O projeto “Racismo e Xenofobia em Portugal: a normalização dos discursos de ódio no espaço público da internet” buscou realizar análise crítica dos discursos de ódio racial produzidos e reproduzidos na internet no país lusitano. Respondendo à necessidade em criar pesquisas que partam de um corpo teórico crítico, a investigação fundamentou-se, em grande parte, numa metodologia qualitativa de análise de plataformas virtuais. Assim, monitorizou compreendeu e caracterizou as narrativas que sustentam a propagação dos discursos de ódio racial no contexto português. A linha teórica na qual a investigação se apoia, fundamenta a ideia de que o racismo não constitui um epifenómeno na história ocidental e europeia. Pelo contrário, é justamente o seu caráter estrutural que criou condições para a consolidação e banalização dos discursos abertamente racistas. Acesse o site com resultados e relatório:
“O Brasil ainda não conseguiu se livrar da mácula da discriminação racial, o que se agrava quando se vincula ao discurso de ódio. Dos mais de 12 mil crimes de ódios registrados no Brasil em 2019, quase 73% tinham motivação racial”. Com essa afirmação, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão substituta, Ana Borges, abriu o webinário sobre racismo e discurso de ódio – o evento faz parte de um ciclo no qual estão previstos mais cinco debates virtuais com especialistas.
Por outro lado, a procuradora lembrou a recente aprovação, pelo Brasil, da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. “Essa norma certamente será de grande valia para o enfrentamento do discurso de ódio vinculado ao racismo em nosso país, alimentando a esperança por dias melhores”.
Em seguida, o procurador Regional da República Walter Claudius Rothenburg, moderador do evento, exaltou a importância do uso de espaços virtuais para promover a troca de ideias entre Ministério Público e a sociedade.
Um dos convidados foi o pesquisador Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC, especialista em monitoramento de mídias sociais e métodos de pesquisa digitais. Ele teceu uma exposição sobre a relação entre racismo estrutural e discurso de ódio apresentando dados estatísticos. Citou, por exemplo, o estudo do pesquisador Luiz Valério de Paula Trindade, que identificou o perfil mais suscetível aos ataques na rede social Facebook: mulheres, negras, de classe média, com ensino superior completo e na faixa etária de 20 a 35 anos – que representam 81% de todos os ataques. “O professor Luís Valério identificou uma espécie de rancor contra mulheres negras que apesar de todas as dificuldades, conquistaram e conquistam coisas”, ressaltou.
Segundo Silva, o mais surpreendente é que essas manifestações de ódio, na maioria das vezes, são direcionadas a postagens que não apresentam nenhuma manifestação de opinião, como por exemplo exposição de viagens de férias, relacionamentos inter-raciais, exercício de posições de liderança ou conquistas profissionais. “Algo que deveria ser corriqueiro em mídias sociais”.
Outro ponto abordado foi o conceito dupla opacidade, pelo qual mostra que há uma dificuldade, na pesquisa científica e na incidência em políticas públicas, de se reconhecer o racismo e a incidência da tecnologia nesse contexto. “Se acreditamos que o racismo inexiste e que a tecnologia é neutra, fica impossível combater a intersecção dessas duas questões”, esclareceu.
Tarcízio concluiu falando sobre o papel facilitador ao crime de ódio que as plataformas digitais acabam desempenhando. Isso se dá, por exemplo, pelo uso de algoritmos que privilegiam algumas informações mais polêmicas para gerar engajamento, desconsiderando o fato de conter algum tipo de violência de ódio contra outras pessoas. Citou exemplo recente da vitória de uma organização francesa de ativistas lésbicas contra o Google, obrigando que o mecanismo de busca ajustasse o seu algoritmo de forma que a pesquisa pelo termo “lésbica” parasse de dar destaque a conteúdos pornográficos.
O debatedor Irapuã Santana do Nascimento Silva, doutor em Direito Processual pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e consultor jurídico da Educafro, abordou a questão do racismo algorítmico fornecendo alguns exemplos em que a situação ocorre, como é o caso de tecnologias de reconhecimento facial que funcionam melhor em peles claras. “No reconhecimento facial utilizado pelas polícias, por exemplo, há uma possibilidade muito maior de que ocorra algum erro em peles negras”.
Para ele, é preciso desmistificar a ideia de que existe uma neutralidade nos algoritmos. Como eles leem e interpretam um volume imenso de informações criadas por humanos, acabam reproduzindo os mesmos preconceitos existentes na sociedade. Para assistir o webinário completo, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=3BVEfP4Ta6s