Ataque por Infográfico: notas sobre aplicação de dados e marketing de conteúdo

No início de julho, nos últimos dias da Copa do Mundo, foi publicado um curioso e interessante texto no site Máquina do Esporte. Com o título “Copa do Mundo assiste a explosão de análises das redes sociais”, o jornalista faz uma crítica à publicação de análises e infográficos baseados em dados nas mídias sociais.

Nas palavras do jornalista, que parece desconhecer o histórico do mercado de inteligência digital no Brasil, “A Copa fez emergir no Brasil algo recorrente em redes sociais estrangeiras. Hoje, há muito mais agências que divulgam levantamentos feitos em mídias como Twitter e Facebook sobre o comportamento do consumidor. O que ele está falando, onde ele fez check-in, quais atletas e seleções ele menciona, tudo o que dizem está sendo monitorado e transformado em infográficos recheados de números – muitos com pouco valor na prática.

O mais curioso porém, foi transformar dados de algumas agências e consultorias, algumas delas que ajudaram a evoluir este mercado no Brasil, em um meta-infográfico irônico. Na chamada para o infográfico, “Tente caçar, no infográfico a seguir, algum dado útil para sua empresa.

Segue abaixo o meta-infográfico publicado:

ataque por infografico maquina do esporte

A dica do caso foi do Thiago Filipe, em post no produtivo grupo “Entusiastas do Monitoramento e Métricas“. Além da importância de registrar este peculiar caso de “ataque por infográfico”, o texto toca em duas questões que acho bem interessantes, então vou desenterrar o debate neste post.

Existe valor em todas medições de Dados Sociais Digitais?
O uso de dados extraídos de mídias sociais, especialmente o Twitter, que favorece isto por filosofia empresarial e por affordance sociotécnica, enquanto atalho para opiniões de consumidores, é lugar-comum hoje. Em postagem recente trouxe alguns exemplos de como o Twitter pode ser considerado uma plataforma que reúne 300 milhões de sensores humanos, gerando dados para fins tão dispersos quanto reagir a terremotos ou descobrir se um programa de TV está dando certo.

Já o mercado de inteligência de mercado baseada em mídias sociais é o carro-chefe da distribuição de gráficos, visualizações, relatórios e infográficos sobre as opiniões de consumidores (clientes, eleitores, militantes a depender do foco). Conhecendo centenas de empresas brasileiras que dependem deste rico fluxo de informações em tempo-real, transformado em valor para empresas, é desnecessário dizer a importância deste tipo de matéria-prima digital.

Mas o desafio explícito na publicação foi: “Tente caçar, no infográfico a seguir, algum dado útil para sua empresa“. Em primeiro lugar, a matéria esquece de analisar o papel do contexto: mesmo dados quantitativos, que foram até repetidos em vários infográficos diferentes, podem ter valor. Como apontou o Paulo Cabral naquele tópico, mesmo o volume quantitativo das menções apresentado nos gráficos, sem análise profunda, poderia ser observado como um indício para cursos de idiomas ou confecção de camisas esportivas, por exemplo.

Outro erro básico foi não entender o objetivo: a publicação e circulação dos infográficos pelas empresas citadas não tem o objetivo de gerar sólidas aplicações e informações acionáveis. É uma modalidade de divulgação B2B que busca apresentar algumas características básicas do serviço como coleta, codificação, clustering e o tamanho do volume, pois ignorar milhares de menções que podem ser coletadas e processadas a relativo baixo custo não é algo muito inteligente. O objetivo destes simples infográficos é quase publicitário, dar um gostinho da coisa.  Como disse o Augusto Carneiro, “resumindo: “favor avaliar esse elefante pela sua capacidade de subir em árvore”.

Porque os infográficos ficaram tão populares?
Mas quando falamos do formato de “infográfico”, entretanto,  tenho algumas ressalvas. Não é o caso de todas empresas citadas pela Máquina do Esporte, pois parte delas publicam também outros formatos de conteúdo, mas não será que os arremedos de infográficos que vemos por aí estão sendo publicados demais? Não será que temos muitos infográficos e poucos artigos?

Quem acompanha meu blog ou SlideShare, sabe que sou um entusiasta das táticas de conteúdo na relação entre empresas. Acredito, sobretudo em mercados que envolvem algum tipo de disrupção ou inovação (como é o caso de parte do mercado de comunicação digital), que produzir conteúdo que ensine ou problematize algo é quase uma obrigação das empresas destes mercados.

O Nathan Yau, do excelente Flowing Data e autor de 2 livros sobre o tema, dá algumas dicas no texto “The Do’s And Don’ts Of Infographic Design“. Yau cita três problemas que são correntes:

  • Mostre, não fale
  • Se o cliente queria um gráfico do Excel, ele não precisa de você
  • Tipografia não deve ser uma muleta

Ouso dizer que 90% dos “infográficos” em circulação infringem estas três regras e não merecem ser chamados de infográficos, pois não apresentam a informação de modo visual, chegando mesmo a ser um apanhado de caixas de texto e gráficos sem ligação. Isto sem nem mencionar a massiva ausência de fontes, referências ou clareza metodológica.

Parece-me que, no mercado empresarial de comunicação digital, o foco das táticas de comunicação parece estar cada vez menos no “texto de qualidade” para ser algo “shareable” (leio essa palavra em textos brasileiros com frequência, para meu pesar). Menos primeira página no Google, mais “Pessoas Falando sobre Isto” no Facebook. Com a premissa de que imagens geram mais engajamento, infográficos (ou “memes”, deus nos proteja) em páginas de Facebook recebem mais atenção que artigos em blogs.

A ojeriza ao texto está tão em voga que vejo empresas publicando documentos de 3 mil palavras e chamando de “ebooks”. Será realmente que estamos lendo e escrevendo tão pouco que PDFs de 8 páginas já merecem ser chamados de e-livros?

A Banalização dos Infográficos

Não é nem um pouco irônico começar este post com um infográfico sobre infográficos.

Desde o momento em que a demanda por consumo de informação foi aumentando, um aparato de produção massiva de infográficos se formou para atender o que hoje podemos chamar de “Indústria da Era da Visulização de Dados”.

Historicamente, o consumo de dados surge da necessidade de tornar acessível à população informações que muitas vezes não são compreendidas, por estarem sendo repassadas em linguagem técnica e , portanto, restrita a um pequeno grupo de pessoas.

Porém, há registros de um mapeamento do surto de cólera, que ocorreu em 1854, no bairro do Soho, em Londres, feitos pelo médico inglês John Snow. Este estudo é um claro exemplo da preocupação da ciência de tornar a informação acessível para leigos através de infográficos.

Contudo, o fator preocupante neste contexto é a banalização do uso dessa técnica de produção visual, em detrimento da qualidade dos dados ali expostos. A quantidade exacerbada de infográficos disseminados na rede é algo que deve ser avaliado nas estratégias de comunicação, uma vez que o infográfico tem por natureza carregar informações relevantes, que ofereçam algum tipo de conhecimento para o receptor da mensagem.

Outro ponto que deve ser analisado, simplificar o acesso, a disseminação e o entendimento de estudos, não significa pobreza de conteúdo. O consumo de informação é sem dúvida essencial paras as pessoas, mas a qualidade é quem vai dar a base para o conhecimento.

Para encerrar, vale a reflexão:
“O que a informação consome é bastante óbvio: a atenção de seus destinatários. Assim, a riqueza (volume) de informação gera uma pobreza de atenção” SIMON, Hebert (1971).

 

* Post por Mariana Ferreira, Analista de Monitoramento e Métricas de Mídias Sociais na Ideia 3 Propaganda