Diagramação Sequencial na Revista Realidade #7

O sétimo número da Revista Realidade, lançado em outubro de 1966, trouxe uma matéria sobre o palhaço Arrelia. A equipe de arte da revista, sempre primorosa, criou uma das diagramações mais fabulosas que já vi.

Com texto de Roberto Freire e fotos de Lew Parrella, as duas primeiras duplas da matéria são as seguintes. Na primeira dupla o título “Este Homem É Um Palhaço” em fonte grande e pesada é quase uma “afronta” ao homem de meia-idade, austero e numa imagem preto-e-branca com toda a formalidade de um retrato convencional.

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Ao passar a página: “Este Palhaço É Um Homem”. Dessa vez a fotografia sangrando vai para a página esquerda e mostra um palhaço em cores vivas.

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É a atenção a um recurso que, por falta de conceituação prévia, venho chamando de diagramação sequencial. É a utilização significativa e intencional de uma característica da revista impressa – a organização em brochura com papel de qualidade – no que se refere ao poder de criar sentidos na sequencialidade obtida pelo passar das páginas.

Nesse caso o contraste entre as duas fotografias sangrantes foi primorosa. Ao passar a página, o leitor encontra outro elemento de grande destaque com o mesmo tamanho no plano das duas páginas. Os contornos são parecidos, e o conteúdo básico é o mesmo, um homem. Isto mais o fato de que a materialidade o leitor move – a página que de direita vira esquerda, de frente vira verso -, faz o reconhecimento ser instantâneo. O contraste plástico (textura e cor) e o contraste de objeto (vestimenta e gesto) são potencializados.

E o que aconteceu entre esses dois momentos? A quarta página também usa a sequência, dessa vez dentro de um mesmo plano, para mostrar como aquele homem sério se transmuta em palhaço.

As imagens foram retiradas do livro “O Design Brasileiro: Anos 60”, organizado por Chico Homem de Melo. Já escrevi sobre um dos ensaios deste livro aqui neste blog: Coleção Debates e o Design Moderno no Brasil.

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Newseum e Kiosko – Capas de Jornais

Newseum é um museu sobre o jornalismo. Existe desde 1997, e atualmente está no prédio que aparece na imagem ao lado, em Washington. A instituição alega ser o “museu mais interativo do mundo”. Para os terceiro-mundistas que só podem interagir com o site, uma seção muito interessante: Today’s Front Pages traz capas de jornais de todo o mundo. Outro site que oferece serviço semelhante é o Kiosko, com jornais dos Estados Unidos, Europa e Ásia.

Revista Muito: 20 números {parte dois: capas}

As capas da revista Muito foram muito irregulares. Sobre o primeiro número eu comentei em outra postagem sobre como traz a estilista Márcia Ganem, algo meio despropositado. Ela só aparece na revista na matéria sobre o bairro “Santo Antônio Além do Carmo”, falando sobre a compra de imóveis no local em valorização. Entre os pontos mais altos e mais baixos estão as seguintes.
No terceiro número a entrevista com Christian Cravo veio a calhar para a equipe da Muito. O auto retrato do fotógrafo encaixou-se muito bem à estrutura de informação da capa.

O quarto número da Muito foi um dos melhores até agora, qualidade que também se percebeu na capa. Sem a falta de tato do primeiro número ou a obviedade do retrato da zero e da dois, a reportagem sobre a bicicleta como alternativa de transporte não trouxe, surpreendentemente, o retrato de um cicilista vestido e paramentado a caráter. A dupla de abertura da reportagem e os infográficos utilizados também são exemplares, mas isso é tema de outra postagem.

Duas semanas depois, a pior capa. No domingo 11 de maio, dia das mães a revista Muito ficou de corpo, capa e alma um encarte publicitário. Familiazinha sorridente, rica, loura, feliz e abastada como o suposto público da revista.

Se esta não tivesse sido a única Muito dentre as vinte primeiras que não comprei no mesmo dia, teria ido reticente para a banca de revistas. O que poderia esperar quatro dias antes do dia dos namorados? Um casalzinho de classe alta feliz, louro. Ela de vestidinho, cabelo liso – ou chapado, e ele de camisa pólo. Surpreendendo as “expectativas”, a décima Muito foi a primeira a não ter um elemento humano direto (se contarmos o pé da bicicleta da quatro). Docinho aparentemente em formato de coração sobre uma embalagem (?) com as letras da palavra sad – tristeza em inglês.

A capa do oitavo número foi a primeira, e uma das poucas até agora, a se utilizar de arte gráfica. Gosto particulamente desta porque a arte da capa se desdobra na diagramação da matéria, que também utiliza do padrão de cores e das formas. A matéria “A saga de um cafona” pode ser conferida no Issuu.

O “peculiar” cantor e compositor de bossa nova, João Gilberto, foi o centro da capa #15, a mais elegante. Em preto-e-branco, a expressão -olhos semi-cerrados e o sorriso despreocupado – associada a iluminação dão uma sensação de proximidade tão presente.

Dessa vez, o miolo da revista é sobre “paternidade”, devido aos dias dos pais. Primeira capa totalmente ilustração (a capa do oitavo número é edição sobre fotografia), a reportagem do miolo também traz o mesmo tipo de arte.

Reformulação gráfica do Correio da Bahia: Correio*

(texto publicado originalmente em 27-08-08 para o blog da revista Lupa)

E o incensado novo Correio da Bahia foi lançado. Na Faculdade de Comunicação da UFBa, os comentários dos proto-jornalistas eram variações sobre “virou revista”. A qualidade gráfica, que não é nada tão excepcional em termos absolutos, incomum no jornalismo do estado foi o motivo do espanto. Mas nem toda revista é especializada e nem todo jornal é 80% texto e 20% foto p&b borrada, apesar do que faz(ia?) crer o jornalismo impresso baiano.

Seguindo o clima de renovação da reforma editorial (ver matéria de Ana Camila), o Correio da Bahia contratou a empresa de consultoria em mídia Innovation para criar o novo projeto gráfico do jornal. É tendência mundial a substituição do formatão standard por formatos menores como o tablóide ou o berliner que o jornal adotou. Logo na primeira página o maior elemento (mais de 60% da área) é uma fotografia que toma metade do espaço. Dentro desta, “Correio da Bahia” agora é apenas “Correio*”. Apenas uma palavra, e o asterisco do mesmo vermelho do “Bahia” em “O que a Bahia quer saber”, frase que acompanha o logotipo. Asterisco que remete à exclamação do Yahoo! e tantas marcas web com sinais gráficos.

A criação da redação informatizada, as incursões mais vigorosas pelo webjornalismo, e finalmente a reforma editorial e gráfica do jornal são todos decorrência da disseminação do acesso à internet no Brasil. A indústria de informação impressa se encontra em crise e, para manter-se viva acaba tanto por migrar parcialmente de mídia quanto por incorporar técnicas, estéticas e recursos característicos da internet no próprio produto impresso.

Os degradês de laranja sumiram, graças aos deuses. A arquitetura de informação está muito melhor desenvolvida. Acima das chamadas, o número da página vem, em cor vermelha, ao lado do nome da editoria. E nada da redundância de repetir que o número é de “página”. No miolo, o topo de praticamente todas as páginas é composto de pequenas notas de 60 ou 120 palavras em média. Mesmo a seção “Mais” que apresentaria material mais longo e jornalístico – no sentido rigoroso da palavra – mantem as notinhas. A exceção é a editoria “24h”, que abre o jornal com notícias mais quentes e tem uma estrutura mais livre.


A imagem acima mostra apenas duas das dez páginas que apresentam infográficos, entre as sessenta e quatro que totalizam a publicação. Apesar de uma produção longe da qualidade apresentada pela Folha de São Paulo, a equipe de André Renato Malvar, além da retrospectica de 30 anos de Correio*, também representou visualmente bem os pontos de falta de segurança dos campi da UFBa e as contratações do Esporte Clube Bahia.

Jornalismo cultural nulo (faço minhas as palavras de Ana Camila) na publicação, mas informação mais direta. A agenda de cinema apresenta as salas e horários em uma tabela bem mais prática e opta por não poluir a página com informações sobre produção, diretor e elenco pra um público que não está interessado nisso, ao menos não no jornal.

Para mais conteúdo sobre a relação entre internet e jornalismo impresso, ouça o podcast de Fernando Firmino chamado “Tablodização dos jornais diante do impacto da internet”. Firmino é jornalista, doutorando do Poscóm-UFBa e blogueiro do Jornalismo Móvel.

Clique abaixo para ver o anúncio, realizado pela Propeg, que exalta o novo Correio* e sua “diagramação dinâmica e moderna, sem precedentes na história da imprensa brasileira”.