[O texto abaixo é uma reprodução da matéria publicada no A Tarde pela jornalista Mariana Gomes, referente à audiência pública realizada na Assembleia Legislativa da Bahia, incorporada no texto.]
Nesta terça-feira, 9, a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (ALBA) realizou uma audiência pública sobre a manifestação do racismo nos dispositivos de reconhecimento facial. O debate sobre racismo algorítmico foi proposto pela Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, presidida atualmente pelo deputado Jacó Lula da Silva (PT), após pedido da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia (SECTI).
De acordo com Tarcízio Silva, pesquisador do tema na Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), o racismo é impulsionado por mecanismos tecnológicos em países moldados pela escravização e pela violência policial. “O racismo algorítmico é visto em mídias sociais sempre com o objetivo de enxugar pessoal, aumentar o lucro nas empresas e automatização do trabalho, mas a manifestação mais violenta hoje é o reconhecimento facial para a segurança pública e no espaço público em geral”, explica Silva.
O coordenador do Centro de Referência Étnico-racial da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), Major Thiago Garcez, em representação da Major Denice Santiago e do secretário de Segurança Pública Ricardo Mandarino, indica o investimento em formação técnica para as forças de segurança diante da aplicação da inteligência artificial. “A SSP tem papel fundamental na atividade. Nesse sentido deixo a sugestão para o secretário de um alinhamento para capacitação dos policiais militares, civis e bombeiros e todos os servidores”.
Segundo a SSP, no início deste mês, a Bahia registrou 221 presos por roubo após o uso do reconhecimento facial desde o início das operações. Em Salvador, as câmeras de reconhecimento facial fazem parte dos investimentos no Turismo, a partir de verbas do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur).
Para a defensora pública Juliane Andrade, o uso de câmeras com leitura facial esbarra ainda na seletividade do sistema de Justiça. “As investigações e as perícias são mais céleres para pessoas brancas, mas no dia a dia da Defensoria, quando vemos as mortes nos bairros mais humildes, a qualidade do processo penal acontece de forma diferente para pessoas negras”, exemplifica.
“O algoritmo de reconhecimento facial é mais complexo do que uma receita de bolo, pois ele depende de entradas de dados como imagens e vídeos e precisa das nossas informações para gerar resultados”, explica a cientista da computação Ana Carolina da Hora. A pesquisadora lembra ainda que hoje no Brasil não há nenhuma legislação voltada para a regulação do reconhecimento facial.
A partir dos relatos de violência promovida por essa ferramenta, Marcos Casaes, graduando em Engenharia Civil da Universidade Católica de Salvador propõe o banimento desta tecnologia na segurança pública. “As identificações nas delegacias por alvos e álbuns de fotos se assemelham com o reconhecimento facial no viés violento para a população negra. Precisamos saber quem são os fornecedores, quais os critérios utilizados, pois ainda é uma caixa preta”, relata Casaes.
“Máquinas são desenvolvidas por e para pessoas, mas há um grande abismo entre as pessoas que desenvolvem e as pessoas que são impactadas, marcada pela seletividade racial”, explica Jade Christinne, da Iniciativa Negra.