El misterioso hombre de negro, Krazy Kat e Umberto Eco (Macanudo)

No livro Apocalípticos e Integrados (1964), no capítulo O Mundo de Minduim, Umberto Eco aponta para dois caminhos de genialidade individual nos quadrinhos. Sobre o primeiro caminho ele fala de Jules Feiffer e sua capacidade de se reportar aos tipos exemplificadores dos males da sociedade industrial.No segundo, ele fala de Krazy Kat, de George Herriman. Para quem não conhece, esta tirinha publicada na primeira metade do século XX é famosa pela inventividade do autor, que explorava uma mesma situação básica – um rato utilizando um tijolo como projétil contra um gato, que acha a tijolada um ato de amor.

Para Eco, essa tirinha “embora narre um fato que se conclui no fim de quatro vinhetas, não funciona tomada isoladamente, mas só adquire todo o seu sabor na sequência contínua e teimosa que se desenrola, nas tiras que se seguem umas após outras, dia após dia”. (p. 284)

Seria uma condição de poesia a “obstinação lírica” do autor. “Reproduzia-se, numa certa medida, o mito de Xerazade: a concubina tomada pelo Sultão para o gozo de uma noite, após o que seria eliminada, começava a narrar uma estória, e o sultão, esquecida a mulher pela estória, descobria, afinal, um outro mundo de valores e prazeres”. (p.285)

Nas tirinhas de Macanudo dedicadas ao El misterioso hombre de negro identifico estratégia semelhante. Eu diria que estas tirinhas não buscam exatamente o riso. Depois de ler três ou quatro delas, se descobre qual o verdadeiro deleite na sua apreciação. Alguns elementos são recorrentes, a graça está em apreciar o virtuosismo do autor em apresentar a mesma situação com forma diferente.

A tirinha é constituída pelos mais variados e clássicos signos de mistério. O personagem principal tem capa cinzenta que recobre todo o corpo, cartola preta e rosto enigmático. O texto da tirinha é sempre uma locução: linguagem testemunhal, parece que o enunciador da tirinha está a nos contar uma lenda urbana. A natureza macanudense também contribui para criar a atmosfera de mistério: frequentemente pássaros negros interagem com o personagem, além das árvores desfolhadas.

Cosas que, a lo mejor, se pasaron a Picasso (Macanudo)


Essas tirinhas fazem parte de Macanudo, de Liniers. Como o nome já indica diretamente, tratam do famoso pintor espanhol Pablo Picasso, de coisas que podem ter lhe acontecido. Elas têm algumas peculiaridades narrativas e pláticas, que tentarei, sem o perdão do trocadilho, pincelar aqui.

Os requadros, o formato e a disposição dos quadros são característicos. São mais espessos que o habitual, preenchidos de cor, além de serem dispostos com certa distância um dos outros. Logo se percebe a estratégia: são alusões a molduras.

A total compreensão das piadas requer que o leitor possua algum conhecimento de história da arte. Em alguns casos se refere a informações literalmente textuais, como o encontro com Breton e Dalí, noutras é iconográfica, como a aparência de Andy Warhol ou quando ele se vê no espelho de um jeito bem particular. São estas os exemplares mais interessantes. De Mondrian a Guernica, ou sua própria assinatura.

Malvados

Uma tirinha com dois personagens: uma flor chamada Malvadinho e outra chamada Malvado. Logo de cara, a ironia dá o tom da coisa. Sarcasmo, humor negro e piadas mais que politicamente incorretas pipocam (ou florescem?) nessa tirinha, de André Dahmer.

O desenho é bem tosco mesmo. Algumas linhas em preto, branco e cinza e boas idéias fizeram o sucesso inicial. Nas primeiras tiras, os Malvados eram por demais assentados no texto. Mas aos poucos foi ficando mais inventivo. Mesmo a falta de braços dos personagens é motivo de piada em uma tira. Depois de algum tempo, sob a mesma rubrica Os Malvados, André Dahmer criou novos personagens e séries.

Emir Saad é um tirano de algum país distante, provavelmente oriental. Aqui as tirinhas são rudimentarmente coloridas. O ditador é sádico, adora tortura. Mas é explicado: tem pinto pequeno.

Como também não poderia deixar de ser em uma tirinha de humor ácido, também há as piadas com o próprio autor. Passou de piadas do tipo “quadrinista mal-pago e incompreendido” para piadas sexuais com clichês de psicoanálise.

Ziniguistão é uma terra de ninguém. Guerras étnicas e religiosas são o alvo da vez. Em parte das tirinha, uma estratégia interessante. No topo, em caixa alta, texto objetivo, como se fosse uma manchete: “ZINIGUISTÃO, 1994. FANÁTICOS MANTÊM CEM CRIANCINHAS SOB A MIRA DE ARMAS.” Em baixo a piada infame: “Não gosto de violência, mas vou dar um tiro em quem jogar outra bolinha de papel.”

Uma série recente particularmente interessante é Apostólos, A Série. Jesus e seus seguidores são hippies em busca de boa vida (leia-se erva barata).