Battle Royale

Um reality show. Quarenta e dois participantes. Uma ilha. Só um vencedor. pra alcançar a vitória, todos os outros quarenta e um concorrentes devem ser eliminados. Para todo o sempre. Pode não parecer o mais original dos roteiros (vide O Sobrevivente, romance de Stephen King adaptado aos cinemas em 87), mas o mangá Battle Royale tem um diferencial que marca bem a forma que é desenvolvida a trama. Os sorteados são turmas de primeiro ano do colegial. Como todos sabem, já um campo de guerra.

Battle Royale originalmente foi um polêmico romance escrito pelo japonês Koushun Takami em 1999. No final do ano seguinte, Kinji Fukasaku lançou uma adaptação para os cinemas. Apesar de nenhum deles ter sido traduzido para português oficialmente (até agora), o filme e o mangá tornaram-se cult entre internautas, graças ao trabalho de scanlators. Em janeiro de 2006 o último volume foi lançado no Japão, e aqui no Brasil a Conrad lança mensalmente, a partir de outubro.

O realismo do mangá é perturbador. Logo no primeiro volume, uma página dupla mostra um aluno atingido no rosto por um tiro. O aspecto visceral (literalmente) e direto do desenho pode não ser o mais agradável de se ver, mas acusações de sensacionalismo não duram muito. Battle Royale poderia ser um shonen mangá raso, que se concentra nas lutas e mortes. Na verdade, o mangá não é sobre um reality show de matança. A ilha é só uma fachada para que o autor destrinche as relações humanas, principalmente a dinâmica das relações escolares, que podem definir toda a vida de uma pessoa.

Os personagens principais são: Shuuya Nanahara, um órfão de bom coração, que tenta sempre ajudar os colegas mais fracos; Noriko Nakagawa, a paixão do melhor amigo de Shuuya, que promete protegê-la; e Shogo Kawada, um recém-transferido e misterioso aluno. Os três se juntam, não entram no jogo e tentam convencer outros a não participarem.

A cada personagem apresentado na ilha, seu perfil é mostrado pelas atitudes na escola. Os tipos clichês do colegial aparecem, como a garota popular, o otaku, o esportista, o lutador de artes marciais ou a gangue que oprime os mais fracos. O primeiro coadjuvante a aparecer é Yoshio Akamatsu, perseguido por outros alunos no colegial por ser “lento”. Assim que o Programa começa ele enlouquece, lembrando das vezes que foi constrangido ou até espancado. Shuuya tenta convencê-lo a não lutar, mas Akamatsu já perdeu a confiança nas pessoas…

Super Heróis Gays | Gay Super Heroes

Os quadrinhos sempre foram polêmicos em se tratando de personagens de orientação não-hétero. Na maioria das revistas, principalmente as dos universos Marvel e DC, que são as mais vendidas, só existiram heterossexuais durante muito tempo. Na década de 50, o “psicólogo” Frederick Wertham escreveu o relatório A Sedução dos Inocentes, que teve consequências desastrosas.

Nessa obra ele mostrava todos os supostos danos que os quadrinhos provocavam nos jovens. Todos os medos do americano médio da época estavam lá. Além de incentivar o comunismo, a maioria dos heróis eram maus exemplos por incentivar condutas sexuais questionáveis. A Mulher-Maravilha vinha de um país só de mulheres, enquanto Batman e Robin eram chegados demais…

O relatório foi levado ao Senado americano, que discutiu o assunto. Para evitar a falência, as empresas de quadrinhos criaram um código de censura interno que, dentre outras conseqüências, matou o menino-prodígio. Apesar das alegações de Wertham serem em sua maior parte infundadas, o código ajudou a manter os heróis dentro do armário.

Cinqüenta anos depois, a situação vem mudando. O segundo número da revista Mundo Super Heróis (Editora Europa, 10/2006, r$9,90) traz uma matéria de duas páginas sobre super heróis gays. O autor usa o termo genericamente, pois também traz alguns heróis bissexuais e heroínas lésbicas. Talvez até pan, considerando o alienígena Starman.

Entre os mais famosos temos John Contastine, que se declarou bissexual na edição 51 da revista Hellblazer. Na conservadora Marvel, a revista Jovens Vingadores, ainda em seus primeiros números, é a primeira a trazer dois protagonistas gays em relação estável. Os adolescentes Billy Kaplan e Teddy Altman são os heróis Wiccan e Hulkling, possíveis substitutos de Thor e Hulk.

A revista pode ser comprada aqui. Também visite o fórum de discussão F.A.R.R.A., que tem um tópico dedicado à revista aqui.

The comics have always been controversial when it leads to characters with non-hetero orientation. In most magazines, especially those universes of Marvel and DC, who are the most sold, only heterosexual existed for a long time. In the 50’s, the “psychologist” Frederick Wertham wrote the report The Seduction of Inocents, which had disastrous consequences.

In this work he showed all the supposed damage that the comics provoked in young people. All the average American fears of the epoch were there. Besides encouraging the communism, most heroes were bad examples by encouraging a questionable sexual conduct. Wonder Woman came from a country of only women, while Batman and Robin were too close…

The report was brought to the Senate, that discussed the matter. To avoid bankruptcy, comics’ companies created an internal censorship code which, among other consequences, killed the boy-prodigy. Despite most part of the allegations of Wertham were unfounded, the code helped keep the heroes get out of the closet.

Fifty years later, the situation is changing. The second issue of the magazine Mundo Super Heróis (Editora Europa, 10/2006, r $ 9.90) brings a matter of two pages about gay super heroes. The author uses the term generally, which also brings some bisexual and lesbians heroes and heroines. Maybe even pan, considering the alien Starman.

Among the most famous we have John Contastine, who declared himself bisexual in the 51 edition of the Hellblazer Magazine. In conservative Marvel, the magazine Young Avengers, still in its early numbers, is the first to bring two gay protagonists in stable relationship. Adolescents Billy Kaplan and Teddy Altman are the heroes Wiccan and Hulkling, possible replacement for Thor and Hulk.

The magazine can be bought here. Also visit the discussion forum FARRA, which has a topic devoted to the magazine here.

Macanudo e metalinguagem: uma tirinha

Tirinha maravilhosa de Liniers. Os primeiros cinco quadros mostram cinco gatos famosos dos quadrinhos. Os retângulos dedicados a cada gato são formados por outros três. Um menor, em cima, é uma legenda ornamentada, que traz o nome do gato. Abaixo, a imagem do gato, cada um deles desenhado no traço, cor, material e textura característicos. Mais abaixo os nomes dos autores. Há um equilíbrio cromático deveras bonito: no fundo de cada quadrado do meio predomina ou o amarelo ou o azul, alternadamente. A legenda de cima traz como fundo também as cores azul ou amarelo, sendo a oposta a depender do quadro abaixo. Estes cinco retângulos são configurados numa mesma unidade, pela proximidade entre si e distância em relação ao sexto e último. Este traz Enriqueta e Fellini lendo o livro que contêm os primeiros quadros, finalizando a tirinhas com uma metalinguagem dupla (livro de quadrinhos dentro do quadrinho e gato preto dos quadrinhos falando sobre… gatos pretos dos quadrinhos…)

El misterioso hombre de negro, Krazy Kat e Umberto Eco (Macanudo)

No livro Apocalípticos e Integrados (1964), no capítulo O Mundo de Minduim, Umberto Eco aponta para dois caminhos de genialidade individual nos quadrinhos. Sobre o primeiro caminho ele fala de Jules Feiffer e sua capacidade de se reportar aos tipos exemplificadores dos males da sociedade industrial.No segundo, ele fala de Krazy Kat, de George Herriman. Para quem não conhece, esta tirinha publicada na primeira metade do século XX é famosa pela inventividade do autor, que explorava uma mesma situação básica – um rato utilizando um tijolo como projétil contra um gato, que acha a tijolada um ato de amor.

Para Eco, essa tirinha “embora narre um fato que se conclui no fim de quatro vinhetas, não funciona tomada isoladamente, mas só adquire todo o seu sabor na sequência contínua e teimosa que se desenrola, nas tiras que se seguem umas após outras, dia após dia”. (p. 284)

Seria uma condição de poesia a “obstinação lírica” do autor. “Reproduzia-se, numa certa medida, o mito de Xerazade: a concubina tomada pelo Sultão para o gozo de uma noite, após o que seria eliminada, começava a narrar uma estória, e o sultão, esquecida a mulher pela estória, descobria, afinal, um outro mundo de valores e prazeres”. (p.285)

Nas tirinhas de Macanudo dedicadas ao El misterioso hombre de negro identifico estratégia semelhante. Eu diria que estas tirinhas não buscam exatamente o riso. Depois de ler três ou quatro delas, se descobre qual o verdadeiro deleite na sua apreciação. Alguns elementos são recorrentes, a graça está em apreciar o virtuosismo do autor em apresentar a mesma situação com forma diferente.

A tirinha é constituída pelos mais variados e clássicos signos de mistério. O personagem principal tem capa cinzenta que recobre todo o corpo, cartola preta e rosto enigmático. O texto da tirinha é sempre uma locução: linguagem testemunhal, parece que o enunciador da tirinha está a nos contar uma lenda urbana. A natureza macanudense também contribui para criar a atmosfera de mistério: frequentemente pássaros negros interagem com o personagem, além das árvores desfolhadas.

Desvendando os Quadrinhos – "Usando a Sarjeta"

O livro Desvendando os Quadrinhos é uma ótima porta de entrada para quem quer saber mais sobre a “linguagem” da nona arte. O livro de Scott McCloud fala de vários aspectos dos quadrinhos, como o desenho, a narrativa, o tempo, cores e da relação texto-imagem. O diferencial da obra é que são “quadrinhos sobre quadrinhos”. Sim, não é um texto acadêmico convencional, são quadrinhos nos quais o autor aparece e é protagonista de uma aventura que busca definir o que afinal, são quadrinhos e sua linguagem.Aqui apresento o fichamento que fiz do capítulo três, “Usando a Sarjeta”, um dos mais interessantes, no qual o autor postula que os quadrinhos são a arte narrativa que mais exige do leitor, uma vez que seu tipo de “conclusão” é mais consciente e voluntário. É um livro que vale a pena adquirir.

McCLOUD, Scott. “Usando a sarjeta”. In: Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books (1995): pp. 60,93.

A percepção não se dá no ‘aqui-agora’. As coisas existem mesmo sem que os sentidos estejam debruçados sobre. O mundo visível é fragmentado, incompleto. A construção da realidade é baseada em experiência anterior. No caso da atribuição de sentido a figuras com formas elementares, como o círculo, a linha e dois pontos do smile, é uma conclusão. No caso da fotografia, os minúsculos grãos juntos dão sensação de uniformidade. No cinema, com a persistência da imagem na retina, existe a sensação de movimento. Na TV, são os pontos de luz.

Segundo o autor, os quadrinhos são “um meio de comunicação como nenhum outro… um meio onde o público é colaborador consciente e voluntário, e a conclusão é o agente de mudança, tempo e movimento.” (p.65)

McCloud explica o que é a sarjeta, o espaço em branco entre os quadrinhos. É nesse espaço que a imaginação do leitor extrai sentido entre as vinhetas. “Nada é visto entre dois quadros, mas a experiência indica que deve ter alguma coisa lá.” (p.67) Os quadrinhos são fragmentos de tempo e espaço, a conclusão realizada pelo leitor faz com que esses fragmentos se tornem uma realidade única. O autor usa a alusão relacionando a iconografia visual a um vocabulário, enquanto a conclusão seria a gramática. Ao contrário do que acontece na mídia eletrônica, nos quadrinhos a conclusão é voluntária.

O autor usa um exemplo de dois quadros. No primeiro é mostrado alguém prestes a desferir um golpe de machado em outrem. O segundo mostra o céu noturno de uma cidade, cortado por um grito. Uma vez que a ação do assassinato não é mostrada em imagem, o autor diz que “matar um homem entre os quadros significa condená-lo a milhares de mortes”. Cada leitor vai construir a ação do assassinato de um jeito diferente.

A partir disso, McCloud fala que os quadrinhos criam uma “intimidade” com o leitor só superada pela palavra escrita. É um “pacto” entre o criador e o público, por meio da arte e da habilidade do primeiro. A arte estaria relacionada ao aspecto plástico do desenho, enquanto a habilidade é investigada sobre os tipos de transições quadro-a-quadro. O primeiro tipo de transição é a de transição momento-a-momento. Há pouca conclusão envolvida, uma vez que o segundo quadro representa o mesmo objeto, pouquíssimo tempo depois. A segunda é a de ação-pra-ação. O que acontece entre duas ações correlacionadas de um mesmo objeto, no mesmo espaço, fica na sarjeta. Na transição tema-a-tema há um grau de envolvimento maior, em que a narrativa permanece dentro de uma mesma cena ou idéia (o exemplo do assassinato se encaixaria aqui). O quarto tipo é a transição cena-a-cena, nas quais distâncias maiores de tempo e espaço acontecem. A transição aspecto-pra-aspecto mostra vários aspectos de um mesmo objeto. E a última, a non-sequitur, é o tipo de transição que não oferece nenhuma sequência lógica. Apesar de usar a palavra lógica, o autor esclarece que não pensa que existam realmente sequências de quadros que não possuam conexão entre si. Sempre haverá um sentido atribuído, por mais diferente que seja.

Nas páginas seguintes o autor detalha uma experiência estatística que realizou comparando autores e “escolas” diferentes de quadrinhos. O primeiro analisado é Jack Kirby. As transições de ação, tema e cena, nessa ordem, são as únicas que aparecem no trabalho do autor, sendo que a primeira é muito mais freqüente. Ao comparar com o trabalho de Hergé, descobre que a proporção é semelhante e se pergunta se existe uma proporção universal. Mostra outros gráficos de autores americanos e europeus, que exibem uma proporção ainda muito parecida e predominância dos três tipos predominantes em Kirby e Hergé.

Ao considerar a história em quadrinhos como uma série de eventos interligados, McCloud explica essa predominância dos tipos 2 a 4 por mostrarem os eventos de forma eficiente. A transição de ação-pra-ação entre dois quadros pode resumir ou condensar o que uma sequência de momento-a-momento levaria cinco ou seis. O quinto tipo, por ser descritivo, seria um em que não “acontece nada”. E o sexto não se preocupa com os eventos ou narrativa direta.

Para conferir a constância dessa regra, o autor mostra uma tabela com gráficos de transições de obras experimentais de Art Spielgeman. Em alguns, há uma classe completa de transições, que é explicada pelo tipo de história e temas não-convencionais. Finalmente, para conferir se a predominância dos tipos 2 a 4 é natural a narrativas diretas, McCloud analisa os tipos de transições de Osamu Tezuka.

O gráfico mostra os seis primeiros tipos de transição. O segundo ainda é o mais freqüente, mas acompanhado de perto por tema-a-tema, e aspecto-pra-aspecto tem ocorrência significativa. O quinto tipo é frequente nos quadrinhos japoneses. Geralmente é usado para estabelecer a sensação de um clima ou lugar. Não são aspectos no tempo, mas sim em um mesmo momento, a partir dos fragmentos dispersos.

Examinando outros autores japoneses, o aspecto-pra-aspecto continua tendo alta incidência. A princípio, um fator pode explicar o fenômeno. O tamanho dos quadrinhos japoneses, com muito mais páginas que os comics americanos ou os álbuns europeus, permitem que páginas inteiras sejam dedicadas ao estabelecimento de um clima para cena.

O tamanho não é o único fator, muito menos o principal. O autor sugere que essa particularidade se deve à ênfase que a cultura japonesa dá ao processo, em estruturas labirínticas ou cíclicas, ao contrário do padrão ocidental de ir direto ao objetivo. A arte japonesa é uma arte de
intervalos. O que não está na obra, as escolhas e elipses, também são parte da obra, assim como a figura e o fundo são constituintes de uma imagem.

Em seguida, o autor mostra uma história contada em 52 quadros. Depois, a mesma história em 10 e 04 quadros, aumentando a economia gradativamente. Explica que a arte dos quadrinhos é tão substrativa quanto aditiva. O equilíbrio é indispensável. E essa economia é possível porque os criadores pressupõem a experiência do leitor. Novamente o exemplo clássico dos quadros [olho fechado]>[olho aberto].

Fala do controle que o autor pode ter. No caso da disposição dos quadros, podem ocorrer equívocos, e quando a conclusão entre os quadros é mais intensa, as interpretações possíveis tornam-se mais numerosas. Deixa claro que os artistas podem montar transições ambíguas ou quadros que só mostram uma parte da cena de propósito.

O autor revisa a conclusão obtida que a mente funciona como intermediária preenchendo as lacunas entre os quadros e declara que não é só isso o que acontece na leitura de quadrino. Fala novamente da transição aspecto-para-aspecto para tratar da referência aos outros quatro sentidos. Diz que dentro de um único quadro, o artista só pode exprimir informações visuais, e que na relação entre os quadros os outros sentidos são envolvidos.

Menciona o capítulo dois e se pergunta se o tipo de desenho afeta a conclusão. Tomando como verdadeiro o pressuposto de que os desenhos chamados de “‘cartunescos” existem como conceitos do leitor, uma sequência de quadros desse tipo flui com mais facilidade. Por outro lado, as imagens mais “realísticas” são menos fluidas porque se assemelham mais a “uma série de imagens congeladas”. E, por fim, os desenhos mais abstratos, “nos quadrinhos que se preocupam mais com o plano da imagem”, são os que exigem um maior grau de esforço para se chegar à conclusão.

Para o autor, os quadrinhos é o tipo de arte que mais exige do leitor, ao mesmo tempo que é a que mais oferece. É uma arte do “vísivel e do invisível”. Por isso rejeita a noção de que os quadrinhos são uma mistura entre desenho e literatura.

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