A História da Arte, de Ernst Hans Gombrich (parte 3)

Continuando com o percurso sobre A História da Arte, chegamos aos capítulos 6 a 10.

6. Uma Bifurcação de Caminhos – Roma e Império Bizantino, séculos V a XIII

monreale_-_mosaici_del_duomoQuando a Igreja passou da posição de perseguida à autoridade no Império de Constantino, o modo de tomar a arte religiosa cristã mudou. As primeiras igrejas foram construídas em grandes salões compridos e estreitos chamados de ‘basilicas’.

As igrejas e santuários cristãos não podiam, por restrições da religião, apresentar estátuas e imagens para serem louvadas. Entretanto, no sexto século, o Papepa Gregório empreendeu mudanças neste aspecto, lembrando que a maioria dos cristãos não poderia ler ou escrever. Então, para ‘ensiná-los” sobre a religião, as imagens poderiam ser utilizadas didaticamente.

Gombrich explica que isto foi de imensa importância para a história da arte, porque permitiu que a produção de pinturas avançasse através dos temas religiosos, que se provaram ser centrais durante séculos neste tipo de arte.

O capítulo é fechado com a imagem do mosaico da catedral de Moreale, produzida em torno de 1190 na Sicília, que comprime uma narrativa que, segundo o autor “parecem ser símbolos perfeitos da verdade divina”.

7. Olhando para o oriente – Islã, China, séculox II a XII

Columns in the Court of the Lion, Alhambra, Granada, SpainOutra vez a religião cumpre o papel principal nos caminhos que a arte toma. A arte islâmica também condenava, de forma mais rígida no início, a representação de seres humanos. Devido a essa restrição, os artistas islâmicos se dedicaram a padrões e formas. Gombrich mostra a Corte de Lions, em Alhambra, na Espanha, como um grande exemplo dessa arte. Também cita, é claro, os tapetes persas que se transformaram em produto de luxo no ocidente até hoje.

Em relação à arte chinesa, Gombrich chama a atenção que davam à sinuosidade das formas, também na escultura. A influência do budismo na arte chinesa toma destaque. A arte religiosa da China, segundo Gombrich, se dedicava mais a ser um apoio às práticas de meditação do que a doutrinar sobre as lendas e mestres, como foi o caso da arte ocidental.

Essa particularidade se refletiu, além dos motivos utilizados, no próprio modo de ensino da arte. Os artistas chineses dessa época aprendiam primeiro a pintar cada tipo de objeto e elemento da natureza a partir das obras dos mestres para, só depois, contemplar a natureza diretamente e criar suas próprias obras a partir daí. Mas nestas pinturas não se buscava a referência exata a paisagens naturais, mas sim  motivos simples da natureza executados com maestria.

8. Arte Ocidental na Caldeira – Europa, séculos VI a XI

Depois da queda do império romano, a “Idade das Trevas” se refere ao período, aproximadamente, dos anos 500 a 1000 no qual os povos da  Europa viveram em migrações e guerras sem “conhecimento” a guiá-los.

A arte européia desse período também se caracterizou pelo conflito. Neste caso, ao invés de uma arte uniforme, esta se caracterizou por grande número de estilos diferentes. Os chamados povos bárbaros do norte da Europa certamente não tomavam a arte como os romanos, mas isso não significou que produziam uma arte inferior. Gombrich escreve sobre a habilidade destes em trabalhar o metal e madeira. Os vikings, por exemplo, produziam esculturas imbricadas de monstros e pássaros com fins mágicos.

adam and eve after the fallAo contrário da arte contemporânea, a arte deste período não valorizava a originalidade, e sim a precisão em produzir obras sob determinado estilo. Gombrich atenta para este fato e dá como exemplo a igreja construída sob ordens de Carlos Magno em Aachen por votla do ano 803, feita pra ser uma cópia de outra igreja construída 300 anos antes em Ravenna.

“Os ergípcios pintaram o que eles sabiam existir, os Gregos os que eles viam; na Idade Média, o artista aprendeu a expressar o que sentia“. Nesta frase , Gombrich resume o que acredita que foi a maior constribuição deste período. Se, por um lado, a arte é aparentemente menos desenvolvida – infantil, alguns diriam, os elementos das composições buscaram uma expressividade maior, como a representação  de Adão e Eva em bronze nas portas da Catedral de Hildesheim.

9. A Igreja Militante – século XII

Gloucester_candlestickErnst Hans Gombrich começa este capítulo escrevendo sbore a importância da igreja como construção física nas cidades européias do século XII. Na maioria dos casos, era a única construção de pedra. A única construção que poderia ser vista a distância. Para os camponeses e guerreiros recém-convertidos, a grandiosidade das igrejas deveria condizer com a ideia de que seriam basilares da luta contra as trevas, até o fim dos tempos. Parte da técnica desenvolviada na arte romana, entretanto, foi perdida durante a “idade das trevas”. Este período foi, então, campo de diversas experimentações. Um método que Gombrich destaca é o uso de grandes arcos para dar a impressão de gradiosidade, mas com o intervalo entre estes preenchidos de material mais leve.

Neste capítulo é mostrado o Castiçal de Gloucester. O objeto de bronze representa dezenas de criaturas entre demônios, homens e anjos. Entre a base do castiçal e o topo, simbolicamente e, de fato, mais iluminado (pela luz da vela), as ameaçadas das trevas do inferno são representadas através das criaturas e das inscrições. É um ótimo exemplo de como a função e forma foram trabalhados para enfatizar um ao outro.

Ainda neste capítulo, Gombrich continua a escrever sobre os pontos fortes de uma arte que estava buscando modos de expressar sentimentos como o sobrenatural, mas sem objetivar representações supostamente naturais.  A imagem produzida para um calendário conta a história dos martírios de santos ocorridos no mês de outubro em uma intricada obra que usa de elementos geométricos para evidenciar relações e narrar ações.

10. A Igreja Triunfante – século XIII

no-44-the-seven-virtues-faith-giotto-di-bondoneDurante a primeira metade deste capítulo, Gombrich se debruça sobre arquitetura. Especialmente as transformações técnicas e estéticas que começavam a formar a arquitetura Gótica. Nesta parte, quem não é suficientemente versado em arquitetura, como eu, relembra que o texto deste livro é primoroso e consegue explicar elementos artísticos até a quem não está habituado com os termos.

Algumas páginas são dedicadas a Giotto di Bondone, pintor florentino que viveu, aproximadamente, de 1267 a 1337. Segundo Gombrich, Giotto inaugurou uma nova fase na história da arte, na qual esta passa a ser a “história dos grandes artistas”. No caso de Giotto, por exemplo, a maestria como no uso da ilusão de profundidade na representação Fides (parte do afresco ao lado) e no desenvolvimento de uma gestualidade mais expressiva o fizeram adquirir fama e notoriedade ainda em seu tempo.

+ Leia a primeira parte da resenha de A História da Arte
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Em breve, os próximos capítulos.

A História da Arte, de Ernst Hans Gombrich (parte 2)

historia da arte ernst hans gombrichContinuando a série de posts sobre A História da Arte, de Ernst Hans Gombrich, veremos os cinco primeiros capítulos do livro. Relembrando que estes posts são apenas um percurso de passagem e superficial sobre alguns pontos do livro, que merece ser lido com cuidado.

1. Estranhos Começos – Povos pré-históricos e primitivos; América Antiga

Neste primeiro capítulo, Gombrich escreve sobre a arte “primitiva”. Para tanto, lembra que arte no sentido da arte dos museus, criada apenas para fins de contemplação não era o que ocorria nos primórdios da arte. Os objetos artísticos criados pelos povos primitivos eram produzidos com objetivos específicos.

Na maioria dos casos tinham funções ritualísticas e religiosas. Para dissipar um possível preconceito do leitor, Gombrich usa um bom exemplo: “suponha que pegamos uma foto de nossos esportista no jornal – nós gostaríamos de pegar uma agulha e furar seus olhos? Seria a mesma coisa de furar qualquer outro lugar do papel?”. De fato, não. A representação das coisas ainda exerce um poder sobre qualquer pessoa.

oro

Oro, Deus da Guerra - Taití, século XVIII

Portanto, as figuras de animais sob machados e outros tipos de armas nas paredes de cavernas eram um tipo de  . Assim como usamos aspas no início do texto, Gombrich também achou necessário definir que não entende “primitivo” como algo anterior em uma escala evolutiva. Estes povos utilizaram as técnicas artísticas que acharam necessárias, simples ou não, como provam alguns dos trabalhos elaboradíssimos que usa como exemplo.

Entre as obras mais “simples”, eu destaco o Deus da Guerra Oro, do Taití, do século dezoito. Nas palavras do autor: “A wooden pole to which he has given a simple face looks to him totally transformed. He takes the impression it makes as a token of its magical power”. A aparente simplicidade desse objeto, na verdade, é resultante do poder expressivo através do qual formas simples representam expressões faciais.

No fim do capítulo, depois de mostrar exemplos de arte em totens dos índios americanos, esculturas maias e aztecas e máscaras do Alasca, Gombrich diz que podemos perceber que a produção de imagens nessas primeiras civilizações não era apenas conectada com magia e religião, mas também uma primeira forma de “escrita”. Uma “simples” escultura ou totem continha em si toda uma narrativa.

2. Arte para a Eternidade – Egito, Mespotâmia, Creta

A arte egípcia influenciou os gregos que influenciaram toda a a arte ocidental desde então. As pirâmides eram literais montanhas de pedras para guardar o corpo dos grandes reis do Egito Antigo. Esta arte tinha uma função definida e prática: preservar o corpo e imagem. Esse é um dos motivos para a regularidade da representação dos objetos e seres, que tinha de trazer a ocorrência mais reconhecível de cada elemento.

o jardim de nebamunO Jardim de Nebamin, por exemplo, traz árvores vistas de lado, peixes e patos de perfil sobre um lago “visto” de cima. A mesma mecânica era aplicada aos corpos humanos, numa representação que podemos perceber inocentemente como distorcida. Entretanto, “não se pode supor que os artistas egípcios achavam que os seres humanos eram daquele jeito. Eles simplesmente seguiram regas que permitiram-nos incluir tudo que consideravam importante na forma humana”.

Estas regras e o senso de ordem da arte egípcia fizeram com que permanecesse relativamente imutável por séculos, com a exceção de alguns períodos nos quais outras instâncias da cultura também eram repudiadas. Gombrich dá o exemplo do império de Amenophis IV, que acreditava em um único deus, Aten. Para incutir a crença na divindade, o estilo também foi modificado, trazendo novos ícones e modos de representação mais condizentes com os valores de Amenophis IV.

Este capítulo ainda traz arte cretense e mesopotâmica. As narrativas representadas nas paredes dos monumentos eram relatos de campanhas de guerra, no que Gombrich chamou de “propaganda”: os combatentes em posição de derrota e dor são apenas os das tribos rivais.

3. O Grande Despertar – Grécia, VII a V século a.c.

Para a arte grega desse período, o capítulo se inicia com uma análise da arquitetura, de formas mais modestas e orgânicas, “criadas por homens para homens”, ao contrário das tumbas e templos egípcios, criados sob ordens de “deuses” para “deuses”. A escultura grega tomou os primeiros cânones dos egípcios e assírios, mas começou a experimentar, buscando uma representação mais reslista da forma humana.

A pintura grega foi quase que totalmente perdida, a não ser a pintura de alguns vasos, que Gombrich explica terem formado um mercado de arte no qual novas técnicas eram utilizadas e experimentadas, como o escorço. Um tipo de disposição que era totalmente proibido na arte egípcia, passou a ser desenvolvido na arte grega: a maior descoberta desse período, segundo o autor.

charioteer_delphiAs esculturas gregas possuem toda uma aura reconhecível atualmente, mas Gombrich alerta para o fato de que a quase totalidade das que chegaram até nós são apenas cópias dos originais. Podem ajudar a imaginar a arte grega, mas possuem diferenças enormes. Assim como o material, a cor das estátuas também foi prejudicada. A maioria da arte grega era replata de cor, mesmo ao ponto de contrastes fortes de azul e vermelho. Estátuas como a Athena Parthenos foram originalmente produzidas em madeiras e pedras preciosas, mas o que chegou a nós foram cópias romanas em mármore.

Gombrich dá uma atenção especial ao Charioteer, atualmente no Museu Arqueológico de Delphi. Encontrato em escavações, a estátua de bronze foi uma das únicas que restaram. Durante a escassez de metal na Idade Média, as estátuas gregas foram fundidas e se perderam. Os olhos das estátuas são de cor definida, como eram a maioria das estátuas da época. As formas do rostoimitam uma face real. Os artistas gregos já possuíam no século V a.c. um conhecimento avançado da fisionomia e anotomia humanas.

Em resumo, a contribuição da arte grega desse período foi a introdução da representação em escorço e de ações mais realistas, como um vaso representando a lenda de Ulysses, para o qual Gombrich dedica algumas linhas a relação entre a posição e olhar dos personagens.

4. O Reino da Beleza – Grécia e mundo grego, IV a V século antes de cristo

Neste período, a arte grega já estava em um ponto de desenvolvimento no sentido mercadológico no qual as “pessoas comparavam os méritos das várias ‘escolas’ de arte, isto é, dos vários métodos, estilos e tradições que distinguiam os mestres das diferentes cidades”. O artista responsável pela Deusa da Vitória, por exemplo, poderia estar consciente e orgulhoso de seu poder, segundo Gombrich. “Ele não estava mais lutando contra nenhuma dificulade na representação do movimento ou escorço”.

laocoon and his sonsO maior artista do século IV segundo o autor era Praxiteles. A liberdade na representação alcançada por ele, deixando todos os traços de rigidez da arte anterior é característica desse período. Existe apenas um fraco eco do antigo esquema de representar cada parte do corpo em seu ângulo mais característico.

Sobre a escultura Laocoon e seus filhos de Hagesandros, Athenodoros e Polydoros, Gombrich se pergunta o que estava em jogo principalmente: o impacto do horror dessa cena em qual um inocente sofre por falar a verdade ou o poder de representá-la cruamente? Contextualizando-a, Gombrich também suspeita que foi uma obra que poderia te rapelo a um público costumaz de arenas de gladiadores, por exemplo.

5. Conquistadores do Mundo – Romanos, Budistas, Judeus e Cristão, I a IV século d.c.

No final do capítulo anterior, alguns exemplos de pinturas de Pompéia, preservadas em paredes das casas da pequena cidade foram alguns poucos exemplos dessa modalidade de arte do império romano que foram preservados.

Entre as criações da arquitetura, as obras do império Romano que produziram uma impressão mais duradoura segundo Gombrich foram os vários arcos que espalharam pela Irália, França, norte da África e Ásia. O elemento mais importantes na arquitetura Romana foi justamente o uso de arcos, que também caracteriza o Coliseu. Entre os marcos que este império deixou em seu território, a Coluna de Trajano traz exemplos de relevos narrativos sobre as vitórias na Dácia e são comentados por Gombrich.

A arte budista neste capítulo se resume basicamente à descrição da escultura Gautama deixando sua casa, que preservou um episódio da história de Buda. No caso da arte judaica, Gombrich dá uma atenção maior ao quadro Moisés retirando água da rocha. Aparentemente, o painel não é muito bem elaborado. No entanto, o autor acredita que se deve em parte ao fato de que alcançava seu objetivo de contar a história, ao mesmo tempo em que não avançava demais contra o mandamento sobre a produção e louvor de imagens.

+ Leia a primeira parte da resenha de A História da Arte
+ Leia a terceira parte da resenha de A História da Arte
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A História da Arte, de Ernst Hans Gombrich (parte 1)


A História da Arte
, de Ernst Hans Gombrich, foi publicado pela primeira vez em 1950. Quase sessenta anos depois, permanece como uma das referências obrigatórias para estudantes, estudiosos, pesquisadores ou “simplesmente  apreciadores de arte.

É um livro monumental em todos os sentidos. São 700 páginas de textos e imagens produzidos por um autor minucioso, que foi professor e pesquisador da Universidade de Londres durante décadas e também é autor de diversos outros livros sobre história da arte, como Arte e Ilusão – um estudo da psicologia da representação pictórica.

Como vocês já podem ter lido na resenha de Arte e Ilusão, acho o estilo de escrita de Gombrich muito empolgantes, beirando a genialidade. Então decidi escrever vários posts sobre a obra, para ser mais minucioso. Na verdade, estou lendo a versão em inglês, The Story of Art, pelo simples e prosaico motivo: uma promoção me permitiu comprar o livro por metade do preço da versão em português. Mas, na medida do possível, tentarei conferir nomes de títulos e termos.

Neste primeiro post, depois dessas primeiras considerações sobre o livro como um todo, vamos a alguns pontos principais do Prefácio e da Introdução:

Prefácio
No prefácio, Gombrich fala sobre algumas regras que impôs a si próprio na produção de A História da Arte que mostram uma postura correta sobre a arte. Buscando produzir um livro que seja um primeiro contato com a história da arte (pintura, escultura e arquitetura, no caso), não concorda com uma linguagem extremamente didática que subestima o leitor e a evita.

Uma das regras “positivas” que Gombrich declara é tomar a arte historicamente não como uma evolução, como se as obras contemporâneas fossem melhores do que as do passado. O autor busca uma análise das obras a partir do que os artistas intencionam. Os objetivos dos artistas estão inscritos em um contexto específico, e buscando determinadas metas. Segundo Gombrich, cada ganho ou progresso em uma direção significa uma perda em outra, e esse progresso é subjetivo.

Esta edição, a décima-sexta, também inclui prefácios da 12ª, 13ª, 14ª e 15ª edições. Gombrich escreve sobre as adições de capítulos sobre arte contemporânea e novas ilustrações, assim como os anexos do livro, que incluem linha-do-tempo, mapas e bibliografia comentada.

Introdução – sobre arte e artistas
“Não existe uma coisa chamada Arte. Só existem artistas.” Gombrich começa a introdução criticando uma noção de Arte com A maíusculo, que é aquele tipo de postura que toma a arte como uma atividade esnobe ou fetiche. Para Gombrich, não existe um jeito errado de se gostar de uma obra de arte. Fazer com que o espectador lembre de alguém ou de algo querido, pela semelhança da representação é algo tão válido quanto outros motivos.

Estas primeiras discussões a seguir podem parecer ultrapassadas para quem lê o IPF, mas dois pontos precisam ser lembrados: A História da Arte é uma introdução; e foi publicado pela primeira vez em 1950. Então, Gombrich diz que não acredita que o “parecer com o real” deve ser o principal modo de valoração da arte. Toda arte, inclusive esta que busca uma semelhança com o real também é convencional. Para provar seu ponto, Gombrich usa dois ótimos exemplos. O primeiro é sobre a representação de cavalos em corrida. Durante séculos, pinturas mostraram os cavalos congelados na ação com quatro patas no ar. Com o desenvolvimento da fotografia, entretanto, provou-se que tal coisa não ocorre na realidade, entretanto durante algum tempo muitros ainda olhavam para pinturas esperando ver os cavalos representados daquele outro modo.

O segundo exemplo que Gombrich se utiliza e que merece a ilustração aqui é  o processo de produção da obra de Caravaggio chamada “São Mateus e o Anjo”. Abaixo, duas versões da mesma obra, ambas de 1602. Feita por encomenda para o altar de uma igreja em Roma, a versão da esquerda foi a primeira realizada. Foi rejeitada pela Igreja, por representar São Mateus de uma forma humanizada. Nesta ação representada abaixo, o santo começa a escrever milagrosamente, guiado por um santo. Nada mais apropriado do que mostrar o homem simples que, tocado pela mão divina, ainda tem dificuldades de postura e manuseio dos objetos de escrita. Entretanto, a Igreja achou que tal representação mundana de Mateus e do anjo não era apropriada e preferiu a versão mais ascética.


Em seguida, Gombrich continua a escrever sobre a arte, comparando os processos pelo qual as pinturas são produzidas a ações do cotidiano, como a “simples” disposição de um arranjo de flores, por exemplo. No fundo, ambas atividades tratam de balancear formas e cores em busca de uma harmonia. Nas duas também é difícil dizer que harmonia é esta, mas, quando é alcançada, sabe-se que a obra está pronta.

Antes de finalizar a introdução reafirmando suas posições contra a Arte esnobe de A maíusculo, Gombrich escreve sobre a busca de regras, leis e métodos na arte. Dá o exemplo da criação de uma pintura de Rafael, mostrando os rascunhos que o pintor produziu para testar a configuração entre os personagens representados e declara que não é um manual que vai conter todos os passos para se produzir uma obra: ninguém nunca para de aprender sobre arte.

– Leia a segunda parte da resenha de A História da Arte

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A Dança do Sozinho: Uma Análise da Arte Abstrata, de Armindo Trevisan

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O nome mais livre já indica: A Dança do Sozinho: Uma Análise da Arte Abstrata é um livro de artista. As discussões sobre arte abstrata são realizadas do ponto de vista de alguém que faz arte abstrata na prática.

Em setenta páginas A6, o livro de Armindo Trevisan começa, é claro, tratando do surgimento da arte abstrata. Para tanto, foi pelo caminho natural de contextualizar esta arte na sua fase religiosa, mítica dos “primitivos”. A imagem estilizada dos primitivos seria abstrata? Em seguida, escreve sobre a passagem para a mentalidade que busca um Naturalismo.

O sumário é o seguinte:

1. Gênese da Arte Abstrata
2. Diálogo sobre os Pressupostos da Arte Abstrata
3. Visibilidade x Visualidade
4. Diálogo sobre a Irrepresentabilidade da Arte Abstrata
5. Escultura Abstrata: Perdas e Ganhos

Nos capítulos escritos em diálogo (2º e 4º), senti um pouco de afetação desnecessária. Se esse modo de escrever incoropora mais dinamismo, também traz muita imprecisão e ambiguidade que poderiam ser evitadas.

O terceiro capítulo trata da gradual aceitação da arte abstrata do séxulo XX, inclusive sobre “movimentos que aplicavam seus princípios aos mecanismos do sistema industrial, como a Bauhaus e o De Stijl”. O quinto e último capítulo recorta a discussão para a arte da escultura, na qual Trevisan escreve:

“Ao bombardear o núcleo da escultura tradicional, isto é, o bloco, levando-a à fissão, ela desvinculou deste a figura. Noutras palavras, a partir dessa fissão, a efígie independentiza-se, criando a visão abstrata. Não se olha mais o bloco. Um pouco mais e não se olhará nem para este, mas tão-só através deste.”

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Conceitos Fundamentais da História da Arte, de Heinrich Wölfflin

Escrito em 1915, Conceitos Fundamentais da História da Arte apresenta transformações estilísticas nas “belas-artes” entre os séculos XV e XVII a partir de cinco pares conceituais: linear e pictórico; plano e profundidade; forma fechada e forma aberta; pluralidade e unidade; clareza e obscuridade.

Heinrich Wolfflin trata, além da pintura e do desenho, da escultura e da arquitetura também. O livro é recheado de exemplos, com algum destaque para Dürer, Rembrandt e Rubens, o que faz do texto essencial para quem possui interesse nestes artistas.

Em cada capítulo, as transformações são observadas tanto de um ponto de vista histórico quanto do ponto de vista nacional.  E, para uma maior validade, os exemplos utilizados sempre são contrapostos a outros, de mesmo motivo e tema.

O linear é aquele tipo de arte em que os limites formas são delineadas claramente, com linhas bem definidas. A arte pictórica, por sua vez, permite que os efeitos da luz sejam mais evidentes. É a oposição das referências táteis às referências visuais. Abaixo um desenho de Holbein, do século XVI e um de Gabriel Metsu, do século XVII. Clique para expandir.

Em Plano e Profundidade, Heinrich Wolfflin deixa claro que as mudanças não se deram apenas em termos de evolução da expressão da profundidade espacial, mas que principalmente  na relação dos elementos entre os vários planos.  Os exemplos abaixo são de Quentin Masyss, 1507 e Peter Paul Rubens, de 1614.

Em Forma Fechada e Forma Aberta, o autor contrapõe as obras que se fecham em si mesmas, como se fossem uma realidade única, às obras que deixam claro que representam um recorte de um espaço maior. A primeira imagem abaixo é a Santa Ceia de Leonardo da Vinci. Observem a relação das horizontais e verticais com os limites do quadro e com os próprios elementos representados. A segunda imagem é a Ceia em Emaús, de Rembrandt. Observem como o foco da composição não está no centro, a disposição dos elementos e a própria referência ao espaço externo, com a inclusão de “meia porta” no canto direito.

Pluralidade e Unidade tem o subtítulo “unidade múltipla e unidade individual”.  Abaixo, a Ascenção de Maria de Titian e a de Bolswert ilustram as diferenças. De um “sistema articulado de formas” para um “fluxo contínuo”.

Em Clareza e Obscuridade, por fim, também tem um subtítulo abrandando os termos em “clareza absoluta e clareza relativa”. O excerto desta resenha se refere a este capítulo:

“[…] o Barroco evista sistematicamente suscitar a impressão de que o quadro tenha sido composto para ser visto e de que possa ser totalmente apreendido pela visão. Dizemos que o Barroco evita tal impressão pois, na realidade, ao conceber a obra, o artista naturalmente leva em conta o espectador e suas exigências visuais. A verdadeira obscuridade é antiartística. Mas existe, paradoxalmente, uma clareza do obscuro. A arte continua a ser arte mesmo quando renuncia ao ideal da perfeita clareza objetiva.”

As duas imagens abaixo são, respectivamente de Durer (1504) e de Rembrandt (1638).

Obviamente, essas afirmações que utilizei aqui nesta resenha passam bem longe da complexidade das proposições de Wolfflin. Somente uma leitura minuciosa do livro pode resultar na verdeira compreensão do valor desse texto. Esses conceitos não se aplicam somente às “belas-artes”, entretanto. Já postei aqui, há mais de um ano, um exercício que fiz durante uma disciplina na faculdade. Ao final da disciplina “Teorias da Imagem”, aplicamos os conceitos de Wolfflin à análise de fotografias, como esta de Sadayuki Mikami.

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