Macanudo é o nome do mundo das tirinhas criadas pelo artista argentino Liniers. Publicadas no jornal La Nacion, as tirinhas também são disponibilizadas em www.autoliniers.blogspot.com. Quando pus os olhos na primeira tira, foi paixão à primeira vista. Aos poucos, descobri dois diferenciais em relação a outras tiras de que gosto, como Piled Higher and Deeper, Garfield, Dilbert e Mafalda.
O primeiro é a quantidade e peculiaridade de seus personagens. A mais comum é Enriqueta, uma menina que, na companhia de seu urso de pelúcia Madariaga e de um gato de sugestivo nome Fellini, percorre as delícias da infância, liberdade e literatura. Las Verdaderas Aventuras de Liniers é semi auto-biográfico, sobre um coelho antropomórfico quadrinista. Em Lorenzo y Teresita acontecem as pequenas situações cômicas de todo casal. Cosas que, a lo mejor, le pasaron a Picasso traz o pintor espanhol como protagonista brinca com arte e artistas afetados. Algo em torno de duas dúzias de núcleos de personagens ou séries, como Gente que anda por ahí, tiras que giram em torno de peculiaridades humanas. Outro curiosíssimo é o El Misterioso Hombre de Negro. Uma figura enigmática. Misteriosa.
O segundo, e mais fascinante, é a liberdade criativa que Liniers se permite. Além do desenho encantador, o autor sabe do potencial que há naqueles poucos centímetros. Para cada grupo de personagem ou série o autor usa recursos diferentes. Por exemplo, em El Hombre Misterioso de Negro, o requadro é comumente usado como parte do significado. Ocultando algum elemento, geralmente o personagem, o recurso é associado com o “mistério’, que vinha literalmente escrito nas primeiras tiras, e pôde ser dispensado nas seguintes. Em outras ocasiões, o requadro é enfatizado, como na tira de Picasso, que parece estar dentro de molduras. Noutras, o requadro some, mas a disposição dos elementos quase que indica um “requadro invisível”. Nas tiras dos duendes e das ovelhas costuma ser usada a quebra da repetição de certos elementos. A forma, textura ou cor de algum dos elementos em relação aos demais, acompanhado ou não de linguagem escrita, é o essencial dessas tiras. Esses são só alguns dos recursos mais óbvios que o quadrinista usa para não se curvar à comodidade da palavra. A riqueza da tira é enorme, e merece ser alvo de uma reflexão profunda e fundamentada. Talvez eu o faça, mas ainda preciso de muita bagagem para ganhar o visto de entrada.