Fake News. Velha prática, novo nome: o papel das mídias sociais

“Fake News” foi eleita a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Macquarie e em 2017 pela “Sociedade Americana do Dialeto” (The American Dislect Society”). A abundância informacional e aparente aceleração de mudanças comportamentais tem gerado novos termos tais como fake news, pós-verdade, selfie e afins. Na maioria dos casos estes novos termos trazem uma nova popularidade a práticas que já existiam como literalmente notícias falsas ou as barrigadas no jornalismo.

Eu, particularmente, não gosto de neologismos. Fake News sempre existiram seja por incompetência jornalística seja por projetos organizados. Há casos emblemáticos que se tornaram livros e são estudados e ensinados por nós em faculdades e disciplinas de análise do discurso. O impacto de notícias falsas sempre foi relevante pois a cobertura incompetente ou má intencionada costuma ser em manchetes  e destaques, enquanto as correções e erratas são notas de rodapé. Porém, historicamente, sabemos que alguns grupos sociais, como a esquerda ou minorias políticas e identitárias são alvos mais frequentes de fake news.

Mas será que as pessoas acreditam em fake News? Em levantamento recente realizado pelo INCT, brasileiros foram consultados sobre “fake News”. Será que os brasileiros acham que acreditam em fake News? Quase 70% acredita que não caem em fake news.

Além disto, a desconfiança depende do emissor e veículo. Os brasileiros confiam em notícias compartilhadas por amigos e familiares, o que sua viza a desconfiança com plataformas de redes sociais. Se é um amigo ou familiar compartilhando na própria mídia social, esta desconfiança diminui. Então fake news é um conceito performativo. A perseguição contra as chamadas “fake news” pode ajudar a criar ou intensificar novas relações de poder que podem, não paradoxalmente, ter malefícios na circulação de informações, sobretudo políticas.

Nos EUA podemos ver partidários do Trump chamando toda e qualquer notícia crítica ao político como “fake news”? Quem define o que é verdade e quem define o que é falso? No Brasil, o grupo que mais declara receber fake news, na pesquisa do INCT Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, são os auto-declarados no extremo ideológico da direita.

 

Então trata-se de batalhas discursivas que tem a ver com poder. E queria trazer aqui uma definição de poder a partir do Latour. Ao falar das redes, o sociólogo usou a ideia de “ponto obrigatório de passagem”. Nos desenhos das redes e seus fluxos, poder é tornar-se na rede um ponto, um nó no qual todos precisam passar para agir. Monopólio sobre um tipo de força – hoje, trata-se da audiência, do tempo das pessoas.

De fato, estamos falando do poder de controlar boa parte da audiência, mídia e rastros de atividades humanas. Mas, para além disso, empresas como Facebook tem investido em outras áreas como tecnologias materiais, drones, satélites, realidade aumentada e infraestrutura de acesso. E as forças das interfaces entre tecnologia e comunicação estão concentradas sobretudo no chamado GAFA = sigla para dar conta de Google, Apple, Facebook e Amazon. Juntas, tem valor de mercado superior ao nosso PIB. Mas este poder é produzido sobretudo pela análise e aplicação da ciência.

A interpretação da realidade social mudou de locus. Os grandes levantamentos de dados sociais e demográficos nas últimas décadas são frutos de instituições do estado e universidades. O Censo, na maioria dos países, é o exemplo mais claro. Levanta dados de milhões de domicílios, mas a cada 5 ou 10 anos. Entretanto, velhas e novas corporações são cada vez mais intensamente calcadas em levantamento e cruzamento de bases de dados sobre seus clientes e usuários. Hoje, em certa medida, empresas como Facebook, Google, Amazon, Twitter, Uber e afins podem realizar alguns tipos de análises que deixam universidades de ponta a ver navios. Publicamos no blog do IBPAD uma lista de 10 coisas impressionantes que somente o Facebook consegue estudar sobre a sociedade.

Mas esta abundância de dados festejada por muitos como um novo momento da sociedade ou mesmo de ciências, como ideias de “viradas computacionais” escondem um aprofundamento do gap entre o que a sociedade civil, universidades ou mesmo estados conseguem fazer em relação a grandes corporações como Facebook e Google.

Assim como temos opacidade nos algoritmos que regem as plataformas digitais, também temos opacidade em como os dados que nós geramos são usados. Foram raros e assustadores alguns artigos publicados por cientistas do Facebook.

Nas eleições de 2012, o Facebook realizou experimento mostrando para parte dos americanos um banner sobre o dia das eleições. Para outra parte de usuários, mostrou o mesmo banner marcando quais amigos já foram votar. A estimativa de votos gerados pelo uso desse reforço social foi de 280 mil votos. Ou seja, uma pequena mudança na interface do Facebook fez 280 mil pessoas saírem de casa pra votar, por pressão dos amigos. Mas pressão mediada e escolhida pelo Facebook.

Dois anos depois, Facebook o publicou artigo sobre um experimento psicológico em massa. Modificou o algoritmo de exibição de notícias de 700 mil pessoas e para parte dessas pessoas, ofereceu publicações mais positivas, alto astral. Para outra parte, publicações negativas, sobre tragédias e afins. A partir daí provou que a exposição a mensagens positivas tem um impacto psicológico, pois as pessoas publicam mais coisas positivas. E vice-versa. Ou seja, brincou com as emoções de centenas de milhares de pessoas. Não preciso nem falar o quanto isto é problemático.

Desse modo, escândalos como Cambridge Analytica são úteis para gerar mais noção e consciência sobre os problemas mas, a rigor, a Cambridge Analytica foi um bode expiatório. O grande problema foi a microssegmentação que a Cambridge realizou, a rigor baseada em recursos do próprio Facebook.

A idealização de mídias sociais como mecanismos persuasivos por si só não é nova e utilizou como experimento aplicativos  jogos sociais dentro das plataformas. Em 2008 esteve muito em voga a captologia, que é a disciplina focada em gerar tecnologias de persuasão. Em alguns casos, para persuasão positiva na área de saúde, por exemplo, mas em outros focadas em mercado e política. O B J Fogg, pesquisador de Stanford, propôs em 2008 o conceito de “persuasão interpessoal de massa”.

Pela primeira vez, segundo B J Fogg, alguns sistemas reuniam estas seis características. Experiência Persuasiva, Estrutura Automatizada, Distribuição Social, Ciclo Rápido, Grafo Social Imenso e Impacto Mensurável. Alguns casos de sucesso mercadológico foram empresas como a Zynga que rapidamente alcançou centenas de milhões de usuários e permitiram empresas como o Facebook aprenderem bastante sobre mecanismos de persuasão com gamificação.

Então estudar os modos pelos quais as interfaces são construídas e editadas para fins específicos é essencial.

E aí temos um ponto cego nas pesquisas em comunicação. Este ponto cego são as plataformas de auto serviço publicitário em Facebook e Google anúncios. Falamos muito de algoritmos, mas esquecemos com frequência de suas aplicações na área de anúncios microssegmentados. Em parte me parece que isso acontece porque pesquisadores de comunicação não tem dinheiro, então experimentos que envolvem investimento deste tipo ficam de fora dos escopos.

Só que nestas eleições, a legislação eleitoral cedeu ao lobby de Facebook e de Google. E seus dois modelos de anúncio são os únicos aprovados para campanha eleitoral na internet. Entretanto, o modelo de leilão destas plataformas permite não só que grandes partidos dominem o ambiente com mensagens criadas para “viralizar” (em detrimento de qualidade de propostas e debate) como permite que outros atores interfiram de forma indireta

As soluções possíveis não são fáceis e passam por reconhecer pelo menos 5 grandes necessidades: a) Plataformas de mídias sociais devem ser vistas como construídas também por seus milhões de usuários – trabalho imaterial gratuito; b) Plataformas de mídias sociais são empresas de comunicação, não de “tecnologia” – reguladas por interesse público). c) “Auditoria” algorítmica e crítica da economia política das plataformas. d) Papel social do jornalismo abraçado pela sociedade. e) Promoção de alternativas midiáticas abertas (plataformas open source de blogs plataformas).