Ao completar seus dez anos de existência, o Facebook serve de excelente exemplo prático de uma das definições mais interessantes do que significa poder no mundo contemporâneo. Pensadores como Michel Callon e Bruno Latour exploraram o conceito de “ponto obrigatório de passagem” sobre uma das estratégias para alcançar poder. Nas palavras de Callon: “podemos tentar nos tornar tão indispensáveis que ninguém pode agir sem nós, criando um monopólio sobre certo tipo de força. Se sucedermos nesta estratégia, nos tornamos um “ponto obrigatório de passagem”, um porto compulsório onde todos são forçados a negociar”.
Em 2004, como acompanhamos em primeira mão, lemos ou vimos em biografias controversas sobre Mark Zuckerberg, surgia o site que hoje supera o bilhão de usuários em todo o mundo. Inicialmente uma comunidade exclusiva para alunos de Harvard, o Facebook foi se abrindo pouco a pouco e hoje tem como público potencial qualquer cidadão mundial com acesso à internet. Porém, este crescimento e sua força não foi resultado dessa abertura apenas, mas sim da inserção do Facebook nas propriedades digitais para além de seus domínios.
Os aplicativos sociais, como o mercado de social games que movimentou alguns bilhões nos últimos anos, o newsfeed e sua circulação de informações baseadas em fluxo, os logins sociais e os botões likes trouxeram facilidades para usuários, desenvolvedores, jornalistas, gerentes de marketing e comércio eletrônico e até ativistas políticos. A facilidade construída pelo volume de dados e sua circulação pelos servidores do Facebook seduz os mais diferentes atores sociais: agir, expressar-se, conversar e vender não só são facilitados através do Facebook, como também suas manifestações neste site tornam-se quase que obrigatórias. Para muitos, a rede praticamente engoliu a web, tornando-se sinônimo desta. É uma espécie de simbiose fomentada pelo site de rede social, para seu próprio benefício.
Trata-se aqui tanto de conexão e conectividade (tradução difícil dos conceitos de Jose van Dijck: connectedness e connectivity). Por um lado a cultura participativa é promovida pelas pessoas e seus interesses de sociabilidade e compartilhamento. Atravessando esta comunicação, está presenta também a transformação dos pontos de dados relacionais e de atributos sobre os indivíduos e seus comportamentos, empreendida pelo Facebook para fortalecer seus modelos de negócio. Cada perfil – os “eus” digitais de bilhões de usuários – são também nós em uma rede de dados que só o gigante das mídias sociais tem acesso completo.
É uma população digital conectada e relativamente madura, que já passou por diversas mídias sociais e investiu mais tempo em uma específica, criando suas redes e apresentação de si. O esforço de procurar alternativas supera as insatisfações com o Facebook, de modo geral e prescindir do site significa perder os valores afetivos, temporais e até financeiros depositados ali durante anos.
Assim como acontece com os usuários comuns, o mundo da comunicação passa por um grande desafio ao enfrentar esta dualidade. Ao mesmo tempo em que oferece vantagens gigantescas (circulação rápida de informações, social big data e visibilidade são só alguns exemplos), o ecossistema midiático que tem o Facebook como o centro também lhe dá plenos poderes de mudar as regras do jogo, através de seus algoritmos e decisões de interface.
O que hoje é visto como uma das poucas ameaças ao Facebook, o suposto abandono da rede por adolescentes, é próprio do choque entre gerações. Talvez este grupo social, historicamente contestador, seja justamente o que tem mais energia de mudar e menos coisas a perder. Resta acompanhar e agir nesta rede e nas que a perpassam: nossas ações individuais, de forma coletiva, é que definirão se o Facebook continuará sendo “obrigatório” nos próximos anos.
E você, consegue imaginar o aniversário de 20 anos do site?
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