[Post originalmente publicado em maio de 2010 no coletivo extinto Realidade Sintética, a convite do pesquisador Thiago Falcão.]
A relação entre sistemas, desenvolvedores, empresas e usuários que se desenrola em torno de aplicativos sociais é algo complexo e fascinante. Desde a observação do BuddyPoke, no lançamento da plataforma de aplicativos sociais no Orkut, a característica dos jogos sociais que mais me fascinou foi a construção destes aplicativos como um processo de consideração e direcionamento de dinâmicas sociais para atingir objetivos comerciais dos desenvolvedores.
Mais do que pensar nos aplicativos sociais em geral, e nos jogos sociais em particular, como sistemas que oferecem conteúdos, ferramentas e interações para os usuários dos sites de redes sociais selecionarem para consumo, é mais interessante – e talvez mais adequado – pensar nestes aplicativos sociais como produtos da relação entre dinâmicas sociais e estruturas técnicas dos sites de redes sociais.
A própria terminologia é ruim, mas os chamados jogos sociais ou social games são bastante conhecidos (Farmville, Mafia Wars, Colheita Feliz) e também pouco definidos. Do ponto de vista dos objetivos comerciais envolvidos na maioria desses jogos, podemos citar a proposição de BJ Fogg, pesquisador de Stanford criador do termo captologia, que poderiam ser um exemplo das emergentes tecnologias de Mass Interpersonal Persuasion [1] – Persuasão Interpessoal de Massa.
Seis elementos estariam envolvidos no processo de Persuasão Interpessoal de Massa: Experiência Persuasiva; Estrutura Automatizada; Distribuição Social; Ciclo Rápido; Grafo Social Gigante; Impacto Mensurável. Na introdução deste artigo, Fogg mostra como estava empolgado com a abertura da API do Facebook para desenvolvedores. Afinal, as conexões de milhões de pessoas dariam uma escala massiva a práticas persuasivas interpessoais, possibilitadas pela tecnologia do Facebook, criando uma nova forma de persuasão.
Entre esses elementos, gostaria de destacar a relação entre Distribuição Social e Estrutura Automatizada. Os jogos sociais no Facebook são distribuídos socialmente: um usuário da rede descobre o jogo principalmente através das atualizações dos amigos ou do recebimento de convites. A Estrutura Automatizada, segundo Fogg, deve ser enfatizada nesse caso através de dois pontos: em primeiro lugar, o software pode oferecer as experiências persuasivas a qualquer momento; em segundo lugar, pode diminuir o esforço necessário para um ator humano utilizar o sistema para compartilhar a experiência com outros.
A possibilidade de adoção e uso continuado de um jogo social envolve, devido à estrutura dos aplicativos sociais e as expectativas compartilhadas do que deve ser a experiência em sites como o Facebook, interações sociais através do jogo. Os usuários de jogos sociais esperam competir, colaborar e trocar experiências diversas. Por isso, a adoção de determinado jogo social tem como um de seus fatores a existência e quantidade de outros jogadores na rede de conexões do novo usuário. Alguns recursos que, aparentemente, emergiram e tornaram-se comuns nos jogos sociais mais recentes, são uma espécie de emulação da figura dos outros jogadores.
Por exemplo, a figura do NPC. Em jogos mais antigos, como o Farmville, por exemplo, quando um usuário passa a jogar, pode interagir apenas com perfis de outros usuários que já adicionaram o jogo. Mas jogos como Petville e Safari Kingdom, por exemplo, incluem um NPC que serve a alguns propósitos: apresentar alguns mecanismos do jogo; constituir-se de um elemento-chave do mundo do jogo (o “professor” em Safari Kingdom, por exemplo); ou simplesmente permitir a realização de ações que são possíveis com outros jogadores reais (especialmente no caso de PetVille). Mas esse NPC, tem sido usado representado, em certos aspectos, na estrutura do jogo como um outro jogador humano também seria representado.
Outro recurso é a utilização de dados pessoais dos perfis conectados ao jogador como elemento de envolvimento. De modo geral, os jogos sociais, interpelam o jogador a convidar seus amigos, geralmente utilizando das imagens de avatar. Mas um recurso talvez mais avançado é a utilização dessas imagens ou de outras informações nos elementos do jogo. Cafe World, por exemplo, permite que a experiência de simulação de restaurante seja enriquecida com a utilização dos nomes e avatares dos perfis conectados para os garçons e frequentadores do Café que o jogador constrói e gerencia.
Os jogos sociais precisam de um nível considerável de comprometimento de seus usuários para alcançar sucesso. São os atores das redes sociais que, além de serem os clientes em sentido estrito – quem compram bens virtuais e consomem ações promocionais -, divulgam o jogo em sua rede social. Através da publicação de updates na wall dos amigos, do envio de convites e presentes para novos jogadores em potencial e a interação através de diversas facetas com jogadores. Os exemplares mais recentes de jogos sociais enfrentam o desafio de fazer rodar o “círculo virtuoso” de uso: o jogador utiliza o jogo que seus amigos utilizam e interage com estes, o que faz com que o jogo seja conhecido por suas conexões e assim por diante.
Os computadores e softwares persuasivos já foram observados por B J Fogg a partir de uma tríade funcional: ferramenta, mídia e ator social [2]. Talvez não seja exagero dizer que plataformas de aplicativos sociais como a do Facebook, através do acesso aos dados relativos aos usuários e suas conexões, possa alargar o papel dos softwares como atores sociais. Adicionar a imagem de avatar de um amigo com o qual tenho conexão no Facebook a um personagem do jogo, mesmo que ele não tenha interferência ou sequer consciência desta ação, pode gerar uma relação diferente do jogador com o jogo. A percepção do uso do jogo como um processo interacional ou mesmo social talvez seja expandida através destes recursos. A considerável disseminação da utilização destes recursos mostra que, pelo menos, deve ter um impacto na adoção, uso ou compartilhamento.
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[1] FOGG, B.J. Mass Interpersonal Persuasion: An early view of a new phenomenon”. In: Proc. Third International Conference on Persuasive Technology, Persuasive 2008. Berlin: Springer.
[2] FOGG, B.J. Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do. San Francisco (EUA): Morgan Kaufmann Publishers, 2003.
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