistematiza a mensuração.

Mesa redonda de lançamento do ebook "Comunicação e Marketing Digitais"

Veja o livro organizado pelo Chamusca e os slideshows das palestras :


Pesquisa Online de Comportamento do Consumidor

Ótima apresentação Investigación Online del Comportamiento del Consumidor, por Pablo Sánchez Kohn da Netquest. O slideshow resume, descreve e compara algumas modalidades de pesquisa de marketing online. Foi apresentado em webinar da IAB Chile + Ubiqq.