Pensando Raça a partir da Teoria da Informação: a diferença que faz diferença

Praticamente qualquer aluno meu já me viu citar a frase “informação é a diferença que faz diferença”. Atribuída ao matemático Gregory Bateson, é um ótimo modo de debater a distinção entre dados e informação antes de chegar aos conceitos da pirâmide DIKW (Data, Information, Knowledge e Wisdom). O que Bateson quis dizer é que informação é uma observação que faz diferença para algum “objetivo” ou em termos de “efeitos” possíveis. Em sala de aula, uso o exemplo das cores das camisas e número de notebooks. As cores das roupas dos alunos podem compor uma “diferença” observável. Posso contar a distribuição das cores. O mesmo acontece com o número de notebooks. Mas, enquanto professor, somente esta segunda diferença “faz diferença” para meus objetivos: a partir do número de notebooks em sala posso planejar melhor as atividades práticas. As cores das roupas não são informação relevante pra mim. Por outro lado, podem se tornar informação em algum exemplo sobre análise cultural e moda (ex: anti-esquerdismo diminuiu o uso de vermelho? cariocas usam mais cores que paulistas?).

É a partir desta famosa frase do Gregory Bateson que o pesquisador Syed Mustafa Ali (Open University) inicia o artigo Race: The Difference that Makes a Difference publicado na tripleC em 2012. O autor busca entender as interseções das disciplinas da Teoria Racial Crítica e da Teoria Crítica da Informação e como elas tem abordado a questão.

Quanto às múltiplas áreas da Teoria da Informação, o autor resgata diferentes abordagens, sobretudo as colaborações do filósofo Luciano Floridi em torno da filosofia da informação, que se debruça sobre tópicos, métodos e teorias do campo para estudar suas definições e colaborações. Mais recentemente, a perspectiva das ciências sociais como o trabalho de Scott Lash e Christian Fuchs (autor também de Social Media: A Critical Introduction) trazem panoramas críticos de classe, gênero e raça mas, segundo Ali, priorizando a primeira a partir de frameworks neo-Marxistas.

A colaboração da Teoria Racial Crítica, então, é essencial para a questão de pesquisa proposta. Depois de citar a crescente re-leitura informada por discurso crítico sobre raça de filósofos pós-Iluminismo a partir do trabalho de Emmanuel Chukwudi Eze nos últimos 20 anos, Ali chega à conclusão de que a perspectiva informacional não tem sido realizada. Quando é realizada, tende a ser de um olhar mais sociológico do que filosófico, em itens como: a) exclusão digital; b) representação e relações de poder em ambientes online; c) o uso de tecnologias digitais para agendas de supremacistas brancos; e d) contribuições africanas e afro-americanas à teoria dos sistemas e cibernética.

 

Mas qual a colaboração que Teoria dos Sistemas e Teoria da Informação podem trazer ao entendimento sobre raça, racismo e processos de racialização?

A proposta que se aproxima do que o Mustafa Ali procura seria, para o autor, a formulação de racismo oferecida por Fuller Jr.:

“Um sistema de pensamento, discurso e ação operado por pessoas que se classificam como “brancas” e que usam engano, violência e/ou ameaça de violência para subjugar, usar e/ou abusar de pessoas classificadas como “não-brancas” sob condições que promovam a falsidade, injustiça e incorrigibilidade em uma ou mais áreas de atividade, para o fim último de manter, expandir e/ou refinar a prática da supremacia branca (racismo)” (1984, 301)

Na visão de Fuller Jr. racismo equivale a supremacia branca e é um sistema global composto de 9 áreas principais de atividades ou sub-sistemas: economia, educação, entretenimento, trabalho, lei, política, religião, sexo e guerra. Para Ali, a colaboração de Fuller Jr. é uma formulação que é orientada para raça de forma radicalmente alternativa a outros pensadores críticos como Giddens, Bourdieu e Habermas.

Em seguida, as definições de Teoria Racial Crítica e Teoria Crítica da Informação são vinculadas para propor uma abordagem hermenêutica reflexiva sobre raça e informação. Quanto ao termo informação, polissêmico, Ali referencia von Bayer para explicar que informação pode ser vista de forma dual tanto como inform-ação quanto in-formação. No primeiro sentido, se refere à transmissão de significados e no segundo se refere à transmissão de forma, que pode ser configuração, ordem, organização, padrão, estrutura ou relacionamento. Neste sentido, a circulação de alguns padrões de pensamento no mundo pode ser vista como informação, tal como a ideia de hierarquia racial, discriminação e dominação associadas à diferença racial.

Assim, é possível ver raça como sistema e como processo. Como sistema, Ali cita Charles Mills para afirmar que racismo pode e de fato existe em potência puramente estrutural, isto é, em termos de relações de poder incorporadas diferencialmente que não são sempre explicitamente intenacionais então não são dependentes de consciência para a continuidade de sua existência. Assim, a ideia de “contrato racial” proposta por Mills pode ser vista como:

that set of formal or in-formal agreements or meta-agreements (higher-level contracts about contracts, which set the limits of the contract’s validity) between the members of one subset of humans, henceforth designated by (shifting) “racial” (phenotypical/genealogical/cultural) criteria C1, C2, C3… as “white”, and coexten-sive (making due allowance for gender differentiation) with the class of full persons, to categorise the remaining subset of humans as “nonwhite” and of a different and inferior moral status

Barnor Hesse é a referência citada a seguir para falar de raça como processo. Para Ali,  mais do que estar correlacionado com a presença (ou ausência) de marcadores materiais no corpo,

“racialization [is] embodied in a series of onto-colonial taxonomies of land, climate, history, bodies, customs, language, all of which became sedimented metonymically, metaphorically, and normatively, as the assembled attributions of race”

Deste modo, a perspectiva consegue dar conta dos processos pelos quais racialização acontece nas interseções com contextos e projetos político-econômicos de poder em cada período, como o acirramento do ódio contra islâmicos nos EUA nos últimos 30 anos. Por fim, o artigo enfatiza a importância dessa aproximação entre as áreas da ciência da informação e da teoria racial crítica para abordar os processos de resgate de argumentos e ideais biológicos do conceito de raça graças a biometria, barateamento de testes genéticos e afins.

Para saber mais sobre o trabalho do Syed Musfata Ali, acompanhe suas páginas na Open UniversityResearchGate  ou confira a palestra abaixo:

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