Sistema da SPTrans impede usuária de usar foto com cabelo solto

A publicitária e professora Larissa Macêdo denunciou o sistema da SPTrans que a impediu de usar fotografia com o cabelo solto em 17 tentativas seguidas com fotos diferentes – para depois aprovar sua foto com o cabelo preso.

Ironicamente, o vídeo da SPTrans de orientação para a foto usa a ilustração de um rapaz negro como exemplo. O acúmulo de decisões discriminatórias na auto-apresentação dos indivíduos gera bases de dados que posteriormente são usadas no treinamento de sistemas automatizados e deve ser levado em conta na crítica à tecnologia.

Leia o texto da publicitária sobre o caso:

Ei, SPTRANS! Tenho uma pergunta: se todas as fotos estão dentro dos critérios técnicos de tamanho e formato designados por vcs, pq tive 17 imagens REPROVADAS (de cabelo solto) e apenas a que estou de cabelo preso APROVADA? 🧐

Pessoal, como vcs estão acompanhando, estamos desde ontem tentando subir minha foto no site da SPTRANS para que eu possa fazer o bilhete único. Sem a foto no sistema, não é possível finalizar o processo de criação do cartão.

Pois bem, os requisitos para incluir a foto no sistema da SPTRANS e listados no site do bilhete único, são:

a) Formato: 3×4;
b) Tamanho máximo do arquivo: 60kb;
c) Tipos do arquivo: jpg ou jpeg;
d) Posição do usuário: Deve estar de frente e com rosto em primeiro plano;
e) Fundo da foto: Deve ser neutro, como nas fotos utilizadas em documentos oficiais (ex: RG, Carteira de Habilitação, Passaporte), sem objetos visíveis;
IMPORTANTE: Não serão aprovadas fotos com a pessoa de perfil, fazendo selfie, ao lado de outras pessoas, usando óculos de sol, boné/chapéu ou adereços que cubram parte do rosto, e com baixa resolução ou qualidade.

Após exatas 17 tentativas (todas atendendo os requisitos de tamanho e formato da imagem) tive uma foto aprovada. A questão é: todas as fotos REPROVADAS são as que apareço de cabelo solto (black power), a foto APROVADA foi a ÚNICA em que eu estou de cabelos presos! Ela inclusive foi APROVADA DE PRIMEIRA.

Sei que muitos de vocês me deram dicas e tentaram ajudar pq tiveram e têm problemas para subir essa foto nesse sistema (que é péssimo!). Mas, infelizmente, na sociedade RACISTA que vivemos não considero esses episódios como meras coincidências.

É relevante notar o caso uma vez que as infraestruturas de transporte estão entre as principais habilitadoras do racismo algorítmico. Segundo estudo da Igarapé, a categoria “Transporte” é o tipo de aplicação mais comum de reconhecimento facial no país. Em São Paulo, a concessionária de transportes ViaQuatro foi uma das primeiras a tentar normalizar o reconhecimento facial em locais públicos para otimização de anúncios. Do consumo rapidamente o estado de São Paulo pulou para a necropolítica: as demais linhas do metrô estão investindo cerca de 70 milhões de reais em reconhecimento facial para vigilância.

Fotografia nas mídias sociais como recurso etnográfico

[Artigo originalmente publicado no blog do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados]

A utilização de imagens para compreender aspectos e comportamentos dos indivíduos está longe de ser algo novo. Ciências sociais e pesquisa de mercado trabalham com análise de imagens e fotografias há décadas, seja no registro documental de comunidades e culturas e pelos pesquisadores; em desenhos de pesquisa com coleta documental de registros fotográficos ou expressões artísticas; ou ainda com a participação ativa das culturas estudadas, comumente com o fornecimento de câmeras para participantes motivados a oferecer seus olhares sobre um tema, lugar ou comportamento.

De especial relevância a interessados em etnografia online e em técnicas qualitativas, estão algumas metodologias baseadas na produção de imagens pelos participantes. É comum a utilização de recursos como máquinas fotográficas descartáveis para promover a participação de comunidades na construção reflexiva de conhecimentos e discursos sobre si e entorno. As fotos abaixo, respectivamente, tratam da utilização da técnica nos contextos: (a) perspetivas de crianças sobre tecnologias nos ambientes domésticos; (b) uso de fotografia e outras modalidades estéticas para jovens explorarem as cidades.

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A materialidade dos dispositivos nestes dois exemplos é um ponto muito relevante para os estudos. Uma vez que os filmes são limitados, a escolha de cada disparo tende a ser um momento de definição e expressão acentuadas pela escassez. Quando pensamos, entretanto, nas máquinas fotográficas embutidas em nossos atuais smartphones, esta escassez não existe. É possível fotografar com limites quase negligenciáveis pelos usuários comuns: um smartphone médio hoje comporta milhares de fotos.

Entretanto, o desenvolvimento de sites de redes sociais adiciona uma camada simbólica muito importante para a produção e publicação de fotografias. O que é publicidade por um usuário de Flickr ou Instagram em seus perfis passa por um processo de seleção pautado pelas expectativas de auto-apresentação dos indivíduos. Porém, enquanto o Flickr “reforçava sentimentos de pertencimento através de experiências compartilhadas através de fotografias […], formando uma percepção coletiva do mundo” (Papacharissi, 2013) através de fins sobretudo artísticos e documentais, o Instagram mudou de vez o eixo dos interesses (e direção das câmeras).

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Enquanto apresentação do cotidiano compartilhado, o Instagram torna-se uma plataforma mais vinculada à auto-expressão para fins de conquista de afeto, status e capitais sociais diversos. Visto como perfil pessoal, as pessoas selecionam as fotos no Instagram imaginando atributos e valores representativos do seu self ideal. O olhar para o próximo, o individual e o particular  se intensificam no Instagram, como demonstra o levantamento abaixo: selfies e amigos se destacam como principais tipos de fotos (HU, MANIKONDA & KAMBHAMPATI, 2014).

Deste modo, o Instagram hoje é uma fonte privilegiada para estudos etnográficos. Apesar de uma boa quantidade de perfis serem fechados (taxa menor que Facebook porém maior que Twitter), a extração de dados do Instagram é relativamente mais fácil. O resgate retroativo de publicações de determinados perfis, hashtags ou localizações é facilitado por ferramentas plenas de monitoramento de mídias sociais ou mesmo scripts dedicados e gratuitos como a Instagram Scraper do Digital Methods Initiative.

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Tipos de fotos mais comuns no Instagram

Fotos como as listadas acima, utilizadas em estudo sobre a atividade social em torno de churrasco, convidam o pesquisador a aplicar um olhar quase meta-voyeurístico dos olhares de um determinado público. Através de um bom recorte de pesquisa no Instagram é possível compreender padrões entre os tipos de imagens selecionadas. Os cliques realizados pelos usuários são pequenas janelas abertas a seus cotidianos. Objetos, pessoas, poses, gestos, marcas, atividades e lugares podem ser numerados, listados e cruzados com outras características.

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Mesmo antes da quantificação, o confronto a realidades diferentes a partir da consciência do que é enquadrado (o que sempre traz o “não-enquadrado” indiretamente). A simples listagem “em análise formal e explícita de seus conteúdos é um potente dispositivo representacional” (BECKER, 2001). O desafio, entretanto, é a lógica dominante da automatização e quantificação simples dos elementos: algo que só pode ser feito fácil, em arremedos, em texto.

Para não deixar todo este valor perdido, é importante ver o trabalho da pesquisa e monitoramento em mídias sociais não apenas como um mecanismo de controle e reporte, mas de forma estratégica ao longo da gestão da comunicação e públicos ao longo do tempo. Estudos formais e monetizados que utilizem técnicas etnográficas devem ser oferecidos em momentos estratégicos como planejamentos anuais e semestrais, para que seu valor seja agregado de forma horizontal nas organizações. Mas, do ponto de vista do analista individual, seja ele responsável por pesquisa, conteúdo, planejamento ou mídia, agregar olhares etnográficos favorece uma compreensão efetiva das culturas envolvidas e é decisivo para um bom resultado da comunicação.

BECKER, Howard. George Perec’s experiments in social description. Ethnography, Vol 2(1): 63-76, 2001.

BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; ASSIS, Neiva; Imagens da Cidade: o projeto ArteUrbe. Rev. Polis e Psique, 2015; 5(2): 123 – 14.

HU, Y.; MANIKONDA, L.; KAMBHAMPATI, S.. What We Instagram: A First Analysis of Instagram Photo Content and User Types. International AAAI Conference on Web and Social Media, North America, may. 2014. A

JORGENSON, Jane; SULLIVAN, Tracy. Accessing Children’s Perspectives Through Participatory Photo Interviews.Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, [S.l.], v. 11, n. 1, nov. 2009. ISSN 1438-5627.

Profundidade de Campus

O campus de Ondina deve ser o mais curioso dos campi da Universidade Federal da Bahia. Além de pavilhões de aulas que congregam vários cursos (que se chamam PAF – Pavilhão de Aulas da Federação, apesar de estarem em Ondina…), é lugar da Biblioteca Central, do Instituto de Letras, Biologia, Dança, Veterinária, Química e… Comunicação.

Talvez seja o lugar da que mais reúne as diferenças do “universo” (trocadilho intencional) da UFBA. Sabendo disso, professor e alunos da disciplina Iniciação à Fotografia criaram o blog Profundidade de Campus. É, como vocês podem perceber, trocadilhos é a especialidade dessa faculdade.

O blog reúne fotografias sobre Arquitetura, Tecnologia, Trabalhadores, Moda, Comida e Banheiros(!) destes lugares peculiares. Vejam algumas das fotografias selecionadas e visitem:

We Heart It

we-heart-it-tarushijioWe Heart It é uma mídia social de favoritamento (essa palavra existe?) e marcação de imagens. Criada pelo designer e desenvolvedor brasileiro Fábio Giolito, é uma espécie de “delicious para imagens”. Uma vez que o hábito se construa, pode ser muito útil. Afinal, quem nunca lamenta não lembrar onde viu aquela imagem maravilhosa, enquanto passeva por Flickrs, Tumblr e Google Images por aí?

we-heart-it

É bem fácil. No “about” do site é só arrastar um botão para sua barra do navegador – Firefox, Safari (não funciona com o IE) – e, a partir daí, clicar quando vir uma imagem interessante. Depois é só adicionar tags e voilá! A imagem é salva no site e no seu perfil.

Uma falha relativamente grande é que, mesmo sendo criada por um brasileiro, o We Heart It está disponível apenas em inglês. Quem quiser começar a usar, pode visitar meu perfil recém-criado: http://weheartit.com/user/tarushijio

Revista Lupa #5

A revista Lupa lança seu quinto número, produzido pela turma da disciplina Temas Especiais em Comunicação 2008.1. A demora foi fruto de problemas burocráticos típicos brasileiros. Mas não é isso que importa aqui, e sim a qualidade da publicação.

Pois bem. Logo na capa, a melhor até agora, em minha opinião. É uma montagem sobre foto de Jacques Wagner, atual governador da Bahia, bem jovem. No “embalo” dos 40 anos completados desde 1968, a matéria “Nada Será como Antes”, escrita por Edna Matos e Samuel Barros discute o engajamento  político da juventude e conseguiu fotos de arquivo de políticos baianos, quando jobens. Interessante e curiosíssima a pa´gina com imagens de Olívia Santana, Lídice da Mata, Geddel Vieira Lima e outros.

Um pouco depois, uma dupla sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano inspirou o infográfico mais elaborado já produzido na Lupa. Usando a estrutura do Banco Imobiliário, faz um bom panorama de problemas, soluções e interesses literalmente em jogo nessa questão.

Mais à frente, esta Lupa continua mais “séria” do que seus outros números e descobriu como escolas militares “ensinam” a história do “Dia da Revolução Democrática de 1964”.

O ensaio fotográfico da seção Impressões, por Caio Sá Telles e Mariele Góes, traz um tema que gosto: “anjos caídos”. Ainda há textos sobre arte cemiterial, rpg, convergência e mais.