[O texto a seguir faz parte de uma série que pode ser visualizada em “Pontos, Linhas e Métricas: introdução à análise estrutural de redes sociais”]
Análise estrutural de redes (sociais)
A análise de redes é baseada na análise de alguns elementos básicos, como vimos. Esta considera que informação pode ser gerada a partir da análise de como os elementos de um conjunto estão ligados entre si. Há vários precedentes da análise estrutural de redes sociais, mas a análise de redes em si – não necessariamente ligada a entes sociais – também já gerou muitas ideias e discussões. A perspectiva de pensar o mundo como uma grande “rede”, não é nova, sendo utilizada por áreas tão diferentes quanto economia, engenharia de telecomunicações ou ecologia.
Na imagem abaixo podemos ver um exemplo, citado por Mark Buchanan, autor de Nexus (2002), sobre um trabalho de análise da teia alimentar no ecossistema marítima de Benguela, na África do Sul. O autor explica que o ecologista Peter Yodzis, da Universidade de Guelph, que realizou esta análise, estimou que “uma alteração no número de focas poderia influenciar a população de merluzas, através de espécies intermediárias, de mais de 225 milhões de maneiras diferentes, por cadeiras de causa e efeito” (BUCHANAN, 2002, p.6).
Desse modo, pôde-se mostrar para a comunidade pesqueira do local que a solução imaginada para a queda da população de merluzas, abater focas (pois focas comem merluzas), não era algo tão simples. O sistema (ecossistema) é tão complexo que uma relação aparentemente simples de causa e efeito (menos focas = mais merluzas?) na verdade não era nada simples e, até, poderia piorar o problema.
A concepção e ideias sobre “sistema” são alguns dos precedentes da análise estrutural de redes. Como explicam Lemieux e Ouimet, a “análise estrutural diz respeito à forma das relações entre os atores sociais” (2004, p.11). Estes autores mostram como a análise estrutural está próxima da concepção de sistema, ao citar o trabalho de Le Moigne ao definir o que é um sistema no sentido lato:
alguma coisa (seja o que for, supostamente identificável”)
que em alguma coisa (ambiente)
para alguma coisa (finalidade ou projeto)
faz alguma coisa (atividade = funcionamento)
por meio de alguma coisa (estrutura = forma estável)
que se transforma no tempo (evolução)
Ou seja, os fenômenos que analisa através da perspectiva de rede se aproximam destas ideias de sistema por tratarem das relações entre as coisas, enfatizando estas conexões realizadas por ações, efeitos e ligações ao longo do tempo. Barabási, em Linked, também explica este relacionamento das ideias de sistemas e redes:
“A dinâmica presente em várias redes possibilita que estas possam ser consideradas sistemas complexos. Da mesma forma, a recíproca também é verdadeira: muitos sistemas complexos são estudados como se fossem redes. Entende-se sistema como parte da realidade que forma um todo organizado composto de elementos inter-relacionados e complexo como algo que possui um comportamento de difícil previsibilidade, em razão das dinâmicas organizacionais não-lineares. Desta forma, reconhecimentos nas redes de grande importância características de sistemas complexos” (2002, VII-VII).
A análise estrutural de redes sociais, então, permite ver as pessoas ou organizações e suas conexões, permitindo gerar diversos tipos de informações, como: identificar buracos estruturais; nós isolados; pessoas/organizações que servem de “ponte”; identificar como, por que caminhos e com que velocidade uma informação circula pela rede; perceber grupos de pessoas que possuem características em comum; identificar influenciadores; e muitas outras aplicações.
Como um gerente de nível hierárquico relativamente baixo consegue influenciar mais as decisões dos funcionários do que seus chefes? Que tipos de caminhos um meme percorre ao ser disseminado na blogosfera? Como prever a resolução de um conflito que dividiu uma sala de estudantes? Como um blog chegou ao Page Rank 6? Como as inovações surgem numa universidade? Quais são os tipos de público que seguem uma marca no Twitter? Estas são apenas algumas das perguntas que pesquisas utilizando análise estrutural de redes sociais conseguem responder, graças a dados relacionais.
Chamamos este projeto de “Pontos, Linhas e Métricas” porque podemos dizer que a análise estrutural de redes sociais se baseia nestes três pilares: os nós, vértices ou pontos, que sempre representam, no caso de redes sociais, pessoas ou organizações; as conexões, arestas ou linhas, que representam as relações entre estes nós; e as métricas de redes, que permitem identificar, através de parâmetros definidos, o tamanho da rede, centralidade dos nós, graus de entrada e saída etc.
E, hoje, podemos demonstrar todos estes pilares em visualizações complexas, úteis e aplicáveis para os pesquisadores. Como escrevem três dos criadores da ferramenta NodeXL, “a perspectiva de rede olha uma coleção de laços em uma população e cria medições que descrevem a localização de cada pessoa ou entidade na estrutura de todos os relacionamentos na rede” (HANSEN, SCHNEIDERMAN e SMITH, 2011, p.32). Abaixo um exemplo simples de uma rede, arbitrária, que foi criada a partir de uma lista que mantenho de perfis Twitter relacionados ao mercado de monitoramento:
É possível ver que, nesta rede em específico, claramente dois grupos separados que foram agrupados de acordo com suas conexões através de um algoritmo. A visualização e análise da rede permite identificar o motivo dos atores sociais em questão estarem agrupados (um grupo é de brasileiros e outro de perfis anglófonos), assim como perceber dois usuários (neste caso, @tatitosi e @arjones) entre os dois grupos. Ao se analisar a informação contextual, percebe-se que isto ocorre por ser de dois brasileiros mais engajados com o mercado internacional, por diversos motivos. Além da visualização, também é possível ver isto em termos quantitativos. A métrica de “centralidade de intermediaridade” (betweeness centrality, que conheceremos a fundo em breve) destes usuários é maior que a média e muito acentuada levando em conta o número de suas conexões.
Então, como dissemos, a análise estrutural de redes sociais se refere à aplicação deste tipo de análise quando falamos de pessoas e/ou grupos ou objetos que representam pessoas e/ou grupos. Estamos falando de nós e ligações, que são os principais elementos das redes sociais, mas ainda não o descrevemos. Futuramente detalharemos melhor os elementos, mas observe aqui que o foco é em um elemento (ator social, no caso), que tem conexões com outros. Em outros tipos de pesquisa, digamos surveys, por exemplo, o foco está nos atributos (por ex., gênero, local, intenção de voto) e o cruzamento entre estes dados de atributos. Já na análise estrutural, o foco está nas relações. Parte-se da análise de como os nós se conectam e relacionam para realizar a análise que, posteriormente, pode agregar dados de atributos e outros. E as conexões podem ser de diversos tipos, intensidades e direções.
Vamos retomar aqui o exemplo da rede de melhores amigos de Teobaldo, que vimos na última postagem. Primeiro, a lista dos melhores amigos feita pelo Teobaldo, dispostos aleatoriamente. Na parte de baixo, uma rede resultante de “quem conhece quem” desta lista de melhores amigos. Observe que apenas esta visualização simples já nos dá pistas de como entender as relações sociais de Teobaldo. Há alguns amigos agrupados entre si, alguns isolados e alguns que servem como ponte. Ou seja, esta simples visualização já cria alguns modos de olhar os dados que ajudarão um pesquisador – ou o próprio Teobaldo, a pensar seu contexto social. Mas, além disto, como veremos em breve, é possível calcular um amplo rol de métricas relacionadas à rede como um todo e a cada um dos nós, além de avançar a visualização com ainda mais elementos que ajudem a gerar informação e/ou enfatizar quais dados queremos destacar.
Historicamente, a análise de redes sociais esteve associada à perspectivas de pesquisa microssociológica, tanto devido à sua natureza – análise das interações entre atores sociais específicos – quanto à restrições relacionadas à coleta e processamento de dados. Seja através de questionários, entrevistas ou observação, reunir dados relacionais sempre foi uma tarefa muito difícil. E, sem as capacidades computacionais de hoje, calcular as métricas relacionadas era um trabalho hercúleo. Abaixo, um exemplo de uma rede de um estudo de Jacob Moreno, pesquisador que popularizou a sociometria na década de 1950, uma metodologia em psicologia que envolve análise de redes sociais:
Porém, com o advento e popularização das tecnologias digitais de comunicação, isto mudou. A quantidade de dados relacionais disponíveis aos pesquisadores acadêmicos e de mercado aumentou imensamente. Tanto um volume enorme de interações passou a estar disponível e armazenado para análise quanto desenvolvimentos técnicos (banco de dados e APIs) passaram a permitir o planejamento desta coleta e posterior processamento. O gráfico abaixo, por exemplo, é uma rede conversacional em torno do termo “healthcare” (assistência médica) coletada em apenas um dia no Twitter, com mais de 1141 nós e 6025 arestas.
Ainda vale a pena destacar que a análise de redes sociais, especialmente hoje em dia, tanto pode levar em conta a estrutura quanto suas dinâmicas.
“O cerne da questão é que, no passado, redes foram vista como objetos de estrutura pura, cujas propriedades são fixas no tempo.” Porém, como o autor explica, “redes reais representam populações de componentes individuais que estão fazendo algo na realidade – gerando energia, enviando dados ou até tomando decisões” (WATTS, 2003, p.11).
Por isto, é importante deixar claro aqui que, apesar de estarmos por enquanto focando aqui no termo “análise estrutural de redes sociais” vamos falar de forma ampla da relação viva entre estruturas e suas dinâmicas. Abaixo um exemplo de visualização das flutuações temporais da intensidade (medida, neste caso, por frequência de interlocução) de interações entre personagens do seriado Lost, que podem ser vistas no projeto Lostalgic.
Os pesquisadores que aplicam estes tipos de estudos na web, como Raquel Recuero, explicam muito bem esta relação entre estrutura e dinâmica. Em seu último livro, declara que “proporemos aqui alguns elementos diferenciais [em relação à perspectivas anteriores], como o estudo da dinâmica dessas redes, além de sua composição. Essa abordagem tem, assim, um forte viés empírico de estudo, com um expressivo foco na análise desses dados.” (FRAGOSO, RECUERO e AMARAL, 2011, p.115).
Então um dos objetivos que vamos perseguir aqui é mostrar como realizar estes estudos empíricos a partir das redes que podem ser coletadas, pois, como vimos, identificar e analisar redes pode gerar muitas informações sobre o que está sendo pesquisado. Nas próximas postagens, falaremos da história da análise de redes sociais, de alguns experimentos bem emblemáticos sobre as redes sociais e sobre os principais elementos envolvidos na análise estrutural de redes sociais: as próprias redes, suas arestas e nós.
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Referências Bibliográficas
BARABÁSI, Albert-László. Linked: The New Science of Networks. Cambridge (EUA): Perseus Publishing, 2002. [compre]
BUCHANAN, Mark. Nexus. São Paulo: Leopardo, 2009. [compre]
FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana.
Métodos de Pesquisa para Internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. [
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HANSEN, Derek; SHNEIDERMAN, Ben; SMITH, Marc.
Analyzing Social Media Networks with NodeXL. Burlington: Morgan Kaufamman, 2011. [
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LEMIEUX, Vincent; OUIMET; Mathieu.
Análise Estrutural de Redes Sociais. Lisboa: Instituto Piaget, 2004. [
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MORENO, Jacob. Who Shall Survive? Foundations of Sociometry, Group Psychotherapy and Sociodrama. New York: Beacon House Inc, 1978.
WATTS, Duncan J. Seis Graus de Separação: a evolução da ciência de redes em uma era conectada. São Paulo: Leopardo, 2009. [compre]