Migrantes retornantes em Gana: tecnologias digitais, inovação e empreendedorismo global

O que você conhece sobre Gana? Quanto/as autore/as ganenses você já leu? Quais sites você acompanha do país? Sendo um país africano com o inglês como língua oficial e empenhado em abrir os braços pra afrodiápora, provavelmente as respostas às perguntas anteriores podem ser preocupantes.

Gana hoje é um país com cerca de 31 milhões de habitantes, na região África Ocidental. Durante a invasão e roubo colonial europeu, foi explorada por anos pelo Reino Unido até sua independência e formação de república. Anteriormente, era local de vários reinos Akan, Dagbomba e Ewe, entre outros, que compõem hoje a maior parte das origens étnicas do país.

Nos últimos anos, duas movimentações importantes do povo ganense tem gerado interesse de brasileiros e do ocidente. O primeiro é a iniciativa do país de buscar facilitar o “retorno” de pessoas da afrodiáspora. Desde 2007, com a comemoração dos 50 anos de independência, o país busca atrair pessoas da afrodiáspora. O ano passado foi marcado pelo projeto “Year of Return, Ghana 2019), com incentivo a dupla cidadania, conferências e interligação dos povos afrodiaspóricos.

A segunda iniciativa, relacionada à primeira, é o considerável investimento e incentivo a evolução da capacidade científico-tecnológica do país em áreas como TICs, inteligência artificial, robótica e afins.

Pra contar um pedacinho dessa história, incluí no livro “Comunidades, Algoritmos e Ativismos Digitais: olhares afrodiaspóricos” a publicação do artigo “Articulando e Performando Desenvolvimento: retornantes qualificados no negócio de TICs do Gana“.

A autora, Seyram Avle, é Professora Assistente de Mídia Digital Global no Departamento de Comunicação na Universidade de Massachusetts, Amherst (EUA). Sua pesquisa trata da criação, produção e usos de tecnologias digitais em contextos transnacionais em partes da África, China e EUA.

O artigo é resultado de extensa pesquisa sobre os fluxos de capital humano e científico-tecnológico entre países. No caso do Gana, Seyram Avle se debruçou sobre uma particularidade que observou na última década: estudantes e profissionais de classe média e alta do Gana tem retornado ao país depois de estudar e trabalhar em pólos financeiros e tecnológicos do mundo, como Vale do Silício e Londres. Mas é um retorno qualificado e estratégico: são pessoas que buscam construir e avançar os mercados e indústrias de Gana.

As duas seções iniciais do artigo nos apresentam uma revisão histórica e bibliográfica sobre os fluxos de capital humano nas áreas de tecnologias digitais. Avle explica sobre a relação complexa entre recrutamento, transferência e retorno em conhecimento qualificado em indústrias estratégicas, pois países do Sul global podem perder seus talentos caso a presença de boas universidades não seja acompanhada de um mercado ativo que absorva e recompense a oferta de trabalho qualificado. As mudanças socio-econômicas e políticas no Gana nos últimos 20 anos motivaram ondas de saída e retorno de profissionais. Mas este retorno, Seyram Avle defende, não é só uma questão econômica.

Os retornantes qualificados mais velhos tendem a mencionar a construção da nação como uma motivação para o retorno, com a possibilidade de desempenhar um papel mais saliente para eles do que para a geração mais jovem (Ammassari, 2004). Embora grande parte da pesquisa mencione essa motivação em termos de compreensão do motivo pelo qual as pessoas retornam ao Sul, deixa de ver se essa e outras motivações estão associadas a atividades específicas no retorno. Isso pode estar relacionado ao fato de que o impacto do repatriado geralmente é explicado em termos estritamente econômicos. No entanto, os retornantes às vezes citam mudanças sociais e culturais como parte de suas contribuições. Em Gana, onde os retornantes tendem a ir para setor privado, indivíduos qualificados veem as mudanças no local de trabalho e na cultura pública como áreas-chave onde podem contribuir para o desenvolvimento socioeconômico geral do país

Neste artigo, Seyram Avle apresenta resultados de entrevista em profundidade com 14 retornantes entre 27 empreendedores e formuladores de políticas públicas no Gana e apresenta a complexidade das motivações para o retorno. Um “retorno contínuo” é uma tendência constante. Alguns entrevistados recusam a ideia de mudar definitivamente para outros países: a circulação global para receber e oferecer conhecimento existia, mas Gana permanece como ponto focal. H. Chinery-Hesse, da SoftTribe, por exemplo, disse que “Eu estava arrumando minha mala três dias depois de ir para a América… Nunca houve um momento em que eu nunca estivesse voltando”. Chinery-Hesse possui alguns materiais sobre suas opiniões quanto ao desenvolvimento de Gana, como:

Outra entrevistada, Sheila Bartels-Sam, CEO da tecnologia de pagamentos eletrônicos InCharge Global menciona TICs como uma área onde é possível idear, criar e inovar mesmo para profissionais que não sejam programadores. Mas esta motivação não seria apenas individual, mas “cada empresário discutiu os desafios de obter grandes lucros com seus wmpreendimentos e ressaltou o fato de que eles perseguiam esta linha de atuação porque as necessidades que estavam atendendo não são apenas baseadas no mercado, mas eram necessárias para o desenvolvimento” do país. Para ver mais sobre a postura de Bartels-Sam sobre gaps e oportunidades:

O artigo segue na discussão fundamentada dos relatos de diversos inovadores e empresários de Gana que voltaram ao país, ligando as motivações e mostrando como algumas particularidades do país convergem no desejo do retorno e construção de desenvolvimento tecnológico nas áreas urbanas.

à medida que as economias menores do Sul se juntam à sociedade da informação global, as carreiras e as oportunidades ocupacionais que a acompanham tornam possível que os emigrantes retornem para casa. Em geral, as motivações para os emigrantes qualificados que retornam do Norte foram enquadradas principalmente em termos de ciclo de vida, ou seja, como uma questão de tempo ou oportunidade para si e/ou sua família em vez de renda.

Para além da óbvia relevância do artigo aos interessados nas particularidades do empreendedorismo digital em Gana e na África, o artigo pode servir como uma janela inicial de acesso a referências bibliográficas ou de empresas do Gana. Recomendo a leitura a todos que estejam interessados em conhecer melhor realidades que são mais próximas de nós. As particularidades de Gana são mais relevantes do que tentar emular similaridades que não existem com os países do Norte Global.

Esta é a primeira tradução a português de um trabalho da professora Seyram Avle e espero que seja a primeira de muitas. Conheça mais sobre seu trabalho em https://www.seyramavle.com/ e confira vídeo abaixo:

Baixe ou compre o livro na editora LiteraRUA -> http://www.literarua.com.br/livro/olhares-afrodiasporicos

Revistas acadêmicas africanas: onde encontrar?

Quantas revistas acadêmicas editadas em países africanos você já leu? O African Journals Online é uma iniciativa não-governamental criada em 1998 na África do Sul com o objetivo de otimizar a circulação da produção africana em vários campos e disciplinas.

Nas palavras dos editores do projeto, “Do mesmo modo que recursos acadêmicos online do Norte Global estão disponíveis para a África, há a necessidade de disponibilizar informação da África. Importantes áreas de pesquisa na África não são cobertas de forma adequada pelo restante do mundo. Países africanos precisam coletivamente exercer um papel no ambiente global de publicação acadêmica. Pesquisadores africanos também precisam acessar as publicações acadêmicas de seu próprio continente.”

African Journals Online

Atualmente indexa revistas de 32 países, com destaque para os que possuem inglês ou francês como línguas oficiais. Lideram em número Nigeria (222 publicações), África do Sul (96), Etiópia (30), Quênia (29) e Gana (27).  Somam mais de 500 revistas, sendo quase metade de acesso aberto. Lembre que o horror colonial fez com que a maioria desses países tenham línguas oficiais advindas de países europeus, então se você lê em inglês, francês ou português poderá se conectar a bibliografia africana com quase tanta facilidade com o que faz com materiais dos EUA ou Reino Unido. Paradoxalmente, o inglês pode ser uma ferramenta decolonial para que nos conectemos a pesquisadores de parte dos países da África.

Alguns exemplos de artigos relevantes para o público desse blog: Participation in online activation (#) campaigns: A look at the drivers in an African setting – publicado no Legon Journal of Humanities (Gana); Collaborative Networks as a Mechanism for Strengthening Competitiveness, publicado no Journal of Language, Technology & Entrepreneurship in Africa (Quênia); Protest movements and social media: Morocco’s February 20 movement, publicado no Africa Development (Senegal); Social Media: An Emerging Conundrum?, publicado no AFRREV IJAH: An International Journal of Arts and Humanities (Etiópia).

Conheça o site em www.ajol.info