A ideia pela busca da “padronização” de métricas para a comunicação realizada nas mídias sociais é constante e discutida intensamente já há quase 10 anos. Porém, até hoje não existem consensos relevante sobre como reportar resultados obtidos nas mídias sociais. As perguntas são várias: Seguir métricas tradicionais como GRP e AVE? Abraçar as métricas fornecidas por cada plataforma? Utilizar índices propostos por ferramentas? Focar apenas em resultados financeiros? E como?
Mais do que dar uma resposta aqui, quero mostrar como as mídias sociais trouxeram mais questões através da disrupção das relações entre os atores tradicionais do mercado da audiência. As relações entre Clientes, Organizações de Mídia, Agências, Institutos de Mensuração e Consumidores muda de forma talvez irreversível desde a disseminação dos recursos da web 2.0.
Estes atores do mercado da audiência são descritos de forma excelente por Philip Napoli em seu livro “Audience Economics – Media Institutions and the Marketplace”. A relação construída entre estas instituições permitiu à comunicação de massa tornar-se um dos principais pilares da maioria das sociedades contemporâneas.
De modo geral, sua relação tradicional é bem simples, quase intuitiva para profissionais de comunicação. Em primeiro lugar temos Organizações de Mídia que vendem a audiência, ou atenção, de consumidores. Jornais impressos, revistas, canais de televisão oferecem produtos de informação e entretenimento que captam a atenção de consumidores. E o produto de informação/entretenimento é oferecido de graça ou vendido a preço módico para estes Consumidores, que serão a moeda de troca entre as Organizações de Mídia, Agências e Anunciantes. Estes precisam da atenção dos Consumidores. Para chegar a eles, se relacionam com Agências para produzir conteúdo publicitário com potencial de chamar atenção na mesma medida do entretenimento e informação do restante dos produtos das Organizações de Mídia. Por fim, as Empresas de Mensuração auditam quais canais, programas e seções dos produtos das Organizações de Mídia mais são vistos, circulam, têm tiragens impressas ou são ouvidos.
Nunca foi tão simples quanto o parágrafo anterior leva a crer. Mas alguns consensos sobre referenciais de mensuração foram construídos ao longo das décadas do século XX. Não é à toa que “ibope” virou metonímia. Mas a internet, comunicação digital e mídias sociais implodiram todas as certezas. Especialmente, realizaram a disrupção das relações entre as instituições do mercado da audiência. Os papéis de cada um deles foram postos em cheque, graças à oportunidades e desafios que foram construídos nos últimos 20 anos.
1. Organizações de Mídia. Em primeiro lugar, as organizações de mídia receberam mais concorrência e complexidade. A maioria dos conglomerados de comunicação fortes em cada país ou região menosprezaram a internet durante bom tempo, dando abertura à players que trabalharam com a lógica “tradicional” da audiência (como Portais) e/ou criaram novos modelos de negócio baseados em melhorias da identificação de comportamento (Google e suas buscas) ou segmentação (como Facebook). Através de recursos de web analytics ou a possibilidade de estabelecer regras (mutáveis) em novos ambientes sem padronizações, estas organizações de mídia prescindem em grande parte de empresas de mensuração. Algumas lançam seus recursos de self-service ads pra contornar as práticas das agências que diminuem suas receitas (como BV). Por outro lado, na relação com consumidores, estes últimos passam a exigir também seus shares, como os chamados probloggers e vloggers.
2. Anunciantes. No caso das empresas, a complexidade da escolha e gerenciamento das mídias demandou uma maior especialização dos fornecedores e, especialmente, uma necessidade por atenção mais relevante aos consumidores e tendências do mercado. De um lado, passaram a exigir mais. De outro, algumas passaram a internalizar alguns tipos de serviços para responder com rapidez ao mercado não só em termos de produto, mas também de marcas. Laboratórios internos de comunicação são frequentes hoje em grandes organizações. A mensuração de resultados entre praças diferentes passa a ser o padrão, levando os gerentes de marketing a se aproximarem cada vez mais da inteligência e mensuração da comunicação.
3. Agências. A disrupção das relações entre os atores do mercado da audiência foi analisada a fundo sobretudo pelas agências. De modo real (ou canastrão), os conceitos de “inovação” passaram a ser o tom de grande parte dos grupos de agência. Para tanto, precisaram responder à demandas das empresas oferecendo tanto mensuração (e os vários cargos de business intelligence por aí comprovam) quanto pesquisa de forma interna. Não é à toa que o mercado de monitoramento de mídias sociais, nas agências de publicidade e R&P, evoluiu em grande parte à revelia do mercado de pesquisa, no qual faria mais sentido inicialmente. Desse modo, as agências passaram a abarcar papéis de outros atores do mercado da audiência.
4 – Empresas de Mensuração. Especialmente no que tange à mensuração, a revolução da comunicação digital – bits, números por definição – democratizou diversos tipos de atividades e possibilidades de coleta de informação. Até os perfis pessoais, nas mídias sociais, possuem seus índices de popularidade – recurso psicossocial para motivar uso -, levando os consumidores comuns a terem maior consciência de seus impactos. Neste contexto, as empresas e agências passaram a realizar as aferições por si mesmas em ambientes que ganham mais e mais espaço e receita publicitária. As empresas de mensuração trataram de lançar novas tecnologias, incluindo softwares de web analytics e monitoramento de mídias sociais, para atender a esta demanda e manter mercado.
5 – Consumidores. Por fim, os consumidores tornaram-se não só os provedores do dinheiro através de seu consumo, mas também de grande parte dos próprios materiais convergentes de atenção. As mídias sociais são espaços de produção colaborativa, de conteúdo amador, conteúdo fortuito ou até involuntário de alguns usuários. O tal prosumer do Alvin Toffler percebeu que gera receita e passou a exigir através de blogs profissionais, canais de vídeo amador etc. E até o consumidor “comum” sabe do impacto de seus comentários negativos nas páginas Facebook e o faz conscientemente para atingir os números das empresas.
Resumindo, tudo isto converge para a resposta da pergunta do título. Por que ainda não existem padronizações das métricas em mídias sociais? Porque não só as plataformas são complexas e diferentes entre si, com sobreposições de estilos e interfaces, mas também os papéis de cada ator do modelo clássico do mercado da audiência não são mais os mesmos. Os consensos do mercado de audiência tradicional, azeitados durante décadas, não serão desenvolvidos em todos os níveis do novo mercado da audiência. Levar em conta todos estes fatores (e muitos outros) é essencial para se pensar a avaliação e mensuração da comunicação hoje.
As padronizações não devem ser buscadas, portanto, em métricas ou índices específicos. Pelo simples motivo de que os consensos de um ambiente midiático do passado não são mais possíveis devido à complexidade da comunicação digital. As padronizações devem, na verdade, ser buscadas em termos de procedimentos da avaliação e mensuração da comunicação, se aproximando do rigor científico da pesquisa e contextualizados caso a caso.
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