A divertida imagem abaixo, compartilhada pela página D1v4s no Facebook, merece uma postagem aqui no blog por dois motivos essenciais.
O primeiro é que essa mulher é maravilhosa, sempre merece aparecer onde quer que seja.
E o segundo motivo é que esta divisão entre comportamentos esperados nas mídias sociais tem muito a dizer sobre como devemos entender as pessoas nas diferentes plataformas. A noção de papel social é ponto-chave para situar como as pessoas interagem em diferentes ambientes, sejam eles presenciais ou online.
Grande parte da pesquisa acadêmica sobre mídias sociais, não por acaso, baseia-se em referenciais teóricos de microssociologia sobretudo em torno do conceito de auto-apresentação. Em uma das frases mais interessantes sobre mídias sociais, Sunder declarou que “profiles pages are pages where one can type oneself into being“. A “existência online” de uma pessoa geralmente começa de forma ativa quando digita campos de informação na criação de algum perfil em mídia social (lembrem que blog é mídia social, hein) e vai se transformando ao longo do tempo.
E estas transformações e edições ao longo do tempo são baseadas em uma constante auto-avaliação do que as pessoas acreditam que as outras estão achando de seus “eus”. Mente quem diz que não importa o que os outros pensam. Mesmo o ato de querer “chocar a sociedade” (em nichos como punk, por exemplo), parte de um referencial de normalidade e de uma desejada produção de efeito. O sociológo Erving Goffman (1922-1982), que publicou como A Representação do Eu na Vida Cotidiana e Comportamento em Lugares Públicos, procurou entender como a interação social acontece sobretudo através da criação do conceito de gerenciamento de impressões. Goffman
comparou interação social com a performance teatral ou uma “linha” de atos auto-expressivos verbais e não-verbais que são gerenciados para manter uma linha de conduta apropriada para a situação atual. Esse gerenciamento do self requer um repertório de recursos de manutenção de aparência, uma consciência das interpretações realizadas pelos outros, um desejo de manter aprovação social e uma vontade de usar esse repertório de táticas de gerenciamento de impressões (SNYDER, 1974, p.1).
Parece familiar, não parece? Este processo de gerenciamento da apresentação de si é algo constante na experiência social humana. Apesar de usar o léxico do teatro para falar do comportamento interacional, o foco de Goffman não é a noção de interpretação como “falsidade”. Eu ajo de um modo na frente de meus pais, ajo de outro modo na frente de meus colegas, ajo de outro modo na frente de meus alunos… Não significa que eu esteja mentindo nestas situações. Significa que o comportamento (modos de falar, temáticas, gestualidade, vestuário, emoções…) é sempre situado socialmente em cada contexto.
Imagens como a que abre este post são fruto de uma espécie de sociologia vernacular: mesmo sem conceitos ou sistematização, as variações comportamentais do público são percebidas por alguns indivíduos e o reconhecimento destes padrões, pelo público, gera a repercussão esperada. Facebook, Twitter, LinkedIn, Tumblr, Whatsapp, Instagram e Snapchat são plataformas de comunicação com milhões de usuários. O comportamento-padrão aparente em cada um deles é um substrato de suas funcionalidades, intensidade de uso, tipos e variação do público e relação com as outras mídias sociais.
Gosto muito de um conceito da José van Dijck ao falar das mídias sociais. Como estão em constante influência mútua, formam um ecossistema de mídia conectiva:
a system that nourishes and, in turn, is nourished by social and cultural norms that simultaneously evolve in our everyday world. Each microsystem is sensitive to changes in other parts of the ecosystem: if Facebook changes its interface settings, Google reacts by tweaking its artillery of platforms; if participation in Wikipedia should wane, Google’s algorithmic remedies could work wonders. It is important to map convolutions in this first formative stage of connective media’s growth because it may teach us about current and future distribution of powers.
Ou seja, comportamentos e possibilidades no Twitter influenciam o Facebook e vice-versa. Mas não somente em termos de negócio e interface, mas também as práticas performadas: para alguns públicos, por exemplo, o Twitter também é importante por não ser o Facebook. Algumas variáveis relacionadas aos papéis sociais devem ser observadas, então, ao se pensar as mídias sociais:
Diferenças Percebidas pelo Público
Como mencionei acima, para alguns públicos existe diferenças explícitas entre as “populações” de cada plataforma. Em estudo sobre a expressão “no outro site”, por exemplo, permitiu identificar alguns padrões sobre as indiretas que os tuiteiros mandam para o Facebook.
Mais do que piadas, representam um senso de comunidade baseado na alteridade: o que é feito no Facebook, para estes usuários, é o diferente, o inadequado, o errado. As particularidades demográficas e sociográficas de cada ambiente podem gerar variações de conteúdo e práticas que são percebidas por parte da comunidade mais atenta a estas oscilações.
Proposta Temática / Redes de Nicho
Aqui temos a variável mais óbvia ao pensarmos a análise de públicos nas mídias sociais. Afinal de contas, um site como LinkedIn é voltado tematicamente e em toda sua interface a relações profissionais. O direcionamento do modelo de cada plataforma prescreve determinados comportamentos. Mas, é claro, podem mudar ao longo do tempo, como foi observado no MySpace (como as tentativas transição para plataforma musical) ou no Orkut (abandonado por usuários anglófilos depois da invasão brasileira), muitas vezes por pressão dos usuários.
Intensidade Informacional de Apresentação e Ancoragem na “identidade de RG”
A percepção do Facebook como plataforma central para a maior parte dos internautas, atualmente, está ligada a seu sucesso de negócio e automatização de algoritmos para segmentação de público, conteúdo e anúncios. Além da circulação do conteúdo em fluxo (posts, likes, fotos etc), a intensidade informacional na criação e manutenção dos perfis é elevada. Nome, grau de instrução, escola, idade, familiares, amigos, profissão, local de trabalho, localização… o número de informações adicionáveis a um perfil é imensa. Isto sem falar das centenas e milhares preferências culturais e políticas obtidas através dos likes.
E tudo isto em uma plataforma utilizada por mais que 1,4 bilhões de pessoas. Assim, a auto-apresentação de um indivíduo no Facebook tende a dois pontos, que geralmente convergem: ser a média mais neutra dos variados papéis sociais que exerce em sua vida; e ser uma auto-apresentação condizente com a expectativa média da sociedade como um todo. E os recentes casos do Facebook exigindo que os usuários usem nomes completos só reforça este posicionamento.
Por outro lado, algumas plataformas possuem sua força na simplicidade. É o caso do Twitter, no qual o perfil “estático” é composto de uma bio de 160 caracteres, um nome, um @username e localização. Recentemente, para fins de negócio, a mídia social tem sofrido para incentivar que seus usuários adicionem data de nascimento.
Multiplicidade de Papéis x Papéis Específicos
O papel social sempre pressupõe um público esperado e imaginado pelo indivíduo. A noção de público esperado, então, está diretamente ligada à amplitude de papéis desempenhados. No exemplo de um adolescente experimentando suas liberdades de afetos e opiniões, sua presença no Facebook hoje pressupõe uma possível vigilância de pais e familiares, ativos naquela rede.
Por outro lado, o Snapchat é a plataforma utilizada quase exclusivamente por jovens. É mais fácil para este público controlar, então, suas expressões para um referencial menos amplo de expectativas. Além disso, seu modelo de interação incorpora a efemeridade como valor: imagens e vídeos somem depois de curto tempo, capturas de tela são notificadas e alguns conteúdos só podem ser vistos uma única vez.
Muitas crises nas mídias sociais tratam-se da inadequação de uma mensagem ao público. Um dos famosos cases brasileiros de crise de reputação individual foi o tweet de um então diretor da Locaweb durante jogo do São Paulo, patrocinado pela empresa. Infelizmente, a experiência de torcida ainda é frequentemente arcaica, baseada em violência, homofobia e agressividade. Uma frase como a do tweet ao lado é comum em uma mesa de bar, em um círculo social pequeno. Mas, no Twitter, a declaração foi exibida para dois públicos relevantes e não esperados pelo emissor: os torcedores do São Paulo ofendidos pelo “xingamento”; e pessoas que se incomodaram com a referência homofóbica.
Faixa Etária
Uma das variáveis mais importantes é a generacional. Alguns tipos de atitudes e interesses são comuns entre adolescentes e jovens adultos, mas podem ser vistas como inadequadas em outros momentos da vida. Já toquei neste ponto nos itens acima, mas é importante lembrar que a faixa etária é também um atalho para outros atributos.
Por exemplo, os motivadores dos indivíduos que usam mídias sociais podem ser vários: família, afeto, sucesso profissional, estabilidade financeira, senso de realização etc. Estes motivadores variam ao longo do tempo e promovem, no atual ecossistema da mídia conectiva, diferentes hierarquias de valor entre os papéis sociais. Em um momento da vida, o usuário pode ter como prioridade utilizar o Instagram para ser visto como sujeito de desejo afetivo-sexual. Em outro, as táticas para tal podem conflitar com a construção de uma reputação profissional, a depender de sua área de atuação.
Classe Econômica / Profissional
A classe econômica ou profissional, especialmente por possuírem correlações entre si, influenciam a representação dos indivíduos nas mídias sociais. Algumas profissões, como jornalistas e publicitários, requerem um conhecimento da comunicação que tanto promovem um maior uso de modo geral de algumas plataformas quanto podem criar consciência crítica para evitar certos comportamentos.
Alguns temas podem ser evitados em algumas posições hierárquicas. Profissionais de venda, diretores de empresa e afins, no Brasil atual, podem evitar das suas opiniões sobre política por acreditarem que o acirramento das emoções podem prejudicá-los financeiramente, por exemplo. Advogados podem ter uma maior noção de direitos e deveres do consumidor ao publicar no ReclameAqui. Todas estas são variáveis que devem ser levadas em conta pelo pesquisador ao analisar diferentes públicos.
Conteúdo em Páginas ou Intersticial / Rastreabilidade / Facilidade de Compartilhamento
O Whatsapp, citado comumente naquelas imagens como uma “mídia social”, é, a rigor,um mensageiro instantâneo mais próximo conceitualmente do MSN Messenger do que do Facebook ou Twitter. Não existe uma página intersticial entre as conversas dos usuários que possa ser visitada por terceiros. A interação social acontece entre os usuários em díades ou grupos de conversas.
Isto está diretamente relacionado a rastreabilidade das informações trocadas. O público esperado em um grupo de Whatsapp é mais controlável do que em um grande grupo público de Facebook, estando quase apenas sujeito à contratos de confiança estabelecidos entre os usuários interagentes.
Capacidade de Gerenciar o Público / Papel Social
A possibilidade de separar cada círculo social foi uma das bases do Google+ que, infelizmente, nunca deslanchou. A ideia de criar círculos na plataforma tem força visual e metafórica. Os círculos sociais seriam gerenciados para permitir o manejo de muitos papéis sociais em um mesmo ambiente.
O Facebook desenvolveu esta capacidade através das listas. Por padrão, há listas em graus de abertura: Público, Amigos, Conhecidos Restritos etc. O usuário mais dedicado pode gerar listas customizadas para direcionar as mensagens de forma bem granular. Porém, requer um esforço cognitivo e de tempo que na maioria das vezes, “não vale a pena”. É mais fácil
Todos estes fatores listados acima são relevantes para uma boa interpretação de dados qualitativos e análise de conteúdo nas mídias sociais. Devem ser aplicados na formulação de perguntas úteis para estes estudos e para construção de personas. Plataformas, mídias, interfaces, públicos, comportamentos, eventos e tendências estão em constante e complexa relação nos dados sociais digitais. Olhar para os indivíduos com a consciência da importância dos papéis sociais é ponto básico para um pesquisador.