[Artigo originalmente publicado no ebook #MídiasSociais: Perspectivas, Tendências e Reflexões, em agosto de 2010.]
Em Cultura da Convergência, Jenkins cita Chris Ender, vice-presidente sênior de comunicações da CBS: “Na primeira temporada [de Survivor], havia uma atenção crescente lá dentro. Começamos a monitorar os fóruns de discussão, na verdade, como uma ajuda a nos guiar em meios às repercussões de nosso marketing. É a melhor pesquisa de marketing que se pode fazer”. É uma citação de 2002, anos antes da disseminação maciça dos sites de redes sociais e sites de compartilhamento como os conhecemos hoje. Fóruns e chats online existem há décadas permitindo que interessados em determinado assunto ou atividade, mesmo que geograficamente distantes, comuniquem-se, troquem informações e construam opiniões e tendências socialmente. A cada dia novos sites, mecanismos e práticas sociais surgem, se disseminam e se transformam.
Monitoramento: é importante?
Importantíssimo. A primeira etapa para qualquer atuação de uma empresa ou personalidade pública na internet é monitorar o que já foi escrito e produzido sobre sua marca, nome (que é uma marca, afinal de contas) e outros termos diretamente relacionados. Quanto se publicou? Quem? Através de que mídias? Quando? Estas são só as primeiras perguntas a serem feitas.
Hoje, já são quase 2 bilhões de usuários de internet no mundo que, em maior ou menor grau, interagem através da web com outras pessoas, sites, plataformas e objetos culturais. Sites de redes sociais como Facebook, Orkut, Twitter e semelhantes ganham mais e mais visibilidade, enquanto praticamente todo site agrega recursos sociais.
Gosto sempre de citar duas definições complementares destes tipos de sites. Uma delas foi redigida por duas reconhecidas pesquisadoras acadêmicas para o artigo de abertura de uma edição da revista Journal of Computer-Mediated Communication dedicada à redes sociais. Danah Boyd e Nicole Ellison[1] definiram sites de redes sociais como: “serviços de web que permitem aos usuários (1) construir um perfil público ou semipúblico dentro de um sistema conectado, (2) articular uma lista de outros usuários com os quais eles compartilham uma conexão e (3) ver e mover-se pela sua lista de conexões e pela dos outros usuários”.
A outra definição é a que Andreas Kaplan e Michael Haenlein[2] fazem de mídias sociais na revista Business Horizons. Segundo eles, “as Mídias Sociais fazem parte de um grupo de aplicações para Internet construídas com base nos fundamentos ideológicos e tecnológicos da Web 2.0, e que permitem a criação e troca de Conteúdo Gerado pelo Usuário.”
Entre uma definição e outra, dois focos podem ser percebidos: nas conexões e no conteúdo. Qualquer pessoa com determinadas condições sócio-econômicas e técnicas pode acessar e produzir conteúdo de forma relativamente livre e conectar-se a pessoas e artefatos culturais de diferentes lugares e culturas através de múltiplas plataformas. Com a disseminação do uso e o aumento das horas médias de acesso, a experiência da comunicação online deixa de ser algo delimitado e estranho ao cotidiano.
Isso leva a que mais e mais práticas sociais relacionem-se e apresentem-se no ambiente online. E, com isso, opiniões, experiências e expectativas de todo o tipo, seja em relação às outras pessoas, a produtos ou à política também são expressadas na internet, de forma pública. Se as organizações entendem o potencial disso, ganha a organização e ganha o cidadão.
O avanço do Monitoramento
No ambiente rigorosamente acadêmico, pouco tem sido escrito sobre a atenção comercial a este fenômeno. Preocupações relacionadas à privacidade e segurança já estão presentes em alguns trabalhos, especialmente questionando como organizações como Facebook e Google utilizam as informações postadas pelos seus usuários. Um exemplo brasileiro é o trabalho da pesquisadora Fernanda Bruno[3]. Em 2008, David Beer[4], em resposta ao artigo – já referência para os que pesquisam sites de redes sociais – de Danah Boyd e Nicole Ellison, chamava a atenção para que também devemos nos perguntar sobre “os modos pelos quais a informação é retirada dos sistemas para informar sobre os usuários ou, em resumo, como os sites de redes sociais podem ser entendidos como arquivos do cotidiano que representam uma vasta e rica fonte de dados transacionais sobre uma vasta população de usuários”.
Nos últimos anos, na medida em que o serviço de monitoramento de mídias sociais, como é mais comumente chamado, disseminou-se, a discussão em torno deste assunto floresceu no âmbito das agências de publicidade de todo tipo, fornecedoras de software, consultores, escolas, pesquisadores e profissionais. Entre alguns exemplos de produção mais sistematizada, podemos destacar: Profiling Machines: Mapping the Personal Information Economy[5]; Social Media Monitoring and Analysis: Generating Consumer Insights from Online Conversation[6]; Radically Transparent: Monitoring and Managing Reputations Online[7]; Social Media Listening, Measuring and Engagement Primer[8];
Assim como este último white paper citado, alguns artigos consistem na análise comparativa de softwares, por exemplo, o artigo Monitoring Social Media: Tools, Characteristics and Implications[9].
No Brasil, agências digitais passaram a oferecer o serviço de monitoramento, e algumas foram criadas com esse negócio como central. Em outros casos, foram criados braços de agências ou institutos de pesquisa e análise de mercado dedicados à atividade. Desde 2008, cerca de uma dúzia de agências, em geral de médio porte, começaram a produzir, publicar e apresentar conteúdo para educar o mercado sobre suas possibilidades, ainda que de forma não coordenada. A crescente demanda pelo serviço também estabeleceu o contexto pro lançamento de softwares nacionais.
Desde o início de 2010, com o debate em torno destas eleições de legislação novamente renovado, temas relacionados às mídias sociais e o monitoramento das conversações entraram em pauta. De portais de âmbito nacional aos blogs mais segmentados, vez ou outra se fala repetidamente da corrida pelo maior número de tweets positivos, por exemplo.
Monitoramento, a rigor, significa apenas a ação de monitorar algo em determinado ambiente. Esse é um dos motivos pelos quais o desenvolvimento deste serviço segue várias linhas diferentes. Porém, melhor do que propor um termo unificador, pode ser mais interessante fomentar a discussão e levantamento de possibilidades, recursos e objetivos sendo alcançados pelo monitoramento.
Níveis e Recursos Principais do Monitoramento de Marcas e Conversações
No contexto de minha agência, defino Monitoramento de Marcas e Conversações como a coleta, armazenamento, classificação, categorização, adição de informações e análise de menções online públicas a determinado(s) termo(s) previamente definido(s) e seus emissores, com os objetivos de: (a) identificar e analisar reações, sentimentos e desejos relativos a produtos, entidades e campanhas; (b) conhecer melhor os públicos pertinentes; e (c) realizar ações reativas e pró-ativas para alcançar os objetivos da organização ou pessoa de forma ética e sustentável.
O monitoramento pode ser oferecido e posto em prática através de diferentes metodologias, utilizando diversos recursos, para múltiplos objetivos de empresas de portes variados. Segue aqui o exercício de criação de uma lista dos principais recursos.
Coleta e Armazenamento. A primeira fase, a mais simples, pode receber o nome “monitoramento” por si só. Monitorar menções a uma marca em uma mídia em específico pode ser tão fácil quanto adicionar um endereço de feed num agregador ou adicionar termos em um buscador. Mas apenas coleta e armazenamento não bastam, por isso foram desenvolvidos softwares especializados, com recursos de adição e cruzamento de informações mais afinados.
Dimensões de Tempo. A primeira dimensão a se cruzar é a de Tempo. Identificar crescimentos, quedas ou estabilidade do volume de menções, em tabelas organizadas e/ou gráficos intuitivos já permite observar as conversações de uma nova ótica.
Atribuição de Sentimento. Muitas vezes também chamada de polaridade, valência ou outros termos semelhantes, a Atribuição de Sentimento é a fase na qual as menções coletadas podem ser classificadas na escala simples de Negativo, Neutro ou Positivo ou escalas mais complexas, com graus mais numerosos. Sistemas de polarização automática tem sido ofertados, mas, mesmo que a precisão fosse perfeita, o trabalho do analista é indispensável nas outras etapas.
Frequência, Associação de Palavras e Clustering. A freqüência de determinados termos nos conteúdos coletados, a associação de palavras próximas aos termos-chave e a aplicação de técnicas como clustering permitem observar que palavras e conceitos giram em torno dos termos pesquisados.
Categorização por Temática e Tipo de Emissor. A adição de pequenos pedaços de informação às menções, geralmente através de categorias ou tags, permite organizar as menções de acordo com as demandas de informação do analista. Por exemplo, um nível comum de categorização para monitoramentos de político é o “Âmbito”, que possuirá categorias/tags como Transporte, Cultura, Saúde etc. O nível mais comum de categorização é o “Tipo de Emissor” que permite identificar se o emissor do conteúdo é Institucional, Imprensa, Cliente, Usuário Comum etc. Aqui o trabalho de planejamento do processo de monitoramento se mostra especialmente crucial: depois de uma leitura prévia, deve-se criar as categorias e níveis de categorias para que o trabalho de monitoramento permaneça consistente e coerente com o passar do tempo.
Correlação com Eventos Exógenos. A identificação de mudanças nos outros níveis (como volume, associação de palavras e polaridade) a eventos exógenos como campanhas, declarações e atuação da concorrência pode permitir analisar o impacto destes eventos no ambiente online. O principal desafio aqui é coordenar oferta e demanda de informação, com os setores de marketing, vendas, relações públicas e logística da empresa e com as agências de propaganda e comunicação que também a atendem, por exemplo.
Identificação de Emissores Principais, Detratores e Defensores. Através da identificação manual ou automatizada de menções repetidas por um mesmo usuário, através de uma mesma mídia ou de várias, é possível identificar três tipos de usuários que devem ser analisados de perto na análise da conversação em torno de uma marca. Emissores Principais são aqueles que, simplesmente, por um motivo ou por outro, mencionam a marca muitas vezes. Detratores e Defensores são aqueles altamente inclinados para um dos pólos do sentimento de marca. Todos devem ser especialmente atendidos, seja para resolução de problemas, seja para fomentar a advocacia.
Gestão de Relacionamento Customizado com o Cliente. O chamado CRM (Custom Relationship-Management) não é nada novo, mas a aplicação sistematizada por empresas costuma ainda ser rara. Também o é, talvez ainda mais acentuadamente, no ambiente online. Porém, algumas ferramentas de monitoramento já oferecem – ou podem ser apropriadas para tal – recursos de CRM. É possível, através de diversos métodos, atribuir cada menção passível de “resolução” (como uma queixa, problema, elogio, sugestão) a um membro da equipe de comunicação. Posteriormente, sistematizar ações, medições e relatos pode trazer benefícios para a empresa ou equipe no que tange ao relacionamento com os consumidores.
Produtos de Informação Competitiva. Relatórios aprofundados, análises pontuais ou alertas são alguns dos produtos de informação competitiva que podem ser redigidos pelos analistas. É preciso entregar diferenciadamente as informações relevantes apresentadas em formato usável e pertinente aos diferentes setores, diretores ou profissionais da organização.
Transformar informação em ação e resultados: é esse o ponto para o qual devem convergir todas as etapas do monitoramento de marcas e conversações. Os analistas, agências e empresas que desejam sucesso nessa empreitada não podem esquecer disso. Análise de mercado, desenvolvimento de produtos, relacionamento com o consumidor e mensuração de campanhas, por exemplo, são alguns dos resultados possíveis.
Para onde vai o Monitoramento
Organizações, mercado publicitário, grandes empresas de internet, pesquisa acadêmica, imprensa e usuários “comuns”: são apenas alguns dos grupos envolvidos na criação do presente e do futuro. Dizer para onde se direcionará o serviço de monitoramento de marcas e conversações é uma tarefa praticamente impossível, mas dois fatores devem ser observados de perto.
Uma primeira questão é a crescente consciência dos usuários em geral sobre a permanência e indexabilidade dos seus rastros digitais. Mesmo que o próprio conceito de privacidade esteja mudando, como alguns defendem (e concordo), essa consciência sobre a visibilidade das informações pode, de um lado, gerar mais cautela das pessoas e, por isso, declarações menos espontâneas e, por outro lado, mais ações mobilizadas e coordenadas de demandas e colaborações voltadas às empresas, marcas e produtos preferidos ou odiados.
Outra é a interação entre os grandes players do mercado da comunicação digital. Algumas empresas como Google e Facebook possuem domínios que reúnem muito do conteúdo online e possuem capacidade financeira e tecnológica para produzirem e disponibilizarem seus próprios softwares de monitoramento. Já se especula, por exemplo, a criação pelo Google de um software gratuito, integrado a seus serviços e potencialmente melhor do que qualquer software disponível no mercado. As conseqüências disso neste ainda debutante mercado seriam profundas e poderiam abalar as estruturas hierárquicas entre grandes e pequenas empresas, agências e profissionais no que tange o acesso à informação.
Mas nada do que foi dito aqui contraria a necessidade de se debater o assunto em seus vários níveis, como o nível técnico de desenvolvimento do serviço e softwares, o nível comunicacional de compreensão aprofundada de análise e o nível ético de aplicação desses processos de uma forma que os vários grupos sociais envolvidos se beneficiem.
[1] BOYD, Danah; ELLISON, N. B. Social network sites: definition, history, and scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, 13 (1), article 11, 2007. Disponível em: http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html
[2] Andreas M. Kaplan, Michael Haenlein, Users of the world, unite! The challenges and opportunities of Social Media, Business Horizons, Volume 53, Issue 1, January-February 2010, Pages 59-68. Disponível em http://www.sciencedirect.com/science/article/B6W45-4XFF2S0-1/2/600db1bd6e0c9903c744aaf34b0b12e1
[4] BEER, David. Social network(ing) sites…revisiting the story so far: A response to danah boyd & Nicole Ellison. Journal of Computer-Mediated Communication, 13 (2), article 8, 2008. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/119414153/abstract
[5] ELMER, Greg. Profiling Machines: Mapping the Personal Information Economy. The Mit Press, 2004.
[6] Social Media Monitoring and Analysis: Generating Consumer Insights from Online Conversation. Aberdeen Group. www.aberdeen.com
[7] BEAL, Andy; STRAUSS, Judy. Radically Transparent: Monitoring and Managing Reputations Online. Wiley Publishing, 2008.
[8] Social Media Listening, Measuring and Engagement Primer. Ebook da Radian6. Disponível em www.radian6.com
[9] LAINE, Mikko; FRUWIRTH, Christian. Monitoring Social Media: Tools, Characteristics and Implications. In: TYRVÄINEN, P. ; JANSEN, S.; CUSUMANO, M.A. (Eds.): Lecture Notes in Business Information Processing, 2010, Volume 51, Part 2, Part 7, 193-198. Disponível em: http://www.springerlink.com/content/l3363q237821v632
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