Estudo sobre predição de traços e atributos pessoais a partir de likes no Facebook

Um estudo promovido por pesquisadores da Universidade de Cambridge e da Microsoft Research ganhou uma enorme repercussão nos últimos dias, por mostrar um método pra predizer características e atributos pessoais, tais como gênero, orientação sexual, etnia, a partir dos likes realizados no Facebook.

A estudante de jornalismo Cátia Tocha me consultou para uma matéria no New4Media, produto laboratorial da Universidade Autônoma de Lisboa e publicou hoje “Gostos” no Facebook analisados para caracterizar utilizadores. Reproduzo abaixo algumas reflexões que fiz a partir das questões realizadas:

 

1 – Qual o principal objetivo de traçar perfis dos utilizadores das redes sociais?

Os objetivos podem ser dos mais variados, mas o que se observa é o interesse mais intenso de três tipos de atores sociais: os próprios detentores dos sites de redes sociais, organizações comerciais e pesquisadores acadêmicos.

Quanto aos primeiros, os sites de redes sociais buscam entender melhor os perfis de seus usuários com fins de realizar ajustes a fim de otimizar a interface, usabilidade e recursos oferecidos pelos seus produtos, com fins de monetizá-los através da venda desta audiência e engajamento.

As organizações comerciais, como empresas e agências, esperam entender seus públicos específicos – o de compradores e potenciais compradores de produtos e serviços -, para criar segmentos e direcionar comunicação, marketing e produtos do modo mais efetivo para cada um deles.

Por fim, os pesquisadores acadêmicos estão interessados em traçar perfis dos usuários de sites de redes sociais como operadores para os mais diversos tipos de problema de pesquisa. Mas, o próprio ato de traçar estes perfis é um dos temas mais interessantes sobre os quais alguns pesquisadores de Comunicação, Psicologia e Computação se debruçam atualmente. Entender até que ponto os dados online são fiéis aos comportamentos efetivos em outras esferas sociais e comportamentais é um dos grandes desafios hoje.

O Facebook sucede e se transformou em uma das maiores empresas do mundo por juntar estes diversos tipos de atores, alguns dos melhores e mais capazes, a serviço da maior comunidade online do mundo.

2 – Estaremos a passar das redes sociais de pessoas para grafos de interesses?

Na verdade, as redes sociais e seus grafos de interesses sempre estiveram intrinsecamente ligados. É difícil, até, operacionalizar como ver as redes sociais e seus interesses de forma separada no mundo real. Diversos fenômenos sociais podem ser expressos com os métodos e visualizações próprios da análise de redes sociais, tais como a homofilia, que é a tendência das pessoas com traços semelhantes (crenças, educação, interesses, consumo cultural etc) a se agruparem.

O estudo dos pesquisadores de Cambridge, amplamente divulgado na imprensa nos últimos dias, traz como uma das principais colaborações à análise desta relação entre redes sociais e interesses o seu método de pesquisa. Ao conseguirem 58 mil voluntários que emprestaram seus dados ao algoritmo desenvolvido, os pesquisadores puderam afirmar as correlações entre os atributos.

É preciso pontuar, entretanto, que as chamadas “mídias sociais” como Facebook, Twitter e afins são desenhadas de modo a serem representações online de seus usuários, que as utilizam para se comunicar, consumir conteúdo e expor-se de acordo com seus interesses e objetivos sociais, profissionais e estéticos. Na medida em que mais e mais pessoas utilizam estes sites por mais e mais tempo em seus dias, as atividades vão se transformando em traços digitais cada vez mais representativos do mundo físico e cultural em torno da internet.

Dessa forma, não são os likes que predizem algo, mas sim os interesses que, no caso do Facebook, são representados desta forma. Um like, no Facebook, é um ponto de dado que serve para uma pessoa se aproximar do que gosta e reafirmar seus traços identitários. Os grafos de interesse são praticamente infinitos e podem ser vistos de infinitas óticas. O Facebook possui 1 bilhão de usuários e seus dados, podendo realizar estas análises do zeitgeist social e cultural de forma profunda. Já outros atores, como organizações, indivíduos e pesquisadores o podem fazer só com pequenos recortes. As pessoas, por exemplo, podem usar de recursos de quantified self tal como o Friends Visual Map (https://apps.facebook.com/challenger_meurs) para identificar padrões de interesses em suas próprias redes, mas só nelas. Organizações podem realizar diversos novos métodos de pesquisas digitais para seus objetivos de negócio, mas com diversas restrições impostas pelo Facebook. O que Michal Kosinski, David Stillwell e Thore Graepel e seus colaboradores conseguiram muito bem, com o apoio de organizações do tamanho da Microsoft Research e Cambridge University, foi mostrar um pequeno – e loquaz – exemplo do que o Facebook pode fazer hoje.

3 – A inteligência dos utilizadores pode ser medida pela apropriação das funcionalidades do Facebook?

Aqui talvez esteja o ponto mais polêmico deste estudo. A aplicação da correlação entre alguns traços culturais e uma medida de inteligência pode trazer diversos malefícios. Qualquer tipo de mensuração de um atributo como “inteligência” é severamente discutido e pode ser contestado. O método utilizado por estes pesquisadores para atribuir um escore à inteligência dos participantes não é totalmente consensual. Na verdade, não existem avaliações consensuais de atributos como inteligência e o “Raven’s Progressive Matrices” é apenas um, por mais reconhecido que seja dos muitos testes do tipo.

Os pesquisadores citam que alguns produtos comerciais e culturais como “The Colbert Report” e “Sephora” podem ser indicativos de maior ou menor inteligência, mas esquecem de pontuar que as medidas de inteligência são também mediadores culturais com influência sobre o comportamento humano. Um indivíduo que tira notas altas em testes de inteligência hoje, provavelmente tirou notas altas ao longo da vida e cresceu com determinadas expectativas sobre si e sua imagem social que o podem ter aproximado mais de produtos e grupos culturais socialmente vistos como “inteligentes”.

O artigo que apresenta os resultados da pesquisa pode ser baixado no site da Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA – http://www.pnas.org/content/early/2013/03/06/1218772110.abstract

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *