Em Georges Perec’s experimental fieldwork; Perecquian fieldwork, publicado em dezembro de 2016 na revista Social & Cultural Geography, o pesquisador Richard Phillips da University of Sheffield aborda a pesquisa de campo experimental a partir das propostas do escritor Georges Perec. Para Phillips, “Perec antecipa e informa temas chave em pesquisa de campo contemporânea – uso do lúdico, atenção ao ordinário e escrita como prática de pesquisa – e a abordagem ensaística que apoia cada uma destas”.
O autor cita diversos modos experimentais de pesquisa nos quais se propõem aos leitores realizar trabalhos de campo, como How to be an Explorer of the world e The lonely planet guide to experimental travel; e trabalhos relacionados a geografia com proposições de observação urbana relacionados a modos de selecionar e agrupar atividades, objetos e lugares.
Propõe que as abordagens mais sistemáticas são fruto das perspectivas que se baseiam no Situacionismo e, portanto, vai comparar a perspectiva situacionista com a abordagem de Perec, defendendo que a aplicação mais estruturada de leituras do autor pode ser ainda mais útil. Phillips defende no artigo que o trabalho de Perec, apesar do próprio tratar de alguns de seus livros como “sociológicos” seria eminentemente geográficos. Na França dos anos 60 e 70, evidentemente, a sociologia estava mais em voga, daí a aproximação mais clara. Porém, tanto o Tentativa de Esgotamento de um Local Parisiense como o próprio Species of Spaces além de conceitualmente estar mais próximos da geografia, também trazem a questão do espaço no título.
Phillips sugere que Perec antecipou três tendências no trabalho de campo experimental: o lúdico; a exploração de locais ordinários; e a escrita como prática de campo.
Quanto ao trabalho de campo lúdico, em contraposição ao trabalho de campo ortodoxo e mecanicista, a aproximação ao lúdico e ao jogo trouxeram frescor à exploração urbana. Apesar das regras e restrições impostas pela literatura experimental de Perec, sobretudo relacionadas aos projetos como OuLiPo, eram regras e restrições fluídas. Estão presentes o uso criativo de listas, índices, referências acadêmicas fictícias e propostas implícitas de replicação de experimentos.
Sobre a exploração de locais ordinários, livros como o Tentativa… se destacam do ponto de vista da observação e descrição de um cotidiano ordinário, mas o próprio livro Vida: Modo de Usar também aplica, para produzir ficção, recursos similares. Ao descrever cada ambiente de um prédio, assim como suas histórias, em um quebra-cabeça narrativo, Perec aproxima o projeto do narrador a ideia de levantamento ou censo, incluindo desta vez as relações entre as unidades habitacionais. Os exercícios de descrição do ordinário pro’curam gerar reencantamento do já conhecido, de modo similar à proposta de Merleau-Ponty citada pelo autor ‘the act of describing the world undoes its familiarity to produce wonderment”
E ver a escrita como prática de pesquisa de campo, para Perec, passa por pensar minuciosamente e criativamente como a própria documentação e escrita será realizada. As notas de pesquisa e descrições – sejam narrativas, ensaísticas ou ‘densas – podem ser pensadas como “flat” (em “writing flatly”), que seria descrever o observado sem adicionar julgamento, camadas simbólicas ou evocações sociais, teóricas ou históricas. Entretanto, esta tentativa é aprioristicamente fadada ao fracasso parcial, pois uma escrita totalmente “factual, simple, descritive, unvarnished, empirical” é impossível de ser alcançada. A tentativa, porém, é um exercício de exploração da pesquisa. O autor propõe que
writing is fundamental to another feldwork practice: the identifcation of individual observations with classes of things and actions through categories and classes, categorisation and classifcation. Perec used lists and inventories to explore the taxonomies that are commonly deployed in the experience and interpretation of the everyday
Na conclusão o autor revisita o impacto de Georges Perec em métodos etnográficos, observação de massa e técnicas de pesquisa de mercado. A tradição “perecquiana” de pesquisa, impulsionada pelo resgate e reapropriação de suas obras, poderá nos levar para prosseguirmos experimentalmente, tentativamente, ensaisticamente.
Referências
PHILLIPS, Richard. Georges Perec’s experimental fieldwork; Perecquian fieldwork. Social & Cultural Geography, p. 1-21, 2016.
PEREC, Georges. A vida modo de usar. Editora Companhia das Letras, 1989.
PEREC, Georges. Tentativa de Esgotamento de um Local Parisiense. São Paulo: Editorial Gustavo Gili, 2016.
SMITH, Keri. How to be an explorer of the world: portable life museum. Penguin, 2008.
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